Segurança

Massacre de Bojaya: cidade esquecida da Colômbia ainda é assombrada pela guerra e pelo tráfico de drogas

Em cidades esquecidas como Bojaya, violência ainda prevalece enquanto grupos armados lutam por rotas de drogas. Crianças são as que mais sofrem.

Estátua destruída da Virgem Maria repousa encostada em parede dentro de igreja em ruínas de Bojaya, na Colômbia. Mais de 100 civis foram mortos no local em 2 de maio de 2002, durante confrontos brutais entre guerrilheiros e paramilitares de direita – o massacre mais mortal do conflito armado na Colômbia. [Luis Acosta/AFP]
Estátua destruída da Virgem Maria repousa encostada em parede dentro de igreja em ruínas de Bojaya, na Colômbia. Mais de 100 civis foram mortos no local em 2 de maio de 2002, durante confrontos brutais entre guerrilheiros e paramilitares de direita – o massacre mais mortal do conflito armado na Colômbia. [Luis Acosta/AFP]

Por Edelmiro Franco V. |

BOGOTÁ – Bojaya já foi uma cidade esquecida no mapa colombiano – até que a tragédia da guerra a colocou no centro das atenções internacionais.

Em maio de 2002, ocorreu um dos piores massacres do país, quando dezenas de civis foram mortos dentro de uma igreja em meio a confrontos violentos entre guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e grupos paramilitares.

Hoje, a cidade permanece obscura. A guerra pode ter mudado de nome, mas sua crueldade persiste.

Organizações criminosas que disputam o controle do rio Atrato continuam causando estragos. Agora, o narcotráfico está no centro da violência, deixando os mais vulneráveis ​​do povoado, especialmente crianças, no meio do fogo cruzado.

Familiares das vítimas do massacre de Bojaya – o mais mortífero ataque a civis no conflito armado da Colômbia – assistem à chegada de 101 urnas contendo os restos mortais de seus entes queridos em novembro de 2019, antes da tão esperada cerimônia funeral. [Raúl Arboleda/AFP]
Familiares das vítimas do massacre de Bojaya – o mais mortífero ataque a civis no conflito armado da Colômbia – assistem à chegada de 101 urnas contendo os restos mortais de seus entes queridos em novembro de 2019, antes da tão esperada cerimônia funeral. [Raúl Arboleda/AFP]
Crianças brincam nas ruas de Bojaya em novembro de 2019. Dezassete anos antes, em 2 de maio de 2002, guerrilheiros das FARC lançaram uma bomba contra a igreja da cidade, onde quase 300 civis procuravam abrigo durante uma batalha por controle territorial. [Raúl Arboleda/AFP]
Crianças brincam nas ruas de Bojaya em novembro de 2019. Dezassete anos antes, em 2 de maio de 2002, guerrilheiros das FARC lançaram uma bomba contra a igreja da cidade, onde quase 300 civis procuravam abrigo durante uma batalha por controle territorial. [Raúl Arboleda/AFP]

Hailton Perea é um dos poucos sobreviventes do massacre ocorrido em 2002 na igreja, onde os moradores se abrigaram do combate.

As FARC dispararam uma bomba de cilindro de gás (bomba cilindro) em paramilitares posicionados do lado de fora da igreja, mas o artefato atravessou o telhado.

Pelo menos 100 pessoas morreram dentro da paróquia – 48 das quais crianças – em uma das tragédias mais assustadoras da Colômbia.

A dor perdura, transmitida de geração a geração.

Hoje, Perea é prefeito de Bojayá, município de cerca de 14 mil habitantes às margens do estratégico rio Atrato. A região, parte do remoto e acidentado departamento de Chocó, na fronteira com o Panamá, continua sendo um corredor para grupos armados ilegais.

"Bojayá foi reconhecida no país e no mundo por um dos piores massacres ocorridos na Colômbia... Desde aquela data até agora, nada mudou. O conflito persiste", disse Perea em entrevista ao Entorno.

Ele recordou o momento que marcou para sempre sua vida: a bomba explodiu meia hora depois que saiu da paróquia. "Vimos seres humanos despedaçados, mãos e cabeças de um lado e do outro. Um primo meu morreu lá. Eu era muito jovem".

Bojaya e outros municípios ao longo do rio Atrato estão no centro de uma brutal disputa territorial. Grupos armados, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), dissidentes das FARC e o Exército Gaitanista da Colômbia (EGC), mais conhecido como Clã do Golfo, disputam o controle através da violência e da intimidação.

