Direitos Humanos
FARC e ELN: o horror contínuo do recrutamento de crianças
Apesar das negociações de paz, os insurgentes das FARC e do ELN continuam recrutando crianças. As comunidades indígenas na Colômbia continuam sendo as principais vítimas desse crime de guerra, que persiste há mais de meio século.
![Filhos de membros das FARC lavam roupas em acampamento em Llanos del Yari, Colômbia, em setembro de 2016. [Luis Acosta/AFP]](/gc4/images/2024/11/21/48236-farc1-600_384.webp)
Por Edelmiro Franco V. |
BOGOTÁ – Na manhã seguinte, Johanna seria baleada. Naquela noite, ela chorou como nunca havia chorado antes.
Com apenas 17 anos e grávida de sete meses, ela foi condenada por uma corte marcial das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) a ser executada às seis da manhã do dia seguinte.
Seu "crime": seu irmão, que também serviu nas FARC, desertou e estava colaborando com o exército colombiano.
"Implorei para que não atirassem em mim. Lembrei que estava grávida do filho de Giovanni [seu parceiro nas FARC], mas eles não se importaram. Ordenaram minha execução para as seis da manhã seguinte", relatou Johanna, conhecida como Natalia dentro das FARC, em entrevista ao Entorno.
![Recrutamento de crianças continua predominante entre as FARC e o ELN. Crianças enfrentam estupro, escravidão sexual, desaparecimento, casamento forçado, nudez forçada e outros atos violentos. [Leo]](/gc4/images/2024/11/21/48237-farc2-600_384.webp)
![Crianças brincam de guerra dentro de casa destruída por ataques das FARC contra a polícia em El Mango, uma área rural na Argélia, Colômbia, em junho de 2015. [Luis Robayo/AFP]](/gc4/images/2024/11/21/48238-farc3-600_384.webp)
Cinquenta guerrilheiros da 32ª Frente das FARC presidiram a corte marcial de Johanna, a sentenciando por unanimidade à execução.
Após o "julgamento", eles "me amarraram pelo pescoço e ombros com uma corda muito grossa e me levaram para um local longe do acampamento", relatou a adolescente. O acampamento estava situado na região de Putumayo, coberta de selva, no sul da Colômbia.
Amarrada a uma árvore, ela aguardava seu destino final.
Perdida em um estado de transe, refletindo sobre as reviravoltas de sua vida desde que foi recrutada pelas FARC, aos 15 anos apenas, ela de repente ouviu um sussurro de um de seus companheiros guerrilheiros.
"O guerrilheiro designado para me vigiar durante a noite se aproximou da árvore onde eu estava amarrada e sussurrou: 'Nati, se você quiser, eu posso te desamarrar e nós podemos escapar. Você tem sido uma boa guerrilheira.'"
Juntos, eles iniciaram a fuga às 23h daquela noite.
"Conseguimos chegar a um lugar chamado La Cristalina e, de lá, seguimos para Villa Garzón (Putumayo)", onde um padre os escondeu antes que eles finalmente se rendessem às forças do governo.
A história de abuso que Johanna sofreu durante seus dois anos nas FARC, de 2006 a 2008, reflete as experiências de centenas de crianças recrutadas por grupos armados ilegais na Colômbia.
Nas FARC, no Exército de Libertação Nacional (ELN) e em vários grupos criminosos, principalmente ligados ao tráfico de drogas, meninos e meninas sofreram e continuam sofrendo violações, escravidão sexual, casamentos forçados, nudez forçada e outros atos sexuais violentos, além de desaparecimentos.
Tanto as FARC quanto o ELN foram fundados em 1964.
Crimes de guerra em curso
O recrutamento de menores, juntamente com violações generalizadas de direitos humanos, continua sendo uma prática comum entre grupos insurgentes e criminosos em toda a Colômbia.
Dezenas de histórias, incluindo a de Johanna e outras ainda mais angustiantes, foram apresentadas em 13 de novembro à Jurisdição Especial para a Paz (JEP), um órgão judicial colombiano.
A JEP documentou os históricos de recrutamento de 805 menores — 451 meninos e 354 meninas — e descobriu que os grupos mais afetados foram as comunidades indígenas Koreguaje, Hitnu, Bari, Sikuani e Cubeo, com um total de 8.903 vítimas, incluindo sobreviventes e famílias que ainda procuram crianças desaparecidas.
