Economia
Maior siderúrgica do Chile desativa forno em meio à concorrência desleal da China
Em 2023, América Latina importou um recorde de 10 milhões de toneladas de aço chinês – um aumento de 44% em um ano. Há duas décadas, esse volume era de apenas 85.000 toneladas.
![Bandeira chilena tremula com a Siderúrgica Huachipato ao fundo em Talcahuano, no Chile. A maior siderúrgica do Chile fechou em 16 de setembro, alegando concorrência “desleal” do aço chinês. [Maribel Fornerod/AFP]](/gc4/images/2024/09/17/47629-hua4-600_384.webp)
Por AFP e Alicia Gutiérrez |
TALCAHUANO, Chile – É o fim de uma era: após 74 anos de operações, a maior siderúrgica do Chile desativou seu forno em 16 de setembro, eliminando milhares de empregos na Huachipato.
"Foi um final digno e emblemático para toda uma era na história do aço chileno e fica o testemunho de que nossos trabalhadores nunca desistiram", disse Jean Paul Sauré, gerente-geral da Huachipato, ao confirmar a desativação do Alto Forno 2, onde teve início o processo de produção de aço não reciclado na planta.
A maior siderúrgica do Chile desativou seu forno às 2h30 da manhã, horário local, de acordo com o presidente do Sindicato 2 da empresa, Fernando Orellana. "É um dia sombrio e triste para todos os trabalhadores da Huachipato", disse ele à AFP.
A icônica empresa enfrentou crises políticas e econômicas, além de catástrofes naturais como o terremoto de fevereiro de 2010.
![Vista aérea da Siderúrgica Huachipato, em Talcahuano, na região de Bio Bio. [Franco Fafasuli e Maribel Fornerod/AFP]](/gc4/images/2024/09/17/47626-hua2-600_384.webp)
![Vista da entrada principal da Siderúrgica Huachipato, em Talcahuano, no Chile. [Maribel Fornerod/AFP]](/gc4/images/2024/09/17/47628-hua3-600_384.webp)
![Vista aérea da Siderúrgica Huachipato, em Talcahuano, na região de Bio Bio. [Franco Fafasuli e Maribel Fornerod/AFP]](/gc4/images/2024/09/17/47625-hua-600_384.webp)
Mas não conseguiu resistir à pressão implacável da concorrência desleal do aço chinês, que acabou por levar ao fechamento da fábrica. Isso deixou milhares de desempregados e marcou o fim de uma era para a indústria siderúrgica nacional.
Hub local por 3 gerações
Ao longo de gerações, a vida em Talcahuano, cidade de 160.000 habitantes situada cerca de 500 km ao sul de Santiago, girou em torno da siderúrgica Huachipato.
“Eu trabalhava em Huachipato, meu pai trabalhava em Huachipato, minha esposa também era funcionária de Huachipato e tínhamos um bom padrão de vida”, disse à AFP Orellana, de 62 anos, que começou como faxineiro aos 25 anos e chegou a chefe de seção.
Para Orellana, Huachipato era a garantia de uma aposentadoria segura.
“Era uma empresa que dava segurança para o futuro”, lamentou.
Em agosto, a Compania Siderúrgica Huachipato, que já foi uma das maiores produtoras de aço da América Latina, anunciou que estava encerrando as operações, com a perda de 2.700 empregos diretos.
No seu auge, em 1997, Huachipato produziu 1 milhão de toneladas de aço.
Mas, nos últimos anos, a empresa e outras indústrias latino-americanas foram surpreendidas por uma enxurrada de produtos mais baratos importados da China.
Em 2023, a América Latina importou um recorde de 10 milhões de toneladas de aço chinês – um aumento de 44% em um ano, segundo a Associação Latino-Americana do Aço (Alacero).
Há duas décadas, esse volume era de apenas 85.000 toneladas.
A Gerdau, uma das maiores produtoras de aço do Brasil, demitiu no ano passado 700 trabalhadores e encerrou operações em três fábricas em razão do que chamou de “cenário desafiador enfrentado pelo mercado brasileiro frente às condições predatórias de importação do aço chinês”.
Clube de futebol da primeira divisão
Em Talcahuano, a siderurgia era mais do que apenas um trabalho, fazia parte do DNA da cidade.
Fundada em 1950, a Huachipato se especializou na produção de barras e esferas de aço utilizadas na moagem de cobre – do qual o Chile é o maior produtor mundial.
A fábrica deu origem ao time de futebol da primeira divisão Huachipato, atual líder do campeonato chileno.
A Huachipato desempenhou um papel social importante na cidade, construindo milhares de casas para os trabalhadores e estabelecendo diversas associações sociais e culturais.
E, durante a pandemia da COVID-19, quando o comércio mundial foi interrompido, “foi Huachipato quem garantiu o fornecimento de aço do país”, destacou o ministro da Economia do Chile, Nicolas Grau, no início deste ano.
Mas, com o aço chinês vendido até 40% mais barato que o aço nacional, a Huachipato operou com dificuldades durante vários anos.
Para se recuperar, se uniu a outros produtores latino-americanos no lobby a favor de tarifas antidumping sobre as importações chinesas.
Mas as taxas impostas pela Comissão Antidistorção do Chile em abril chegaram tarde demais.
Com perdas de US$ 700 milhões acumuladas desde 2019, a empresa anunciou em agosto que encerraria suas operações siderúrgicas.
Em comunicado, o presidente da empresa, Julio Bertrand, disse que a gestão fez “tudo o que estava ao seu alcance” para salvar a planta.
'Vidas inteiras'
Os sindicatos da empresa negociaram um acordo de desligamento na véspera da paralisação. O plano inclui um acréscimo de 30% nas indenizações obrigatórias dos funcionários, além de outros benefícios.
Isso é um pequeno alívio para os trabalhadores, que têm poucas ilusões sobre o futuro.
"São pessoas que passaram a vida inteira aqui, trabalhando. Eles não sabem fazer mais nada", disse em entrevista à AFP Hugo Mendoza, mecânico de 58 anos que trabalhava na fábrica.
"É terrível perder o emprego da noite para o dia", disse Roberto Hernández, 54 anos, que trabalha na área de montagem em uma das terceirizadas da Huachipato e não está coberto pelo plano de demissão.
"Onde vou encontrar um emprego nessa idade?", perguntou.
Segundo um estudo da Universidade Católica da Santíssima Conceição, o fechamento da fábrica impactaria 1.090 pequenas e médias empresas, afetando os meios de subsistência de cerca de 20.000 trabalhadores.