Economia
Decisão comercial controversa beneficia aço chinês e prejudica indústria chilena
Aço chinês subsidiado é regularmente vendido a preços inferiores ao nacional. Sem ação decisiva por parte dos governos latino-americanos, esta tendência continuará a devastar os mercados locais e as indústrias siderúrgicas, como se viu no Chile.
![Trabalhadores entram em confronto com a polícia de choque durante protesto contra encerramento da siderúrgica de Huachipato, em Talcahuano, no Chile. O fechamento da fábrica é atribuído a uma onda de aço chinês que custa 40% menos do que o local. [Guillermo Salgado/AFP].](/gc4/images/2024/09/12/47589-chile1-600_384.webp)
Por Alicia Gutiérrez |
SANTIAGO -- A indústria siderúrgica do Chile sofreu um revés inesperado em 9 de setembro, quando a Comissão Anti-Distorção chilena anunciou o indeferimento das queixas de “dumping” por parte da China em relação ao aço barato.
A decisão conclui o inquérito iniciado em novembro passado sobre o alegado dumping de bolas de aço importadas da China, deixando um dos principais setores industriais do país vulnerável à concorrência desleal.
A edição de 9 de setembro do Diário Oficial da República do Chile publicou que os membros da comissão concordaram unanimemente que não havia evidências suficientes para provar “danos ou ameaças de dano à indústria doméstica” causados pelas importações de aço.
A investigação foi feita após numerosas queixas e protestos dos trabalhadores da indústria, em especial da emblemática metalúrgica de Huachipato, que anunciou a suspensão das suas atividades em março e confirmou o seu fechamento definitivo há poucas semanas, acusando a concorrência desleal das importações chinesas.
![Cartaz com os dizeres “Chega de Aço Chinês” é exibido durante protesto realizado por trabalhadores contra o fechamento da usina siderúrgica de Huachipato, em Talcahuano, no Chile. [Guillermo Salgado/AFP]](/gc4/images/2024/09/12/47592-chile2-600_384.webp)
![Mercado atacadista de aço em Shenyang, província de Liaoning, China. [AFP]](/gc4/images/2024/09/12/47593-chile3-600_384.webp)
Apesar das provas apresentadas por uma importante empresa siderúrgica chilena, a Comissão optou por suspender as tarifas temporárias anteriormente impostas às importações de aço provenientes da China.
Em março, a Comissão Anti-Distorção impôs taxas de 15,3% sobre as esferas de aço e de 15,1% sobre as barras.
Após uma onda de protestos e greves provocados pela concorrência desleal da China, as tarifas aduaneiras aumentaram em abril para 24,9% para as barras e 33,5% para as esferas de aço.
“Este é um resultado totalmente desanimador, algo que nunca esperávamos. Não temos palavras para descrever o que estamos vivendo”, lamentou Héctor Medina, presidente do sindicato dos trabalhadores de Huachipato, durante uma entrevista à Rádio Universidade de Concepción em 10 de setembro.
Durante os últimos 15 anos, o complexo siderúrgico registrou perdas de mais de US$ 1,2 bilhão, revelou Medina.
Concorrência desleal
Em 20 de novembro do ano passado, a Compañía de Aceros del Pacífico (CAP), um importante produtor de aço do Chile, apresentou uma queixa formal à Comissão Anti-Distorção.
Na denúncia, a CAP acusava as empresas chinesas de venderem aço a preços até 40% inferiores ao valor de mercado, o que provocou perdas diárias para a entidade de cerca de US$ 1 milhão.
A CAP visava especificamente a importação de barras de aço utilizadas para produzir bolas de moagem para a indústria da mineração, bem como a de bolas de aço acabadas.
O anúncio de 9 de setembro vem na sequência de recentes alertas de legisladores chilenos de que o seu país tem sido alvo de pressões políticas e econômicas por parte da China.
A decisão, que se alinha com os interesses chineses, constitui um golpe devastador para a usina siderúrgica de Huachipato, que começará a fechar no dia 23 de setembro, pondo fim a mais de 70 anos de funcionamento.
Aproximadamente 22.000 postos de trabalho na região de Bío Bío estão em risco. O encerramento prosseguirá gradualmente até meados de outubro, com um impacto significativo na economia local.
Incerteza na América Latina
Nas últimas duas décadas, a China passou de um grande importador de aço para o principal produtor mundial, aumentando a sua quota global de 15% em 2000 para 54% em 2023.
A indústria siderúrgica latino-americana está enfrentando desafios significativos devido ao influxo de aço chinês e às distorções de preços.
Assim como o Chile, a Colômbia viveu algumas semanas críticas que poderão determinar a futura estabilidade do seu setor siderúrgico.
Empresas colombianas como a Siderúrgica Paz del Río e a Alumina, uma multinacional de extrusão de alumínio, solicitaram ao Ministério do Comércio colombiano a aplicação de medidas anti-dumping.
No Brasil, a produtora local de aço Gerdau iniciou 2024 demitindo trabalhadores em sua fábrica de Pindamonhangaba, em São Paulo. A empresa atribuiu essas dispensas às “condições desafiadoras no mercado brasileiro causadas pelo impacto predatório das importações de aço chinês”, de acordo com seu comunicado no fim de fevereiro.
No Peru, a indústria metalúrgica enfrentou uma recessão no início de 2024, em grande parte atribuída a “preços predatórios” resultantes de um acordo de livre comércio com a China, aponta Antonio Castillo, diretor-geral da Sociedade Nacional das Indústrias do país (SNI).
As críticas e protestos destacam sistematicamente uma questão fundamental: o aço chinês, fortemente subsidiado, é mais barato do que o local.
Sem uma ação firme por parte dos governos latino-americanos, o influxo de aço chinês persistirá, minando os mercados locais e dizimando as empresas siderúrgicas, como evidenciado pelo colapso de Huachipato.