A presença desses grupos desencadeou uma crise humanitária sem precedentes em Chocó. Organizações de direitos humanos registraram pelo menos 10 eventos de deslocamento em massa causados ​​por confrontos e operações envolvendo essas facções criminosas em 2024.

De acordo com a Defensoria do Povo e organizações humanitárias, pelo menos 62 mil habitantes foram confinados onde viviam apenas em 2024 – privados de alimentação, cuidados de saúde e direitos básicos em razão de bloqueios armados e controle territorial impostos pelo ELN, pelo EGC e por dissidentes das FARC.

A maioria dos afetados são comunidades afro-colombianas e indígenas – populações historicamente marginalizadas, que agora se encontram entre a violência armada e a negligência do Estado.

Recrutamento forçado de menores

Em um relatório de julho de 2023, o Ministério Público da Colômbia descreveu o recrutamento forçado de menores por grupos armados ilegais -- especialmente o ELN e o Clã do Golfo -- como uma "situação grave" em Chocó. O documento destacou as consequências devastadoras: aumento do abandono escolar e alta preocupante dos suicídios entre jovens.

No mesmo ano, as comunidades de Chocó sofreram abusos generalizados, incluindo medidas de controle social, ataques a civis, apreensões de propriedades, ameaças individuais e coletivas, assassinatos seletivos, desaparecimentos, violência sexual e violência baseada em gênero, informou o Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários.

Os menores tornaram-se particularmente vulneráveis, muitos deles sujeitos a confinamento forçado e utilizados em funções de combate ou de apoio.

A principal estratégia para o recrutamento forçado em Chocó é a econômica, de acordo com uma pesquisa realizada em 2021 por Ornella Uberti, do Instituto KALU – Centro de Estudos de Ajuda Humanitária na Espanha. Grupos armados atraem menores com promessas de renda – oferecendo cerca de 1 milhão de pesos colombianos por mês (cerca de US$ 250) para funções de combate, ou 600.000 COP (US$ 150) para trabalharem como vigias ou informantes.

Os menores são gradualmente integrados à estrutura hierárquica até estarem totalmente incorporados, o que torna a fuga quase impossível sem o risco de serem rotulados como traidores, segundo o estudo. As meninas são especialmente vulneráveis ​​à violência sexual.

Citando a Defensoria do Povo, a pesquisa de Uberti explica o porquê de os menores serem frequentemente visados: “a doutrinação dos menores é muito mais eficiente que a dos adultos, visto que as crianças se encontram em uma fase de desenvolvimento evolutivo permeável a novos conhecimentos, técnicas e ensinamentos”.

Jaison Mosquera, prefeito de Istmina, descreveu a situação como extremamente grave ao confirmar a alarmante realidade.

"O recrutamento é uma questão complexa, porque as pessoas que pertencem a grupos fora da lei estão na comunidade, estão perto das escolas e estão convencendo nossas crianças, jovens e adolescentes a entrarem no conflito."

"É muito preocupante para nós, porque vemos muitos jovens portando armas desses grupos fora da lei", enfatizou ele.

Centro estratégico para o tráfico de drogas

Chocó tem um valor estratégico para grupos armados ilegais devido a uma combinação de fatores geográficos, econômicos e sociais que tornam a região ideal para operações ilícitas e controle territorial.

Com costa nos oceanos Atlântico e Pacífico, Chocó funciona como um corredor crucial do tráfico de drogas para os mercados internacionais, facilitado por lanchas de alta velocidade e embarcações semissubmersíveis.

Sua fronteira com o Panamá, densa e coberta de selva, que se estende por 266 km, é uma rota fundamental para o contrabando de armas, narcóticos e tráfico de seres humanos.

Chocó liga as regiões norte e sul da Colômbia, e sua geografia -- marcada por um labirinto de rios e ausência quase total de infraestruturas rodoviárias -- torna mais fácil aos grupos armados moverem-se sem serem detectados e estabelecerem controle sobre áreas remotas.

O departamento é rico em recursos naturais, principalmente ouro e outros minerais preciosos. A mineração ilegal tornou-se uma importante fonte de financiamento para esses grupos, que exploram zonas de garimpo e extorquem garimpeiros locais, consolidando ainda mais a sua presença e poder na região.

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