Segurança

Oferta de jato J-10CE da China à Colômbia ameaça remodelar dinâmica de segurança sul-americana

Oferta inesperada de Pequim à Colômbia provoca alarme enquanto Bogotá avalia mudança após décadas de estratégia de defesa bem-sucedida apoiada pelos EUA.

Militares chineses diante de jato de combate Chengdu J-10C (J-10CE é a versão de exportação) na Exposição Internacional de Aviação e Aeroespacial da China, em Zhuhai. [Noel Celis/AFP]
Militares chineses diante de jato de combate Chengdu J-10C (J-10CE é a versão de exportação) na Exposição Internacional de Aviação e Aeroespacial da China, em Zhuhai. [Noel Celis/AFP]

Por Edelmiro Franco V. |

BOGOTÁ – A proposta da China de vender aviões de combate J-10CE à Colômbia, apresentada durante a recente visita do presidente Gustavo Petro a Pequim, gerou alarme entre analistas militares e geopolíticos, que alertam para potenciais implicações de segurança nacional, regional e internacional.

O portal especializado em defesa Infodefensa foi o primeiro a relatar a oferta chinesa, que surgiu durante a visita de Petro a Pequim, de 12 a 16 de maio, para participar da Quarta Reunião Ministerial do Fórum China-CELAC. Petro tratou de vários assuntos com autoridades chinesas, entre elas o presidente Xi Jinping, em 14 de maio.

Um dos objetivos centrais da viagem foi a assinatura de uma carta de intenções para a adesão da Colômbia à Iniciativa do Cinturão e Rota da China (ICR), um amplo programa de infraestrutura global que visa expandir a influência econômica e estratégica de Pequim.

No entanto, a proposta de fornecer caças J-10CE teria pego a delegação colombiana de surpresa.

Presidente chinês, Xi Jinping (à esquerda), e presidente colombiano, Gustavo Petro, participam da cerimônia de abertura do Quarto Fórum Ministerial China-CELAC em Pequim, em 13 de maio. [Pedro Pardo/AFP]
Presidente chinês, Xi Jinping (à esquerda), e presidente colombiano, Gustavo Petro, participam da cerimônia de abertura do Quarto Fórum Ministerial China-CELAC em Pequim, em 13 de maio. [Pedro Pardo/AFP]

A Força Aérea da Colômbia opera antigos caças Kfir de fabricação israelense, a maioria dos quais em uso há mais de três décadas. Como a frota se aproxima do fim da sua vida útil, as autoridades consideram sua substituição uma prioridade urgente.

A China ofereceu 24 caças J-10CE ao custo de US$ 40 milhões por unidade, valor que inclui armamento ar-ar e facilidades de financiamento, de acordo com reportagem do Infodefensa em 16 de maio. O acordo deixa espaço para a Colômbia expandir a frota.

Aceitar a oferta chinesa marcaria uma mudança significativa na postura de defesa da Colômbia e na filosofia operacional das forças armadas. Historicamente, os militares colombianos sempre escolheram os sistemas dos EUA e do Ocidente. A entrada da China na equação poderia alterar o equilíbrio regional de poder.

A medida pode afetar a dinâmica de segurança da Colômbia com países vizinhos e remodelar seu papel na política de defesa hemisférica, alertam analistas.

Aposta em jato da China

O brigadeiro-general (da reserva) da Força Aérea Colombiana Juan Carlos Gómez, professor associado do Centro William J. Perry para Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade de Defesa Nacional em Washington, manifestou grandes preocupações em relação à oferta de aviões de guerra da China.

A Colômbia já assinou uma carta de intenções para adquirir caças suecos Gripen, aeronaves projetadas para atender aos padrões da OTAN, enfatizou.

Isso "reflete uma preferência por aeronaves de fabricação ocidental", explicou ele ao Entorno.

