Ambiente

Preocupações ambientais emergem com projeto ferroviário Bolívia-Brasil-China

Iniciativa recebe críticas por seu provável impacto ambiental, já que linha férrea atravessaria áreas protegidas.

Rota proposta para o Trem Bioceânico liga Bolívia, Brasil e Peru para facilitar o comércio com a China. O projeto voltou a ser alvo de atenção no fim de novembro, após a visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao Brasil. [Diana Herrera Reyes].
Rota proposta para o Trem Bioceânico liga Bolívia, Brasil e Peru para facilitar o comércio com a China. O projeto voltou a ser alvo de atenção no fim de novembro, após a visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao Brasil. [Diana Herrera Reyes].

Por Aurora Lane |

LA PAZ – A proposta de construção de uma ferrovia ligando os oceanos Atlântico e Pacífico através da Bolívia, Brasil e Peru ganhou nova atenção no fim de novembro, após a visita do presidente chinês, Xi Jinping, ao Brasil.

Mas as preocupações também ressurgiram rapidamente, com ambientalistas e outros alertando para o fato de o projeto “Bioceânico” poder ter impactos ambientais negativos significativos.

Durante a Cúpula do G20 no Rio de Janeiro, o presidente boliviano, Luis Arce, conversou com Xi em 19 de novembro sobre financiamento e comércio entre as duas nações.

Durante o diálogo, voltou a surgir a possibilidade de construir uma linha férrea transcontinental, que melhoraria a logística de exportação de matérias-primas e alimentos para a China, ligando os oceanos Atlântico e Pacífico.

Ministra das Relações Exteriores da Bolívia, Celinda Sosa, e diretor de alfândegas da China, Yu Jianhua, durante assinatura de acordos comerciais em Pequim no fim de novembro. Yu morreu em dezembro. [Celinda Sosa/mídias sociais]
Ministra das Relações Exteriores da Bolívia, Celinda Sosa, e diretor de alfândegas da China, Yu Jianhua, durante assinatura de acordos comerciais em Pequim no fim de novembro. Yu morreu em dezembro. [Celinda Sosa/mídias sociais]

Arce salientou nas suas redes sociais que Xi “manifestou interesse em explorar a construção de (...) uma ferrovia que ligue o Oceano Pacífico ao Atlântico”.

O projeto da linha ferroviária Atlântico-Pacífico remonta, pelo menos, a 2013, quando o então presidente boliviano, Evo Morales, iniciou discussões sobre possíveis rotas de trem ligando Bolívia, Brasil e Peru.

Em 2023, com Arce, as negociações sobre esta iniciativa foram retomadas.

Preocupações ambientais

Um dos principais objetivos é agilizar o comércio brasileiro, que tem a China como principal comprador, permitindo que as mercadorias cheguem a Xangai mais rapidamente – em 50 dias – atravessando o Pacífico.

Atualmente, as exportações brasileiras enfrentam rotas mais longas, seja pelo Canal do Panamá ou por via terrestre cruzando a América do Sul.

A iniciativa foi alvo de críticas devido às preocupações com o impacto ambiental da linha férrea proposta, que atravessaria áreas protegidas com ecossistemas vulneráveis.

Uma das principais preocupações é que o projeto possa incentivar atividades extrativistas em toda a América do Sul, como a criação de gado, outros agronegócios e a mineração.

Estas indústrias são conhecidas por contribuírem para o desmatamento, bem como para a contaminação da água e do solo.

“Me preocupa muito a falta de salvaguardas ambientais nos financiamentos chineses”, disse ao Entorno a senadora boliviana Cecilia Requena.

“Outras instituições financeiras multilaterais, como o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] e o Banco Mundial, têm garantias muito mais claras, mas não vejo nada semelhante por parte da China, e isso me preocupa muito."

Na qualidade de legisladora da Comunidad Ciudadana, com forte ênfase nas questões ambientais, Requena sublinhou que, embora o projeto possa beneficiar potencialmente a Bolívia através do reforço das ligações comerciais, é fundamental avaliar exaustivamente os seus impactos econômicos e ambientais.

“O trem tem custos de frete e ambientais mais baixos do que uma rodovia, o que poderia tornar [a ferrovia] atraente, mas precisamos de um debate público aberto”, observou ela.

O governo e as entidades internacionais não devem tomar decisões tão importantes sem o envolvimento da sociedade, acrescentou.

“Temos de apontar tanto os aspectos positivos como os negativos para minimizar qualquer impacto adverso”, disse Requena.

É essencial para evitar catástrofes ambientais ou danos às comunidades indígenas, explicou.

Por último, ela pediu à sociedade e às autoridades que façam uma análise exaustiva, de “boa fé, mas muito crítica”, ponderando os custos e benefícios reais do projeto.

Descumprimentos e violações

Alfredo Zaconeta, pesquisador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Trabalhista e Agrário da Bolívia (CEDLA), alertou para as possíveis consequências negativas dos projetos de desenvolvimento impulsionados por acordos bilaterais, principalmente os que envolvem capital chinês.

Ele recordou experiências passadas, como o conflito em torno da proposta de construção da estrada Cochabamba-Beni, na Bolívia, que, segundo os opositores, violaria os direitos dos indígenas e beneficiaria mais os credores e construtores de estradas brasileiros do que os bolivianos.

A rodovia nunca foi construída. Continua em fase de planejamento, pois os críticos bolivianos, incluindo ambientalistas e ativistas indígenas, reprovaram a rota sugerida anteriormente que atravessaria um parque nacional.

“Devemos aprender com essas experiências passadas. A consulta pública e o respeito aos direitos indígenas são questões cruciais que não devem ser encaradas com leviandade”, ressaltou Zaconeta ao Entorno.

Zaconeta criticou os projetos financiados por capital chinês que foram concluídos, citando casos de descumprimento e violações de direitos trabalhistas.

Outros projetos foram mal orientados e podem ter sido criados mais devido a negócios corruptos do que a uma política econômica racional.

Zaconeta citou uma usina de açúcar em Huanuni, cuja construção ficou a cargo de uma empresa chinesa contratada pela Bolívia em 2012.

A companhia terminou a construção em outubro de 2015, mas a fábrica nunca funcionou em sua plena capacidade. Os políticos bolivianos aprovaram a localização da usina em uma área que carecia de infraestrutura adequada, bem como de produtores de cana-de-açúcar.

Os chineses usaram as diferenças culturais e linguísticas como desculpas para se eximirem de responsabilidades, fomentando a desconfiança e a preocupação das comunidades locais em relação ao relacionamento do governo boliviano com a China, explicou Zaconeta.

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