Em 2023, o Sistema de Alerta Precoce da Defensoria Pública da Colômbia documentou pelo menos 184 casos de recrutamento de crianças e adolescentes, incluindo 110 meninos e 74 meninas, revela um relatório da JEP.
As FARC — conhecidas há muito tempo por sua experiência no recrutamento de menores — foram responsáveis por 91,1% dos casos, seguidas pelo ELN com 7% e outros grupos ilegais com 1,3%, informou a Ouvidoria em fevereiro.
Os números, no entanto, obscurecem parte do quadro, segundo a agência. Isso ocorre "porque a questão está ligada à falta de um sistema de informação que garanta a confidencialidade das vítimas e de suas famílias".
Tanto as FARC quanto o ELN estão envolvidos em processos de paz com o governo colombiano, embora ambos os esforços tenham enfrentado desafios significativos.
As FARC não têm um comando central e se dividiram em facções menores focadas principalmente no tráfico de drogas.
Enquanto isso, os ataques terroristas em andamento do ELN levantam dúvidas sobre seu compromisso genuíno com a paz.
Cauca, no sudoeste da Colômbia, é uma das regiões mais afetadas pelo recrutamento de menores.
A Frente Carolina Ramírez, uma facção das FARC, explora a ausência de governança efetiva no Bajo Putumayo (Cauca), atacando escolas da região para distribuir panfletos e persuadir crianças e adolescentes a se juntarem a elas.
A oferta: "dois milhões de COP [cerca de US$ 450], uma motocicleta e um rifle", de acordo com uma reportagem de 9 de novembro do El Espectador.
Em outras regiões, grupos criminosos e guerrilheiros usam as mídias sociais para atrair menores.
Recrutadores postam vídeos exibindo armas, pilhas de dinheiro e motocicletas para aliciar os que buscam escapar da pobreza.
Entre janeiro e novembro, os colombianos relataram pelo menos 282 casos de recrutamento de crianças e adolescentes, com metade das vítimas pertencentes a comunidades indígenas, informou recentemente o El Espectador, citando dados da Defensoria do Povo.
As vítimas tinham entre 9 e 17 anos, sendo a maioria entre 14 e 17.
Fenômeno transnacional
Os vizinhos da Colômbia também sofrem com a praga do aliciamento de crianças pelos insurgentes.
As FARC e o ELN operam há muito tempo na Venezuela e no Equador, recrutando menores de idade destes países. A prática é comum também entre outras organizações criminosas com redes em toda a América Latina, como Tren de Aragua.
Na Venezuela, o alistamento de menores pelas FARC e pelo ELN se concentra nos departamentos que fazem fronteira com a Colômbia, que são regiões estratégicas para esses grupos armados.
O aumento do aliciamento de menores por organizações criminosas na Venezuela está se tornando uma questão cada vez mais urgente.
O crime organizado está efetivamente escravizando crianças e adolescentes no país, afirmou a Cecodap, uma organização de defesa dos direitos das crianças, em um relatório de março de 2022.
O recrutamento de menores pelo crime organizado na Venezuela se beneficia do colapso econômico do país [após os desgovernos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro], de acordo com uma pesquisa da Cecodap de março de 2022.
"Insegurança alimentar, abandono escolar e violência doméstica são fatores-chave que empurram crianças e adolescentes para organizações criminosas. O aliciamento de menores é amplamente motivado por circunstâncias desesperadoras e um flagrante desrespeito aos seus direitos humanos", conclui o estudo.
O arrolamento de crianças, adolescentes e jovens por grupos armados é um grande desafio social em muitos países latino-americanos, destaca um artigo de setembro da revista Contemporary Dilemmas: Education, Politics, and Values do Equador.
Grupos armados frequentemente usam aulas de armas de fogo e promessas de recompensas materiais, como videogames ou celulares, para atraírem menores vulneráveis, afirma o estudo, intitulado "Fatores determinantes no recrutamento de crianças por grupos armados em Guayaquil".
No Equador, gangues criminosas "estão aliciando ativamente crianças de até 10 anos, empregando métodos coercitivos e enganosos para envolvê-las em atividades criminosas".
"A pobreza extrema, o acesso limitado à educação, a desintegração familiar e a presença de grupos criminosos organizados" tornam os jovens vulneráveis ao recrutamento, tanto no Equador quanto em países vizinhos como a Colômbia, acrescenta o relatório.