Meios
ELN da Colômbia amplifica propaganda do Kremlin no campo de batalha digital da América Latina
Organização criminosa terrorista intensifica a propaganda do Kremlin, usando podcasts, TikTok e os autoproclamados “meios de comunicação alternativos” para borrar limites entre insurgência e guerra de propaganda.
![Combatente do Exército de Libertação Nacional (ELN), grupo oficialmente designado como organização terrorista estrangeira, comunica por rádio a partir de um campo improvisado nas profundezas da selva de Chocó, na Colômbia. [Raúl Arboleda/AFP]](/gc4/images/2025/07/15/51164-eln1-600_384.webp)
Por Entorno |
Enquanto o mundo mantém o foco na invasão da Ucrânia pela Rússia, uma frente paralela na guerra de propaganda de Moscou se revela a milhares de quilômetros de distância, nas fronteiras esquecidas da Colômbia e da Venezuela.
Na região, a organização terrorista estrangeira Exército de Libertação Nacional (ELN) , assim designada pelos Estados Unidos, construiu uma sofisticada rede de meios de comunicação que não só justifica a sua luta armada, mas também amplifica narrativas geopolíticas alinhadas aos interesses da Rússia, do Irã, de Cuba e da Venezuela.
A estratégia do grupo envolve a propaganda na linguagem dos “meios de comunicação alternativos”, posicionando o ELN como um canal inesperado, mas eficaz para narrativas antiocidentais.
Um estudo divulgado em 17 de junho pelo laboratório de pesquisa forense digital (DFRLab) do Atlantic Council revela que o ELN incorporou um amplo ecossistema de comunicação digital à sua máquina ideológica.
![Integrantes do ELN aguardam em uma casa próxima à selva, no departamento de Chocó, Colômbia. [Raúl Arboleda/AFP]](/gc4/images/2025/07/15/51165-eln2-600_384.webp)
Essa rede promove e recicla conteúdos de meios de comunicação controlados pelo Estado, como RT en Español, Sputnik Mundo, HispanTV e vozes pró-governo venezuelanas, ao mesmo tempo que visa os Estados Unidos, a OTAN, a União Europeia e seus aliados.
Um aliado improvável para o Kremlin
Intitulado “Veículos afiliados ao Kremlin encontram aliado digital no grupo guerrilheiro mais antigo da Colômbia”, o relatório do DFRLab documenta uma operação multicanal de mais de 100 entidades: websites, contas de redes sociais, aplicativos de mensagens e podcasts. O ELN usa essas plataformas para difundir conteúdos ideológicos originais e estrangeiros.
De acordo com o DFRLab, o objetivo do grupo não é apenas justificar sua insurgência, mas promover uma visão de mundo simpática aos regimes autoritários que desafiam a influência ocidental.
Um exemplo notável é o meio de comunicação afiliado à guerrilha El Karibeño Rebelde, que entre abril de 2024 e abril de 2025 retuitou 144 publicações de meios de comunicação ligados ao Kremlin, muitos deles centrados na guerra entre Rússia e Ucrânia, na política dos EUA na América Latina ou no conflito Israel-Hamas.
As postagens retratavam o presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, como um “pequeno ditador”, ecoando o discurso do Kremlin que apresenta os países da OTAN como agressores e afirma que a Ucrânia “atacou a Rússia em 2014”.
Como observa o DFRLab, as mensagens do ELN refletem a narrativa geopolítica do Kremlin, localizada na América Latina: denúncias do "imperialismo" dos EUA, posicionamento da multipolaridade como uma alternativa à unipolaridade ocidental e ataques à credibilidade de democracias liberais.
De rádios na selva a plataformas globais
Em vez de atuar como um bloco centralizado, o ecossistema midiático do ELN funciona como uma confederação digital. Cada frente de guerra regional administra seus próprios canais.
Mas todos seguem um roteiro editorial comum: desacreditam os principais meios de comunicação colombianos, como Semana, El Tiempo e Rádio Caracol, ao mesmo tempo que promovem suas plataformas como veículos de resistência à informação.
Esse enquadramento da suposta neutralidade dos meios de comunicação ajuda o grupo a alcançar públicos insatisfeitos e a mascarar o seu caráter violento.
O comandante do ELN, Eliécer Herlinto Chamorro, também conhecido como Antonio García, usou repetidamente a plataforma X para promover “ataques armados” ou intimidar jornalistas, de acordo com o DFRLab. Suas contas nas redes sociais foram suspensas várias vezes, mas o grupo se regenera no meio digital rapidamente, muitas vezes em poucos dias, lançando novas contas com nomes semelhantes.
Apenas entre fevereiro e maio de 2025, o ELN criou pelo menos sete novas contas no X.
O ELN evoluiu de estações de rádio clandestinas na década de 1980 para uma presença digital refinada em plataformas como Amazon Music, Ivoox, Telegram e TikTok.
A Ranpal (Radio Nacional Patria Libre) transferiu grande parte de seu conteúdo de áudio para podcasts, tornando-o acessível na Venezuela e em outras regiões.
Em 2014, o canal venezuelano Armando.info informou que o ELN usava livros infanto-juvenis e emissoras de rádio comunitárias para recrutar menores em zonas fronteiriças. Uma reportagem divulgada pela BBC Mundo em 2015 mostrou que a Antorcha Estéreo, estação operada pelo ELN, estava transmitindo de Cúcuta, possivelmente até de território venezuelano.
Mas o conteúdo digital do ELN vai muito além da ideologia: justifica operações armadas, tem como alvo grupos rivais e dissemina a intimidação.
O DFRLab identificou publicações que mostram menores portando armas, comunicados após ataques e canções de guerrilha que glorificam a insurgência, todos apresentados através de contas que se identificam como meios de comunicação independentes.
Em Catatumbo, um importante reduto do ELN, os confrontos entre o grupo e facções rivais ocorridos em 2025 mataram pelo menos 126 pessoas e deslocaram pelo menos 66.000 habitantes. Apesar da violência, os meios de comunicação do ELN continuam a retratar o grupo como uma organização política em busca da paz.
Embora o ELN opere principalmente na Colômbia e na Venezuela, o seu alcance digital inclui a América Latina, a Espanha e o Estados Unidos. O DFRLab descobriu contas de podcast afiliadas ao ELN e nomes de usuários de redes sociais com seguidores em vários países. Alguns são transmitidos via Ivoox (plataforma baseada na Espanha) e Amazon Music.
Ao apresentar-se como “mídia alternativa”, o ELN contorna as restrições de plataforma, ganha legitimidade e atrai novos públicos, especialmente aqueles desiludidos com as instituições e a política dominante.
Movimento de guerrilha ou mídia geopolítica?
O caso do ELN mostra como uma insurgência local pode funcionar como um megafone para interesses estrangeiros e como plataformas originalmente concebidas para comunicação ou entretenimento podem operar como sistemas de disseminação de propaganda global.
Nesse cenário, a infraestrutura digital não é apenas uma ferramenta para a luta armada, mas se torna uma linha de frente da própria luta.
Como conclui o DFRLab, o ELN busca mais do que legitimidade: pretende inserir-se no discurso geopolítico global, amplificando narrativas estrangeiras que fortalecem a sua causa e enfraquecem a influência ocidental na região.
Essa convergência entre a insurgência local e a guerra de propaganda global sinaliza desafios urgentes para os governos, plataformas tecnológicas e sociedade civil.