Segurança

Crescente influência chinesa nas forças armadas chilenas alarma analistas

Cultivar laços de defesa com a China prejudica interesses nacionais do Chile, dado o autoritarismo e as ambições de domínio de Pequim, dizem analistas.

Ministra da Defesa do Chile, Maya Fernández, se reuniu com o ministro da Defesa da China, Dong Jun, em Pequim, em13 de setembro, para “reativar a cooperação mútua em defesa” e “aumentar a cooperação em segurança marítima”. [Ministério da Defesa do Chile]
Ministra da Defesa do Chile, Maya Fernández, se reuniu com o ministro da Defesa da China, Dong Jun, em Pequim, em13 de setembro, para “reativar a cooperação mútua em defesa” e “aumentar a cooperação em segurança marítima”. [Ministério da Defesa do Chile]

Por Alicia Gutiérrez |

SANTIAGO —O recente encontro entre a ministra da Defesa do Chile, Maya Fernández, e seu homólogo chinês, o almirante Dong Jun, provocou grande incerteza e preocupação nos círculos políticos e militares chilenos.

As conversas que aconteceram em Pequim no dia 13 de setembro, com duração de mais de uma hora, tiveram como objetivo reforçar as relações entre os dois países nas áreas de defesa e segurança, informou o Ministério da Defesa chileno em comunicado.

Embora o Chile mantenha uma relação de longa data com a China, é crucial distinguir entre uma parceria diplomática e comercial sólida e um compromisso militar que suscita sérias preocupações, aponta Alberto Rojas, diretor do Observatório de Assuntos Internacionais da Universidade Finis Terrae, numa entrevista ao El Mercurio publicada em 16 de setembro.

“Uma coisa é manter uma relação diplomática e comercial fluida, outra é aprofundar os laços militares neste momento”, disse ele ao El Mercurio.

Ministra da Defesa do Chile, Maya Fernández, durante sua visita a Pequim para finalizar os pactos de cooperação com a China. [Ministério da Defesa do Chile]
Ministra da Defesa do Chile, Maya Fernández, durante sua visita a Pequim para finalizar os pactos de cooperação com a China. [Ministério da Defesa do Chile]

A informação disponibilizada é vaga e carece de detalhes suficientes, deixando perguntas sem resposta sobre o que implicaria verdadeiramente a “expansão da cooperação militar com a China”, afirmou.

“Será que isso envolve compra de equipamento militar chinês, colaboração entre serviços secretos ou mesmo exercícios conjuntos?”, disse, levantando preocupações sobre as especificidades do acordo.

Apesar de as forças armadas chilenas manterem laços com vários países e comprarem equipamento de diferentes fornecedores, Rojas destacou a “importância” de abordar estas relações numa perspetiva mais estratégica e a longo prazo.

O mundo está no meio de uma nova Guerra Fria, com a rivalidade entre Washington e Pequim no centro, disse.

A América Latina se tornou um campo de batalha fundamental nesta luta pela influência, disse ele.

“Temos de reconhecer que as escolhas que o nosso país faz terão inevitavelmente consequências significativas.”

“As alianças comerciais diferem fundamentalmente das militares, uma vez que estas últimas envolvem questões críticas de segurança e defesa”, observou, destacando que o reforço dos laços com um aliado exige uma compreensão comum dos interesses, necessidades e valores.

Em 2024, o Chile participou ativamente em vários exercícios multinacionais ao lado do Comando Sul dos EUA (SOUTHCOM), lembrou ele.

Estes casos “demonstram uma verdadeira proximidade, confiança e respeito entre o Chile e os Estados Unidos em matéria militar, que poderiam ser significativamente prejudicados por uma aproximação incerta com a China neste domínio”, disse Rojas.

‘Mau negócio’

Da mesma forma, John Griffiths, ex-vice-comandante do exército chileno e diretor de estudos de segurança do AthenaLab, manifestou suas preocupações após o anúncio da reunião entre os ministros da Defesa da China e do Chile.

