Sociedade
Enfrentando a selva de Darién para fugir da Venezuela de Maduro
Ao recordar os cadáveres ao longo do caminho, um migrante venezuelano comentou: “Esta selva é a pior coisa que pode acontecer a um ser humano”. Colapso de 80% do PIB da Venezuela no governo de Maduro levou mais de 7 milhões de pessoas a fugir.
![Polícia Senafront do Panamá ajuda a migrante venezuelana Marisol Jaime na chegada ao Centro de Recepção Temporária de Migrantes em Lajas Blancas, na província selvagem de Darién, 250 km a leste da Cidade do Panamá. [Martin Bernetti/AFP]](/gc4/images/2024/10/01/47744-migrant1-600_384.webp)
Por AFP |
LAJAS BLANCAS, Panamá – Oswards Ruiz disse que não teve outra escolha a não ser fugir da Venezuela depois que Nicolás Maduro reivindicou a reeleição em um pleito questionado pela oposição em julho.
Sentado no chão próximo a uma tenda frágil em meio à selva no Panamá, o homem de 39 anos contou que, após a eleição, passou a receber ameaças de morte por ter apoiado a oposição.
“O povo conseguiu o que queríamos: ganhar as eleições, mas nos roubaram", disse ele à AFP.
"Fomos espancados pelos 'coletivos' (grupos armados pró-Maduro). Eu não queria sair da Venezuela, mas tive de fugir porque iam me matar."
![Migrantes chegam ao Centro de Recepção Temporária de Migrantes em Lajas Blancas, na província de Darién, localizada em meio à selva, no Panamá. [Martin Bernetti/AFP]](/gc4/images/2024/10/01/47745-migrant2-600_384.webp)
![Migrantes descansam em tendas no Centro de Recepção Temporária de Migrantes em Lajas Blancas, na província de Darién, localizada em meio à selva, 250 km a leste da Cidade do Panamá. [Martin Bernetti/AFP]](/gc4/images/2024/10/01/47748-migrants3-600_384.webp)
Ruiz e um amigo trocaram uma situação de risco de vida por outra, optando por uma árdua caminhada pela selva de Darién, na fronteira da Colômbia com o Panamá, de onde esperam chegar à América Central, ao México e, finalmente, aos Estados Unidos.
“Esta selva é a pior coisa que pode acontecer a um ser humano”, conta Ruiz sobre a travessia, acrescentando que viu vários cadáveres ao longo do caminho.
A poucos metros de sua tenda, Rosa Pérez, uma venezuelana de 40 anos, chorava.
Um familiar que acompanhava ela e o filho Matias, de 11 anos, na viagem, foi arrastado por um rio no Darién.
“Quando eles estavam atravessando o rio, escorregaram e ele (o filho dela) conseguiu sair, porque a mochila dele flutuou. O outro não conseguiu”, disse Perez, mostrando uma foto do homem desaparecido, Reiner Jimenez, de 25 anos.
'Ilusões se foram'
Uma queda de 80% no PIB em uma década de governo de Maduro levou mais de 7 milhões de venezuelanos – quase um quarto da população – a buscar uma vida melhor em outro local nos últimos anos.
Muitos esperavam regressar sob um novo governo liderado pela oposição, como previam as pesquisas.
Mas a perspectiva de mais seis anos de Maduro – cuja reeleição foi contestada por dezenas de países, entre os quais os Estados Unidos – levou mais pessoas a abandonar o país.
A líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, alertou no dia das eleições que mais “três, quatro, cinco milhões” de pessoas provavelmente partiriam se Maduro “tomasse o poder”.
Em entrevista à AFP pelo Zoom em 27 de setembro, ela disse que talvez algumas pessoas "não possam esperar” que a situação melhore.
"Quando você está passando fome, não pode matricular seu filho na escola, não pode pagar um remédio, não pode esperar que esses processos se consolidem."
Em um centro de recepção de migrantes em Lajas Blancas, aldeia situada na selva cerca de 250 quilômetros a leste da Cidade do Panamá, centenas de pessoas dormem em barracas ou tendas de madeira.
O governo panamenho, com ajuda internacional, fornece serviços básicos que permitem aos migrantes recuperar as forças antes de iniciarem a próxima etapa da viagem, rumo à Costa Rica.
Em 2023, um recorde de 520.000 migrantes atravessou o Darién, arriscando a vida e os membros em um terreno traiçoeiro repleto de pumas, onças e outros animais selvagens, além de grupos criminosos.
Desde o início deste ano, foram cerca de 260.000 – sendo cerca de dois terços venezuelanos.
O número caiu em relação ao ano passado porque, segundo o Panamá, o país fechou várias rotas na selva.
Um soldado venezuelano, que pediu para ser identificado apenas como José por medo de represálias, disse à AFP em Lajas Blancas que partiu antes da eleição de 28 de julho, com sua família e seu cachorro.
“Muito poucos soldados decidiram ficar. Fui um dos que decidiram sair do meu país, porque não concordo com as coisas que acontecem lá”, disse ele.
"Esperávamos que este governo acabasse para que pudéssemos regressar. Mas essas ilusões se foram".
'As pessoas vão morrer de fome'
Na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, realizada em Nova York na semana passada, o presidente do Panamá, José Raul Mulino, disse que a Venezuela é um "exemplo concreto" da instabilidade política que, segundo ele, impulsiona a "migração em massa".
Desde que tomou posse, em julho, Mulino deportou dezenas de migrantes da Colômbia, do Equador e da Índia em voos financiados pelos Estados Unidos.
Washington prometeu US$ 6 milhões para o repatriamento de migrantes do país centro-americano, na esperança de reduzir as travessias irregulares na sua própria fronteira sul em um ano de eleições.
O Panamá, no entanto, vem permitindo a passagem dos venezuelanos, em razão da grave situação política e econômica do país vizinho.
O companheiro de viagem de Ruiz, Marcos Arcilla, prevê que mais venezuelanos partirão "porque as pessoas vão morrer de fome”.
"Ninguém passa por lá (a selva) porque quer", disse Perez.