Sociedade
Morte persegue migrantes na selva de Darién
Na traiçoeira selva de Darién, inúmeras histórias comoventes acontecem diariamente à medida que migrantes arriscam suas vidas.
![Mulher migrante caminha pela selva carregando a filha nas proximidades da aldeia de Bajo Chiquito, a primeira passagem de fronteira para a província de Darién, no Panamá. [Luis Acosta/AFP]](/gc4/images/2024/12/04/48362-panama3-600_384.webp)
Por Edelmiro Franco V. |
TURBO, Colômbia — Durante uma missão humanitária, as autoridades colombianas fizeram uma descoberta comovente: duas meninas agarradas ao cadáver da mãe, um duro lembrete da arriscada viagem pela selva de Darién.
Por três dias, elas ficaram congeladas e aterrorizadas diante do corpo de sua mãe, preso no coração do Estreito de Darién – um trecho perigoso de selva que marca a fronteira entre a Colômbia e o Panamá.
As duas meninas, que tinham viajado da África com a mãe, foram resgatadas, mas as autoridades não conseguiram identificar o país de origem delas. Incapazes de falar espanhol ou inglês, as crianças só conseguiam se comunicar através de gestos.
“Encontramos as meninas sozinhas na selva, agarradas ao corpo sem vida da mãe”, conta Amador Caycedo, ex-cônsul colombiano em Puerto Obaldia, um vilarejo remoto em Guna Yala, região indígena do Panamá.
![Vista do panteão construído pela Cruz Vermelha no Cemitério Municipal de El Real de Santa Maria, na província de Darién, no Panamá, para túmulos de migrantes irregulares que morreram no caminho. A estrutura, com 100 nichos, foi construída para homenagear aqueles que morreram na travessia da perigosa selva de Darién. [Luis Acosta/AFP]](/gc4/images/2024/12/04/48361-panama2-600_384.webp)
![Autoridades panamenhas, com o apoio dos EUA, lançaram um plano de deportação para migrantes que cruzaram ilegalmente a selva de Darién da Colômbia para o Panamá. [Migração do Panamá]](/gc4/images/2024/12/04/48360-panama1-600_384.webp)
"Elas estavam paralisadas de medo, incapazes de sair do lado dela”, disse ele ao Entorno.
Durante seus quatro anos como cônsul na região de selva densa de Darién (2020–2024), Caycedo testemunhou e documentou inúmeras histórias angustiantes de migrantes encarando a travessia a pé.
Puerto Obaldia, uma pequena cidade situada nas profundezas da selva de Darién, com menos de 1.000 habitantes, fica ao longo de uma das principais rotas de migração.
Acessível apenas por via aérea (com voos três vezes por semana), barco ou uma cansativa viagem pela selva, Puerto Obaldia era o próximo destino pretendido pela africana desafortunada.
'Profundamente comovente'
Caycedo recorda outra descoberta que o perturbou muito tempo depois.
“Foi angustiante porque vi migrantes passarem com um bebê”, conta ele. “Eles entraram na selva e, dois dias depois, um deslizamento de terra matou 16 deles”.
A tragédia que se seguiu ao acontecimento teve um impacto profundo em Caycedo. Os migrantes haviam acampado às margens de um rio, sem saber do perigo iminente.
“Choveu muito naquela noite e a corrente os levou embora”, disse.
Ele também testemunhou o doloroso caso de um migrante venezuelano que sucumbiu a uma picada de cobra, morrendo em menos de 24 horas.
Caycedo se lembra de ter visto várias mulheres grávidas caminhando pela selva com seus pertences em uma árdua jornada de nove dias até um local conhecido como Bajo Titi.
“Você vê crianças de todas as idades lutando para acompanhar os adultos, mesmo quando a exaustão as domina”, diz o ex-cônsul.
Desde 2020, cerca de 250.000 crianças enfrentaram a selva de Darién na tentativa de chegar aos Estados Unidos, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU).
“É a pior experiência que uma criança pode encarar”, disse à AFP um especialista da ONU em um relatório publicado em 20 de novembro.
“O Darién é a pior provação possível para uma criança migrante e sua família na busca por um futuro melhor”, concordou Luis Pedernera, membro e ex-presidente do Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança, no Panamá, em entrevista à AFP.
As populações migrantes que chegam à Colômbia normalmente entram por Ipiales, perto da fronteira com o Equador, ou por La Guajira e Norte de Santander, que fazem fronteira com a Venezuela.
O objetivo é chegar aos municípios de Turbo e Necoclí, situados na fronteira da Colômbia com o Panamá. De lá, eles embarcam pela selva de Darién, onde imperam o perigo e os animais selvagens.
Os possíveis migrantes vêm principalmente da Venezuela, do Haiti, de Cuba, da China, da Somália e de outros países africanos, segundo as autoridades de imigração da Colômbia e do Panamá.
A maioria começa a viagem carregando seus pertences, mas ao longo do caminho abandonam tudo – alguns até descartam os sapatos, frustrados, quando ficam presos no pântano.
“Nesta rota migratória, até a própria vida está em jogo”, disse Caycedo.
Inúmeros corpos são deixados para trás. “Os animais se alimentam deles... é horrível”, afirma o ex-cônsul.
Deportação
Uma reportagem da AFP de 21 de novembro destaca que 294.000 migrantes passaram pela região a caminho dos Estados Unidos neste ano, uma redução de 39% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o governo panamenho.
O presidente do Panamá, José Raúl Mulino, confirmou a queda, afirmando que “houve uma diminuição de 39% no fluxo de migrantes” através do Darién.
Os números oficiais mostram que 482.000 migrantes cruzaram a selva durante o mesmo período de 2023.
Com o apoio dos Estados Unidos, o governo panamenho implementou medidas para conter a migração através do Estreito de Darién.
Em 20 de agosto, o governo panamenho, com o apoio dos EUA, lançou um plano de deportação para migrantes que entraram irregularmente no Panamá pela fronteira com a Colômbia, atravessando a selva de Darién.
Como parte da medida, cidadãos colombianos, equatorianos e indianos foram deportados em vários voos, na sequência de um memorando de entendimento assinado pelo Panamá e pelos Estados Unidos em 1º de julho.
Além disso, Mulino anunciou em 28 de novembro que os migrantes que entrarem no Panamá através da selva de Darién rumo aos Estados Unidos arcarão com multas de US$ 1.000 a US$ 5.000.
O valor dependerá da “gravidade da infração”, disse ele em entrevista coletiva.