Sociedade
Conjuntura econômica sombria eleva o número de chineses sem documentos no estreito de Darién
Muitos imigrantes chineses se aventuram na perigosa viagem através do estreito de Darién a pé, alguns deles entoando slogans anti-Pequim ao longo do caminho.
![Migrantes cruzam o rio Tuquesa perto da aldeia de Bajo Chiquito, o primeiro posto de controle de fronteira da província de Darién, no Panamá, em setembro. A viagem clandestina pelo estreito de Darién costuma durar cinco ou seis dias, sob todo tipo de mau tempo. [Luis Acosta/AFP]](/gc4/images/2023/10/06/44378-darien1-600_384.webp)
Por Giselle Alzate |
BOGOTÁ – A flexibilização das restrições de viagem pós-COVID e grandes desafios econômicos levaram a um forte aumento dos migrantes sem documentos – incluindo cidadãos chineses – que tentam chegar aos Estados Unidos.
O fluxo de cidadãos chineses que buscam entrar nos Estados Unidos através da América do Sul é resultado de políticas rigorosas adotadas pelo presidente Xi Jinping na China, combinadas com a instabilidade econômica do país.
No primeiro semestre de 2020, as autoridades de imigração do Panamá registraram cerca de 400 chineses trilhando com sucesso esse terreno perigoso. Apenas em novembro do mesmo ano, o número chegou a 377. Em um mês, subiu para 695.
Dados recentes indicam uma tendência sustentada: 12.979 cidadãos chineses cruzaram para o Panamá entre 1o de janeiro e 31 de agosto deste ano. Os números aumentaram de 913 em janeiro para alarmantes 2.433 chineses que completaram a viagem com sucesso em agosto.
![Migrante com um bebê caminha pela selva perto da aldeia de Bajo Chiquito, o primeiro posto de controle de fronteira da província de Darién, no Panamá. A arriscada viagem através do estreito de Darién dura cerca de cinco ou seis dias, cheia de perigos, como selva densa, rios perigosos e grande umidade. A passagem ainda é marcada pela presença de gangues de tráfico de pessoas, aumentando os desafios da jornada. [Luis Acosta/AFP]](/gc4/images/2023/10/06/44382-darien2-600_384.webp)
Os desafios enfrentados pelos cidadãos chineses durante a viagem perigosa foram destacados em uma reportagem do The Guardian em março.
As políticas coercitivas de Xi
Durante entrevista em um hotel em Necoclí, na Colômbia, o cidadão chinês Xu expressou a forte intenção de escapar daquilo que classifica como o governo enganador e opressivo da China.
“Depois de deixar o país [China], não tenho planos de voltar vivo”, disse.
Necoclí, um movimentado centro turístico no Caribe colombiano, é um ponto de embarque comum para migrantes de diversas nações que empreendem a perigosa viagem a pé através do traiçoeiro estreito de Darién.
A viagem pelo estreito de Darién é repleta de perigos, e os migrantes enfrentam o duro desafio de desbravar o terreno perigoso da selva. A região inclui uma série de riscos, de animais selvagens a rios violentos, tudo isso agravado pela umidade sufocante devido às altas temperaturas.
Não bastassem essas adversidades, os migrantes desesperados também precisam enfrentar a ameaça iminente de grupos criminosos violentos, como o infame El Clan del Golfo, da Colômbia, e vários outros que exploram o tráfico de seres humanos em busca de lucro.
“A travessia dessa área pode levar até 10 dias a pé para as pessoas mais vulneráveis, que estão expostas a perigos naturais e também a grupos criminosos que cometem violência, incluindo abuso sexual e roubo”, disse ao The Guardian o chefe de missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM) no Panamá, Giuseppe Loprete.
Livre das garras de Pequim
As políticas rigorosas adotadas por Xi e a turbulência econômica atual tiveram um impacto desproporcional tanto sobre os indivíduos empregados em postos de baixa qualificação como as gerações mais jovens.
Yin Chengxiang, cozinheiro de 55 anos, deixou a China para se libertar do jugo do regime autoritário do Partido Comunista Chinês (PCC). Destemido ao expressar suas divergências em relação ao PCC, Yin declarou abertamente a sua disposição para resistir ao PCC caso este represente uma ameaça a Taiwan.
“Não tenho medo deles… Ajudaríamos Taiwan a lutar contra o PCC se a China atacasse Taiwan”, afirmou Yin ao The Guardian em Necoclí. Ele faz parte do crescente número de chineses que fugiram do seu país nos últimos anos.
A maioria dos cidadãos chineses que embarcam na viagem através da fronteira entre a Colômbia e o Panamá geralmente parte da China e segue para o Equador, aproveitando a política do Equador de não exigir visto.
Do Equador, eles iniciam sua jornada utilizando diversos meios, como ônibus, caminhada ou barcos, visando em última instância a fronteira entre o México e os Estados Unidos.
Em uma tentativa de escapar da difícil conjuntura econômica da China, Xu, com os seus compatriotas na Colômbia, prepara-se para a desafiadora caminhada a pé rumo ao Panamá. Pouco antes de embarcar nessa jornada, eles levantaram as vozes em uníssono, cantando: “Derrubem o PCC!”.
Caminho legal
Em julho, o Departamento de Segurança Interna dos EUA lançou um novo programa com o objetivo de proporcionar uma via legal para centro-americanos e colombianos entrarem nos Estados Unidos, desestimulando, dessa forma, que potenciais migrantes se lancem em uma viagem perigosa para cruzar a fronteira sul dos EUA usando meios não autorizados.
A iniciativa possibilita que migrantes qualificados da Colômbia, de El Salvador, da Guatemala e de Honduras viajem para os Estados Unidos por via aérea e, após o cumprimento de critérios específicos -- como ter familiares que sejam cidadãos dos EUA ou residentes legais com pedidos de visto apresentados em seu nome --, obtenham autorizações de trabalho do governo.
Autoridades têm usado a política da liberdade condicional para admitir uma quota mensal de até 30.000 indivíduos de Cuba, Haiti, Nicarágua e Venezuela que comprovarem apoio financeiro de norte-americanos.
Também foi implementado um sistema para processar dezenas de milhares de pedidos de asilo enquanto essas pessoas estão no México. Isso é facilitado através de um aplicativo de celular do governo chamado CBP One, permitindo que indivíduos consigam entrevistas para entrar nos Estados Unidos.