Política
Laços Irã-Nicarágua representam ameaça oculta à segurança latino-americana
Laços entre Nicarágua e Irã baseiam-se geralmente em canais não oficiais, com a mesquita de Manágua desempenhando papel fundamental. Essas relações secretas poderiam permitir a cooperação sigilosa com grupos terroristas, alertam observadores.
![Presidente da Nicarágua, Daniel Ortega (à esquerda), gesticula em direção ao líder supremo iraniano, Ali Khamenei (à direita), durante reunião oficial em Teerã, em junho de 2007. [AFP]](/gc4/images/2024/12/09/48402-iran1-600_384.webp)
Por Roberto Orozco B. |
SAN JOSÉ, Costa Rica – As relações entre o Irã e a Nicarágua têm avançado através de canais não oficiais, em um esforço para evitar o monitoramento e a vigilância por parte de governos estrangeiros, dizem observadores.
A cooperação entre Irã e Nicarágua voltou ao escrutínio público após declarações feitas no final de outubro por Michal Gur-Aryeh, embaixador de Israel na Costa Rica.
O Hezbollah e outros grupos apoiados pelo Irã mantêm bases na Nicarágua, país governado por Daniel Ortega e Rosario Murillo nos últimos 18 anos, acusou Gur-Aryeh, segundo a agência de notícias EFE.
Ortega e Murillo, que são cônjuges e parceiros políticos, detêm agora os cargos de presidente e copresidente da Nicarágua – este último papel introduzido através de reformas constitucionais aprovadas em 22 de novembro.
![Fachada da mesquita de Manágua. Trabalhadores a teriam construído por US$ 600 mil, financiados pela comunidade palestina predominantemente sunita da Nicarágua. [Ángel Martínez]](/gc4/images/2024/12/09/48403-iran2-600_384.webp)
![Fiéis muçulmanos, principalmente nicaraguenses, reúnem-se para as orações de sexta-feira. Estimativas não oficiais sugerem que a Nicarágua tinha cerca de 1.500 muçulmanos, a maioria homens, em 2010. Apesar de não haver dados oficiais disponíveis, esse número teria aumentado ao longo da última década. [Ángel Martínez]](/gc4/images/2024/12/09/48404-iran3-600_384.webp)
Eles consolidaram um regime autoritário que se opõe abertamente aos Estados Unidos e se alinha aos governos autocráticos da Rússia, do Irã e da China.
Os detalhes da colaboração entre Manágua e Teerã permanecem em grande parte envoltos em segredo, com apenas alguns acordos recíprocos divulgados na publicação oficial do governo da Nicarágua, La Gaceta.
Em fevereiro de 2023, um vazamento de documentos de inteligência, posteriormente destacado pelo The New York Times, em abril de 2023, revelou planos de cooperação militar que levantaram preocupações significativas sobre o potencial envolvimento do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) do Irã e de grupos extremistas.
“Do ponto de vista público, as relações bilaterais parecem limitadas a atos cerimoniais – visitas de presidentes, participação em eventos oficiais e reuniões fechadas noticiadas pelos meios de comunicação controlados pelo Estado”, disse um pesquisador de relações internacionais da Nicarágua ao Entorno.
No entanto, “há uma dimensão oculta conduzida através de canais não oficiais, onde a comunicação e a cooperação são muito mais ativas e fluidas”, afirmou o acadêmico, que enfrentou perseguições políticas, vive agora exilado e pediu anonimato para proteger familiares na Nicarágua.
“Sabemos que o Irã aproveita redes religiosas, como a mesquita de Manágua, para comunicação. Este local de culto sofreu mudanças significativas em 2012, após uma visita do então presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad”, explicou o analista político.
Logo após a visita, a mesquita substituiu seu imã sunita, o clérigo jordaniano Abdel Kader, por Sheikh Nasef, um xiita de Teerã.
A mudança na liderança foi pressionada por Ahmadinejad, de acordo com vazamentos da comunidade palestina de Manágua, em sua maioria sunita.
Segundo reportagem de Steve Stecklow, publicada na YaleGlobal no final de 2009, circularam rumores de que Teerã poderia ter financiado parcialmente a construção da mesquita em Manágua.
Ortega e Ahmadinejad afirmam partilhar uma “afinidade revolucionária”, escreveu Stecklow.
Nasef (também conhecido como Nesef ou Nasser) é uma figura dos círculos íntimos de Ortega, revela outra fonte consultada pelo Entorno, um coronel reformado da inteligência do exército da Nicarágua que agora vive no exílio.
Nasef é basicamente um desconhecido, com “esforços aparentemente feitos para mantê-lo fora dos holofotes”.
Canais alternativos de comunicação
Acredita-se também que Ortega se vale de outra fonte para intermediar os laços da Nicarágua com o Oriente Médio.
Em 2007, ele criou a Secretaria Privada da Presidência da Nicarágua para Assuntos Internacionais, frequentemente chamada pela mídia de Secretaria de Relações com o Oriente Médio.
O comandante do órgão desde o início é Mohamed Muhktar Lashtar, um confidente de Ortega, nascido na Líbia, que chegou à Nicarágua para um posto diplomático inicial na década de 1980 e desde então é bem próximo ao presidente.
Agências de inteligência internacionais identificaram Lashtar como um possível sobrinho do falecido ditador líbio Muammar Gaddafi. Lashtar nunca negou publicamente esse parentesco.
Membros da pequena comunidade judaica da Nicarágua ligaram Lashtar ao World MATHABA, um empreendimento líbio que ajudou movimentos revolucionários em todo o mundo desde o final da década de 1970 até a sua dissolução, em 1992.
Em geral, Ortega e seu círculo íntimo ignoram o Ministério das Relações Exteriores e preferem gerir eles próprios os laços externos, particularmente diretamente com nações que apoiam o terrorismo islâmico.
“Na Nicarágua, a política externa é um espaço de tomada de decisão praticamente exclusivo do presidente Ortega e da sua comitiva imediata”, escreveu Sergio Moya, pesquisador do Oriente Médio na Universidade da Costa Rica, em 2020.
Essa insistência no sigilo cria um ambiente propício à cooperação secreta com organizações terroristas.
As alegações de Gur-Aryeh no final de outubro alinham-se com advertências de longa data.
Desde 2012, os meios de comunicação israelenses têm noticiado a presença do Hezbollah na Nicarágua.
Publicações como Israel National News e The Times of Israel detalharam suspeitas de que o Hezbollah opera bases de treinamento no norte da Nicarágua, aumentando as preocupações quanto a atividades clandestinas e as suas implicações para a estabilidade regional.