Migrar para o J-10CE da China, alerta Gómez, representaria uma grande mudança doutrinária para a força aérea colombiana. "Além de um desafio em termos de manutenção e suporte técnico, visto que se trata de uma tecnologia que o país não operava anteriormente."

Especialmente preocupante, para ele, é o fato de a proposta chinesa aparentemente não ter sido submetida à avaliação rigorosa para a substituição dos antigos caças israelitas da Colômbia.

"É preocupante que esta opção não tenha sido submetida à análise da equipe técnica, operacional e financeira que há mais de uma década avalia a renovação da aviação estratégica. Proceder sem um estudo exaustivo poderia comprometer a coerência do processo de modernização da Força Aeroespacial Colombiana", aponta Gómez.

A geografia da Colômbia, observa ele, exige aeronaves com amplo alcance, desempenho robusto em terrenos montanhosos e versatilidade para desempenhar funções defensivas e ofensivas.

Embora reconheça a aviônica moderna e a agilidade do J-10CE, Gómez avalia que o alcance limitado da aeronave fica aquém do que a Colômbia exige para missões estratégicas de longo alcance.

“Sua autonomia é mais limitada em comparação com as opções ocidentais, como o Gripen”, afirmou.

Gómez associa a oferta chinesa ao crescente interesse de Pequim na América Latina. A proposta da China "parece alinhar-se com sua estratégia de expansão na América Latina, onde procura fortalecer os laços comerciais e militares com países que tradicionalmente operam tecnologia ocidental”, ressaltou.

Aceitar a oferta, adverte ele, poderia levar a Colômbia a um caminho de dependência política e tecnológica, com potenciais consequências para a cooperação com a OTAN e outros aliados de longa data.

Se Bogotá alinhar-se com Pequim para modernizar sua frota, “o equilíbrio estratégico na região poderá ser alterado", salientou Gómez. "Poucos países (latino-americanos) operam material de guerra chinês nas suas forças aéreas."

“Uma mudança no alinhamento tecnológico poderia ter consequências de longo prazo nas capacidades de defesa do país e nas relações internacionais”, concluiu.

China testa alianças

Para Fabio Sánchez, professor de relações internacionais da Universidade Sergio Arboleda, em Bogotá, a oferta da China de vender aviões de combate à Colômbia sinaliza mais do que apenas uma transação comercial: reflete a crescente aposta de Pequim por influência na América Latina.

"É uma consequência da projeção de poder e busca pela influência chinesa na região", relatou Sánchez ao Entorno.

"Estamos vivendo um novo momento na geopolítica contemporânea e nas áreas de influência. Elas estão sendo reconfiguradas pelas ações políticas, diplomáticas e comerciais das potências. A venda de tecnologia militar faz parte disso", ressalta ele.

O cenário de defesa tradicional da América Latina depende há muito tempo de equipamentos dos EUA, da Europa e de Israel, lembra Sánchez.

"A compra dos referidos equipamentos envolve contratos, manutenção, peças de reposição e instruções", explica.

Segundo Sánchez, a doutrina de defesa da Colômbia remonta à sua participação na Guerra da Coreia (1950-1953).

Desde então, "os Estados Unidos têm influenciado nossa doutrina militar", exalta. "Não devemos esquecer o impacto do Plano Colômbia [iniciativa de política externa dos EUA de 2000-2015] nas táticas, na mobilidade e no fortalecimento das forças militares na luta contra as drogas e a insurgência.”

Sánchez enfatizou a natureza profundamente enraizada dos laços EUA-Colômbia, incluindo a cooperação militar e uma agenda diplomática que prioriza a democracia, esforços antinarcóticos e a luta contra o crime organizado.

Além disso, o mercado dos EUA "é vital para as nossas exportações", acrescenta.

À medida que o governo da Colômbia desenvolve laços militares e econômicos mais fortes com a China, Sánchez alerta que a medida introduz uma nova camada de incerteza.

"Não sabemos como Washington responderá. Mas também não sabemos o que nos espera com Pequim", finaliza o especialista.

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