Economia
Acordo de livre comércio com a China deixa Chile vulnerável
Práticas comerciais da China aumentam tensões e geram preocupações com relação a possível influência do país asiático sobre governo chileno.

Por Alicia Gutiérrez |
SANTIAGO – O perigo de ter laços muito estreitos com a China está se tornando evidente no Chile.
Em 2005, o Chile se tornou o primeiro país a assinar um tratado de livre comércio (TLC) com a China, um movimento que aprofundou a dependência econômica e política da nação sul-americana em relação a Pequim.
Um relatório da analista internacional Sascha Hannig, publicado em 5 de agosto, destaca as crescentes desigualdades na relação comercial entre Santiago e Pequim, que vêm deixando o Chile econômica e politicamente vulnerável à China.
No seu estudo "O TLC do Chile com a China: Monocultura de Cobre, Diversificação Limitada e Dependência Oculta", Hannig destaca que, embora a China tenha diversificado sua economia e se tornado uma potência tecnológica, o Chile continua dependente das exportações de cobre, o que limita seu desenvolvimento econômico.
![O então presidente do Chile, Ricardo Lagos (E), e o então presidente chinês, Hu Jintao, participam de cerimônia na Plaza Constitución em Santiago, em novembro de 2004. Durante sua visita, Hu anunciou o início das negociações para o TLC Sino-Chileno, que entrou em vigor em 2005. [Rodrigo Arangua/AFP]](/gc4/images/2024/08/23/47424-chile2-600_384.webp)
![Banhistas se refrescam na praia próxima ao mineroduto Puerto Coloso, que faz parte da mina de cobre Escondida, responsável pelo carregamento e transporte do concentrado de cobre chileno. [Martin Bernetti/AFP]](/gc4/images/2024/08/23/47425-chile3-600_384.webp)
"Com os dados em mãos, não há dúvida de que este tratado foi muito benéfico para a China na medida em que conseguiu diversificar e expandir as suas exportações para o Chile, reforçando o seu papel como potência tecnológica. Mas será que o TLC com a China foi benéfico para o Chile?", questiona Hannig, colaboradora do Centro para a Abertura e Desenvolvimento da América Latina (CADAL).
Essa dependência fragilizou a economia chilena e expôs Santiago à pressão política de Pequim, acrescentou.
O relatório destaca uma tendência preocupante no comércio exterior chileno entre 2000 e 2022: 41,6% das exportações do país são destinadas à China.
As exportações para a China representam 35% do PIB do Chile, segundo o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Um cliente tão grande, mesmo benevolente, tem um impacto inevitavelmente descomunal em um país de 20 milhões de habitantes.
Mas a China nem sempre é benevolente.
À mercê da China
A China tem um histórico de retaliação contra outros países e faz ameaças veladas ao Chile quando a nação sul-americana deixa de servir aos interesses de Pequim, disse Hannig.
Ela cita um exemplo de 2018, quando o então embaixador chinês no Chile, Xu Bu, alertou sobre potenciais repercussões comerciais após a decisão do Chile de bloquear a compra de ações da empresa nacional SQM pela empresa chinesa Tianqi.
A pressão funcionou, levando à aquisição pela Tianqi de uma participação de 24% na SQM em dezembro daquele ano.
Hoje, a indústria siderúrgica do Chile é uma clara vítima da capacidade de Pequim de destruir os principais setores econômicos chilenos.
O aço chinês, “despejado” a um preço inferior ao custo de produção, precipitou o colapso da icônica siderúrgica de Huachipato.
Após 70 anos de atuação na região de Biobío, Huachipato não conseguia mais competir.
Em agosto, a empresa anunciou seu fechamento definitivo, que será concluído em cerca de um mês.
Em março, organizações sindicais alertaram para a potencial pressão de Pequim sobre um órgão chileno de supervisão comercial, a Comissão Antidistorção.
Elas citaram o “atraso excessivo” da comissão em abordar a “concorrência desleal”.
“Suspeitamos que o governo chinês esteja exercendo pressão indevida sobre as autoridades chilenas”, afirmaram os sindicatos, acusando a China de tentar “proteger seus interesses relativos ao aço que introduzem no Chile fortemente subsidiado”.
Apostando no cobre e nada mais
O relatório de Hannig também analisa o papel da China na industrialização chilena, especialmente no setor mineiro, e sinaliza preocupação com potenciais prejuízos dos recentes acordos de lítio para o Chile.
Esses acordos significam mais danos para o deserto do Atacama e mais uma aposta chilena na exportação de matérias-primas.
A tendência da China de importar minério de cobre em vez de produtos de valor agregado gera dúvidas sobre o benefício dessa estratégia comercial para o desenvolvimento do Chile.
Mas o debate, no Chile, sobre os riscos da dependência da China ainda é limitado.
Os defensores dos laços estreitos com Pequim, como Jorge Heine, ex-embaixador do Chile na China, consideram essas preocupações “fantasias”.
Mas essa perspectiva não reconhece que a China está expandindo significativamente sua capacidade de mineração e refino, o que poderia reduzir potencialmente a demanda por cobre chileno.
A situação piora quando se considera a falta de estratégias do Chile caso enfrente um cenário em que a China decide priorizar sua indústria de cobre local, diz Hannig.
A falta de outros compradores de cobre poderá ter graves repercussões, alerta ela.
O país ficou aberto à coerção política e a recessões no comércio com a China, qualquer que seja a causa.
Essa fragilidade não resolvida é evidente em vários setores, como o aço e a mineração, nos quais as práticas comerciais da China geraram tensões e preocupações com relação a sua capacidade de influenciar o governo chileno, de acordo com o estudo.