“Espero que isso não seja um sinal de realinhamento, porque as relações de defesa devem ser construídas com base em parcerias sólidas com fornecedores estabelecidos que promovam a cooperação estratégica. Não se trata simplesmente de mudar de lealdade, especialmente quando os sistemas de armas e as doutrinas militares envolvidas são tão diferentes”, disse em entrevista ao canal chileno Bio Bio TV.

A China emergiu como importante fornecedor de tecnologia de dupla utilização na América Latina, provendo equipamentos críticos como radares, satélites e sistemas de vigilância, ressaltou ele.

Mas ele argumenta que mudar o alinhamento da defesa para a China seria um “mau negócio”, pois poderia comprometer as relações cruciais com os aliados tradicionais.

“Espero que esta visita seja estritamente de rotina e não envolva discussões sobre a aquisição de capacidades, pois isso representaria uma mudança significativa com implicações profundas para as forças armadas chilenas”, disse.

Uma possível abordagem das relações de defesa e segurança “significaria uma mudança fundamental na doutrina, formação, logística e especialização”, acrescentou.

“Um alinhamento com um novo país poderia levar nossos fornecedores tradicionais —que são essenciais para a manutenção dos nossos sistemas de armamento — a restringirem seu apoio. Em última análise, isso constituiria um acordo muito desfavorável”, disse ele.

Problema grave

Em artigo publicado em meados de setembro no jornal local La Tercera, Jorge Bustos, ex-ministro da Defesa do Chile, enfatizou a importância de se obter um entendimento mais profundo do que o comunicado de imprensa referiu como “reativar a cooperação de defesa mútua” e “aumentar a cooperação de segurança marítima”.

“Temos de ser extremamente cautelosos e prudentes no que diz respeito aos acordos de defesa com países não democráticos. Também é importante lembrar que os nossos sistemas de armamento aéreo, marítimo e terrestre são todos de origem ocidental”, disse ele.

O Chile deve definitivamente manter uma relação positiva com a China, seu maior parceiro comercial, disse o candidato a prefeito de Santiago, Mario Desbordes, também ex-ministro da Defesa.

Mas “nosso país tem sistemas alinhados com a OTAN e Israel como parceiros e aliados, o que torna difícil a mudança tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista geopolítico”, destacou.

O apoio da China a regimes como da Rússia, Irã, Coreia do Norte, Venezuela e Cuba representa um desafio significativo no panorama internacional, acrescentou.

Intimação pendente

A Comissão de Defesa da Câmara dos Deputados, presidida por Camila Flores, anunciou em 16 de setembro planos para convocar Fernández.

“Vou pedir que a ministra da Defesa compareça à Comissão de Defesa para esclarecer as razões e os objetivos do seu encontro bilateral com o Ministério da Defesa chinês”, disse em entrevista ao El Mercurio.

“É extremamente preocupante que o governo esteja interessado em manter relações de defesa com um país que é, francamente, antidemocrático. Não vejo que tipo de benefícios isso pode trazer para o Chile. Pelo contrário, isso nos coloca em uma posição negativa internacionalmente e representa um risco significativo para nossa defesa nacional”, advertiu.

Parceiro inadequado

El Mercurio publicou cartas sobre o significado do encontro de Fernández com Dong.

A jornalista Karin Ebensperger Ahrens manifestou preocupação, afirmando que o aumento da cooperação militar com a China representa um risco.

“Uma parceria deste tipo poderia aumentar a probabilidade de uma interferência perigosa do Partido Comunista Chinês (...) na segurança estratégica do Chile, o que poderia afetar as relações com os aliados ocidentais”, disse.

Manfred Wilhelmy, professor de relações internacionais da Universidade do Chile, partilha deste sentimento. A questão é “extremamente sensível e merece um debate exaustivo e profundo”, disse.

A convergência com a China em matéria de defesa e segurança “não é do interesse nacional do Chile”, disse ele, citando várias razões importantes.

“A China tem um regime autoritário liderado por um partido hegemônico com aspirações de domínio regional e mundial, regido por princípios que diferem significativamente dos considerados legítimos pelo Chile”, concluiu.

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