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Estreia da RT em TV aberta chilena gera alarme sobre propaganda e risco à democracia
Críticos consideram RT uma arma de propaganda que explora a democracia, espalha desinformação e desafia o controle do Chile sobre a soberania da informação.
![Um diretor da RT é visto dentro da sala de controle da rede em Moscou. [Yuri Kadobnov/AFP]](/gc4/images/2025/07/08/51096-rt1-600_384.webp)
Por Entorno |
Rede de notícias financiada pelo Kremlin, a RT iniciou suas transmissões por sinal aberto na televisão chilena, provocando uma crescente reação política, midiática e diplomática.
A operação, que teve início em 16 de junho por meio de um acordo com a Telecanal, permite aos telespectadores chilenos assistirem pela primeira vez à RT em Espanhol na TV gratuita.
A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, comemorou a expansão do "soft power" de Moscou.
“A RT ocupa hoje uma posição de liderança na região em comparação com outros canais internacionais de notícias em língua espanhola”, disse ela em uma coletiva de imprensa em 2 de julho.
A audiência e a credibilidade do canal estão crescendo apesar de “uma campanha difamatória por parte das forças pró-Ocidente”, disse Zakharova.
A RT aparece em plataformas digitais públicas em 10 países latino-americanos, incluindo Cuba, Venezuela, Argentina, México, Peru, Guatemala e, agora, Chile.
Alertas de um cavalo de Troia
Mas, no Chile, críticos afirmam que a medida representa riscos mais profundos. Em uma coluna publicada em 1º de julho no AthenaLab, Sascha Hannig, doutoranda em direito internacional pela Universidade Hitotsubashi (Japão), disse que o acordo com a Telecanal foi celebrado "sem transparência e maiores avaliações", acrescentando que ele expõe duas vulnerabilidades principais: "a segurança da informação do país e a ausência de mecanismos democráticos de proteção contra campanhas de desinformação."
Meios de comunicação estatais autoritários como a RT, a Telesur da Venezuela e a CGTN da China apresentam frequentemente uma visão distorcida e propagandística da realidade, argumentou Hannig. “Eles recorrem a técnicas de manipulação, como o 'whataboutism'” para desviar o foco e confundir, ou se baseiam em afirmações não verificadas que resultam em desinformação total, escreveu Hannig.
"A RT deu espaço a notícias falsas sobre grupos neonazistas na Ucrânia ou sobre a existência de laboratórios bioquímicos naquele país. E minimizou o impacto da invasão russa em favor de uma narrativa expansionista", acrescentou ela.
A resposta silenciosa do Chile destaca a incapacidade de considerar os aspectos políticos e riscos cognitivos apresentados pela mídia estatal estrangeira, especialmente em um ano eleitoral polarizado, disse Hannig.
Em contraste, a União Europeia proibiu a operação da RT e do Sputnik em 2022, após a invasão da Ucrânia, e ampliou essa medida no fim de 2024 para incluir outros quatro meios de comunicação alinhados com o Kremlin.
Uma 'arma' de informação
Ian Garner, historiador do Instituto Pilecki em Varsóvia e especialista em propaganda russa, ecoou essas preocupações em uma entrevista ao diário chileno La Tercera em 5 de julho.
"Margarita Simonyan, sua diretora, descreveu [a RT] como uma arma de guerra durante o conflito com a Geórgia em 2008."
"Seu objetivo é viralizar conteúdos distorcidos, agravar divisões sociais e provocar confrontos", disse ele. "Querem que as pessoas acreditem que não há solução possível para nada e que a democracia está quebrada."
Para Violetta Udovik, cientista política e historiadora ucraniana, a RT é "uma ferramenta do Kremlin para justificar a guerra contra a Ucrânia e promover o seu modelo autoritário". Permitir sua transmissão através do sinal aberto no Chile "fragiliza os princípios do direito internacional e explora os espaços democráticos para difundir propaganda”, disse ela ao La Tercera.
A chegada da RT não deve ser vista isoladamente, disse Udovik. A Rússia, afirmou, mantém alianças regionais com governos autoritários como os da Venezuela e de Cuba e pode usar o canal para desestabilizar sociedades em momentos críticos, como a tensão social no Chile em 2019.
"Eles difundem mensagens que enfraquecem a confiança dos cidadãos no Estado de direito", disse ela.
Em novembro de 2023, o Departamento de Estado dos EUA acusou publicamente a Rússia de financiar uma campanha de desinformação contínua e bem coordenada na América Latina. Segundo o departamento, o Kremlin havia criado uma rede de conteúdos, com operação a partir do Chile, para coordenar as mensagens com o apoio direto de Moscou e a participação de jornalistas locais e líderes de opinião de toda a região.
Democracia sob pressão
"A propaganda russa é mais perigosa hoje do que durante a Guerra Fria”, acrescentou Udovik. “A velocidade das redes sociais, da inteligência artificial e das novas tecnologias permitem que ‘notícias falsas’ sejam divulgadas com mais sofisticação e alcance. Por isso, convido os chilenos a se informar com pensamento crítico e consultar sempre múltiplas fontes.”
O Conselho Nacional de Televisão do Chile (CNTV) declarou, no início de julho, que não tinha autoridade para censurar conteúdo estrangeiro. No entanto, reconheceu que “a transmissão de conteúdo de um governo em guerra, como a Rússia, pode abrir debates legítimos sobre a proteção do pluralismo e da democracia”.
Por enquanto, a RT continua no ar. As autoridades chilenas enfrentam um desafio crescente: como blindar o discurso democrático da influência estrangeira sem violar a liberdade de imprensa? Para muitos, a presença da RT não é apenas mais um sinal estrangeiro. É um aviso em uma tela à vista de todos.