Sociedade

Migrantes invadem Brasil a caminho do perigoso Estreito de Darién

“Não vale a pena correr riscos tão extremos, mesmo que as circunstâncias e o desejo de uma vida melhor em outro país nos empurrem para uma decisão como esta”, disse um migrante.

Pai carrega sua filha nas costas enquanto atravessa o traiçoeiro Estreito de Darién. [Médicos Sem Fronteiras].
Pai carrega sua filha nas costas enquanto atravessa o traiçoeiro Estreito de Darién. [Médicos Sem Fronteiras].

Por Waldaniel Amadis |

SÃO PAULO -- O sonho de muitos brasileiros de chegar aos Estados Unidos se esvaiu ao longo da perigosa e implacável viagem pela traiçoeira fronteira entre a Colômbia e o Panamá.

O Estreito de Darién deixou uma cicatriz duradoura em Marcos e Jéssica, dois brasileiros que preferem não revelar seus sobrenomes. Eles passaram pela experiência angustiante de tentar cruzar a fronteira entre a Colômbia e o Panamá.

O casal de educadores brasileiros falou ao Entorno sobre a viagem perigosa que fizeram, descrevendo o “silêncio desolador” e os momentos de violência que sofreram ao longo do caminho.

Felizmente, eles conseguiram voltar ao Brasil para compartilhar sua história -- um destino diferente de muitos que perderam suas vidas e foram enterrados na densa floresta tropical.

Família durante travessia do Estreito de Darién. [Médicos Sem Fronteiras].
Família durante travessia do Estreito de Darién. [Médicos Sem Fronteiras].
Migrantes atravessam rio enquanto caminham pelo perigoso Estreito de Darién. [Médicos Sem Fronteiras].
Migrantes atravessam rio enquanto caminham pelo perigoso Estreito de Darién. [Médicos Sem Fronteiras].

O que começou como uma aventura para explorar partes da América do Sul e Central se transformou rapidamente num pesadelo quando caíram nas mãos de criminosos pouco depois de entrarem em território panamenho.

Suas mochilas foram roubadas, juntamente com o dinheiro que guardaram para a viagem.

Sem recursos, os dois professores, que partiram de Porto Alegre com a esperança de alcançar os Estados Unidos, foram obrigados a regressar à Colômbia. Lá, eles tiveram que pedir esmola para chegar a Medellín, onde finalmente receberam ajuda do consulado brasileiro.

“Recebemos ajuda de muitas pessoas amáveis e acreditamos que há mais pessoas boas do que más tanto na Colômbia quanto no Panamá. Infelizmente, cruzamos com as pessoas erradas, que tiraram tudo de nós. Só não fui agredida sexualmente porque havia duas mulheres entre eles”, relatou Jessica, professora e psicóloga, ao Entorno.

Marcos contou que o apoio que receberam na Colômbia -- material e, sobretudo, emocional -- depois de terem suportado a violência no Panamá, os fez refletir muito.

“Não vale a pena correr riscos tão extremos, mesmo que as circunstâncias e o desejo de uma vida melhor em outro país nos empurrem para uma decisão como esta”, diz ele, que é formado em ciências sociais.

Crime organizado

Apesar dos esforços contínuos das autoridades, algumas quadrilhas de tráfico internacional de pessoas usam o Brasil como ponto de partida para a migração ilegal para os Estados Unidos.

Nos últimos anos, o número de pessoas que usam a rota através do Estreito de Darién aumentou, com os traficantes explorando este caminho para transportar brasileiros e outros migrantes que escolhem o Brasil como ponto de partida para chegar aos Estados Unidos.

Acampados no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, muitos esperam entrar no Brasil como refugiados antes de iniciarem a viagem para os Estados Unidos.

A maioria dos estrangeiros que chegam agora vem da Índia, do Nepal e do Vietnã, depois de ondas anteriores vindas do Haiti, da Venezuela, da Síria e do Afeganistão. De acordo com a Polícia Federal brasileira, 97% desses indivíduos não têm intenção de permanecer no Brasil.

Para esses migrantes, o Brasil é apenas o ponto de partida de uma longa jornada que atravessa até 10 países, tendo os Estados Unidos como destino final.

A Polícia Federal identificou várias rotas utilizadas pelos viajantes para saírem do Brasil e tentarem entrar nos Estados Unidos.

Grupos de tráfico internacional de seres humanos estão ativos em todas essas rotas.

De acordo com as autoridades brasileiras, as atividades criminosas geralmente começam no país de origem do migrante antes de ele tentar sair.

Os traficantes anunciam seus serviços de viagem online, exigem pagamento adiantado e prometem que um membro de sua rede ajudará em cada etapa da jornada através de vários países.

Chegar ao destino, muitas vezes, não encerra a dívida com os traficantes, observou Cristiano Eloi, diretor da Divisão de Repressão ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes da Polícia Federal.

Muitos destes indivíduos são coagidos a consumir e traficar drogas.

“Aqueles que não podem pagar a totalidade da taxa exigida por um coiote são frequentemente explorados como trabalhadores quando chegam aos Estados Unidos. Para nós, isto constitui tráfico de seres humanos”, disse Eloi no fim de agosto.

Os perigos da selva

As violações dos direitos humanos e a pobreza são os principais fatores que levam os migrantes a deixarem seus países de origem, ressaltou ao Jornal Nacional no início de setembro o professor Jorge Boucinhas, especialista em migração da Fundação Getulio Vargas (FGV), a principal escola de negócios do Brasil.

“Viajar por grande parte da América do Sul e da América Central, enfrentando inúmeros riscos e condições difíceis, realça o profundo desespero daqueles que estão dispostos a suportar tais perigos”, explicou Boucinhas.

Um dos trechos mais perigosos da viagem para os Estados Unidos é a selva de Darién, que fica entre a Colômbia e o Panamá.

Os migrantes atravessam montanhas e rios, enfrentando ameaças de grupos criminosos, da vida selvagem, de doenças tropicais e de condições climáticas adversas.

A viagem de cerca de 100 km demora normalmente de três a seis dias.

Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) relataram centenas de casos de abuso sexual na região, onde mulheres e meninas são as principais vítimas.

Em julho, o Panamá e os Estados Unidos assinaram um acordo para reduzir a travessia pela selva.

Como consequência deste compromisso, vários voos partiram com pessoas deportadas para seus países de origem.

Um relatório da Human Rights Watch (HRW) estima que 500.000 pessoas atravessaram a selva de Darién em 2023. Muitas dessas, como disse ao Entorno o diretor da HRW Brasil, César Muñoz, foram vítimas de roubo, extorsão e estupro.

Muñoz alertou que este número poderá aumentar para 800.000 este ano, devido à preocupação com o endurecimento das políticas de imigração dos EUA e ao controverso resultado das eleições na Venezuela, após as quais Nicolas Maduro reivindicou um terceiro mandato presidencial.

Gostou desta matéria?


Captcha *