Terrorismo
Partir ou morrer: colombianos forçados a fugir em meio à nova violência da guerrilha
Assassinato da família López Durán pelo ELN, incluindo um bebê de 6 meses, parece ter desencadeado intensos confrontos entre o ELN e os dissidentes das FARC.
![Moradores deslocados pelos recentes confrontos entre grupos armados chegam a Tibú, na Colômbia, em 18 de janeiro. A violência entre guerrilheiros de esquerda perto da volátil fronteira com a Venezuela custou pelo menos 80 vidas. [Schneyder Mendoza/AFP]](/gc4/images/2025/01/21/48850-tibu-600_384.webp)
Por AFP e Entorno |
TIBÚ, Colômbia – Gladis Angarita, 62 anos, saiu aterrorizada de sua aldeia, no nordeste da Colômbia, em 17 de janeiro, entre milhares de pessoas que escapavam de um novo ataque de guerrilha responsável pela morte dezenas de vidas em apenas alguns dias.
Ela não teve tempo de fazer as malas, fugindo com pouco mais do que as roupas do corpo e o remédio para asma.
"Tinha chumbo grosso", disse Angarita à AFP na cidade de Tibú, na fronteira com a Venezuela, onde encontrou refúgio em um centro comunitário com cerca de 500 outras pessoas – incluindo muitas crianças e idosos.
"Por medo, deixamos tudo" para trás, lamentou ela, sentada sobre um tronco e respirando com seu inalador. "Eu não trouxe nem mesmo uma camisola para dormir."
![Indivíduos deslocados dos recentes confrontos armados embarcam em canoas para cruzar o rio Tarra, uma fronteira natural entre a Colômbia e a Venezuela, em Tibú, na Colômbia. [Schneyder Mendoza/AFP]](/gc4/images/2025/01/21/48851-tibu2-600_384.webp)
![Policiais descarregam ajuda humanitária para pessoas deslocadas pelos recentes confrontos entre grupos armados em Tibú, na Colômbia. [Schneyder Mendoza/AFP]](/gc4/images/2025/01/21/48852-tibu3-600_384.webp)
Herne Vargas também foi forçado a deixar sua casa e viver em um pequeno povoado na zona rural de Tibú.
"Era isso ou arriscaríamos ser mortos", disse o agricultor, de acordo com um depoimento publicado pelo jornal local La Opinión em 19 de janeiro.
Ele recorda vividamente o ultimato dado por grupos armados ilegais, que o mandaram partir, assim como a visão angustiante dos mortos na sequência dos confrontos iniciais.
Vargas fugiu para Cúcuta, a capital da província, com a esposa e o filho de 12 anos, na esperança de que a violência diminuísse em breve para que pudessem retornar.
"O que vamos fazer aqui?", perguntou ele, refletindo sobre a incerteza de seu deslocamento.
Família assassinada
De acordo com um relatório da inteligência militar, os confrontos teriam começado depois que o Exército de Libertação Nacional (ELN) matou o gerente de uma funerária na localidade de San Miguel, junto com sua esposa e seu bebê de 6 meses.
O relatório, divulgado pela Rádio Blu em 17 de janeiro, indica que Miguel López e sua família foram mortos por desafiar uma ordem do ELN de não recolher ou enterrar os corpos de dissidentes das FARC que haviam sido mortos pelo grupo guerrilheiro em dias anteriores.
López, que atua em uma área fortemente influenciada por grupos armados ilegais, vinha recolhendo cadáveres em locais perigosos a pedido de famílias enlutadas ou de autoridades locais.
O assassinato da família López Durán parece ter sido o catalisador dos intensos confrontos entre o ELN e dissidentes das FARC, que resultaram em dezenas de mortes.
O ELN da Colômbia – maior grupo guerrilheiro ainda ativo no país sul-americano assolado por conflitos – lançou um ataque sangrento em 16 de janeiro na região de Catatumbo, no nordeste do país.
O grupo atacou civis e combatentes dissidentes de uma formação rival composta por ex-membros da hoje extinta força de guerrilha das FARC, que continuaram lutando após o seu desarmamento em 2017.
As autoridades relataram pelo menos 80 mortos até 19 de janeiro, dezenas de feridos e 5.000 deslocados, em uma convulsão que lembra a sangrenta década de 1990, quando a Colômbia sofreu o pior período do seu conflito armado de seis décadas.
Outras nove pessoas morreram em confrontos nos últimos dias entre o ELN e o Clã do Golfo, o maior cartel de drogas da Colômbia, em outra região no norte do país. A violência levou o presidente Gustavo Petro a suspender, em 17 de janeiro, as negociações com o ELN, que faziam parte de sua busca declarada pela “paz total”.
Mais violência mortal foi relatada em 20 de janeiro. Um funcionário ministerial disse à AFP que outras 20 pessoas foram mortas em combates entre grupos rivais dissidentes das FARC no departamento de Guaviare, no sul.
'Queremos paz'
"Queremos paz!", disse Angarita logo após chegar a Tibú, cidade da região colombiana que tem as maiores plantações de drogas do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas.
"Que parem a guerra", suspirou ela.
Um pacto de paz firmado com as FARC em 2016 tentou encerrar a guerra mais longa das Américas.
Mas grupos guerrilheiros com agendas desestabilizadoras, facções paramilitares extremistas e cartéis de drogas continuam em conflito aberto em várias regiões do país, enquanto persistem batalhas pelo controle da mineração ilegal, dos recursos para drogas e das rotas de tráfico.
O ELN, que tem cerca de 5.800 combatentes e uma participação importante no negócio das drogas, participou de negociações fracassadas com os últimos cinco governos da Colômbia.
Desde 1964, estima-se que o conflito tenha resultado em cerca de 9 milhões de colombianos mortos, desaparecidos ou forçados a abandonar suas casas, segundo as autoridades.
Em novembro passado, o Conselho Norueguês para os Refugiados (NRC), uma organização humanitária, afirmou que pelo menos 1,5 milhão de pessoas foram deslocadas desde o acordo de 2016 com as FARC.
Pior que a Venezuela
Em 18 de janeiro, Tibú fervilhava, com seu terminal rodoviário repleto de pessoas desesperadas para fugir para outras partes da Colômbia ou ainda mais longe.
"Sinto dor por Catatumbo, sinto dor pela Colômbia, sinto dor por todo o país porque há muitas pessoas inocentes que estão pagando na guerra por coisas que não temos por que vivenciar", disse Carmelina Perez, 62, soluçando, enquanto usava um pedaço de papelão para se proteger do sol forte.
Perez contou ter fugido com o marido e os netos para Tibú “em pânico”. Estava em desespero, preocupada com as filhas que haviam ficado na aldeia.
Ao redor de Perez, no abrigo, havia redes penduradas nas árvores para as pessoas dormirem. As crianças corriam, enquanto as mulheres preparavam uma sopa coletiva em uma grande panela sobre o fogo.
O refugiado Luis Alberto Urrutia, um venezuelano de 39 anos, disse ter fugido da crise econômica e política no seu próprio país sete anos antes para trabalhar nas plantações de coca de Catatumbo.
Agora, ele está em movimento novamente e pensa em voltar para casa.
"Vemos que isto está mais difícil do que na Venezuela", disse Urrutia à AFP em Tibú.
"Tem perigo em todos os lados, mas tem mais aqui. Há muitos mortos", disse ele, sobre os acontecimentos dos últimos dias.