Energia
Negócio de energia da família Ortega na Nicarágua é impulsionado pela China
Família presidencial controla geração e distribuição de energia elétrica da Nicarágua por meio de empresas privadas, usando fachada de cooperação chinesa para disfarçar interesses comerciais.
![O embaixador chinês na Nicarágua, Chen Xi (quarto da direita para a esquerda), ao lado de Laureano Ortega Murillo (centro), filho dos copresidentes Daniel Ortega e Rosario Murillo, ao lado de autoridades do Ministério de Energia e Minas da Nicarágua e representantes da estatal China Communications Construction Company Limited (CCCC) em 24 de março, comemorando o início da construção da usina solar fotovoltaica El Hato em Ciudad Darío. [El 19 Digital]](/gc4/images/2025/03/28/49779-nicaragua_cccc1-600_384.webp)
Por Roberto Orozco B. |
SAN JOSÉ, Costa Rica — A construção da usina fotovoltaica El Hato, na Nicarágua, iniciada em 24 de março, é um dos três projetos solares liderados pela China que fortalecerão ainda mais o controle da família Ortega-Murillo sobre o setor energético do país.
Daniel Ortega e Rosario Murillo são os copresidentes casados do regime do país.
Esses acordos são empreendimentos puramente comerciais, sem supervisão governamental, beneficiando diretamente a família presidencial e sendo falsamente apresentados como cooperação chinesa, dizem analistas nicaraguenses.
Em 2024, o regime Ortega-Murillo assinou US$ 175 milhões em contratos de financiamento e construção com a estatal China Communications Construction Company (CCCC) para as usinas Enesolar AP-AS 1, El Hato Solar Project e Enesolar 3 em San Isidro, Ciudad Dario e Masaya.
Manágua espera que essas usinas gerem mais de 300 MW, com quase metade alocada à Empresa de Água e Esgoto da Nicarágua (ENACAL) para seu sistema de bombeamento de água potável, de acordo com relatórios oficiais.
Falta de transparência
A dívida da Nicarágua proveniente de projetos de cooperação com a China atingiu US$ 919,72 milhões, segundo o Banco Central.
As empresas controladas por Ortega-Murillo, e não o governo nicaraguense, assinaram todos os contratos com empresas chinesas relevantes, segundo observadores.
"Isso significa que a natureza da cooperação é o investimento privado e representa a dívida pública que os nicaraguenses deverão pagar no futuro. Não há nenhuma cooperação estatal chinesa que beneficie a população da Nicarágua", disse um analista ao Entorno sob condição de anonimato devido ao medo de represálias.
A falta de transparência é a regra geral que define esses projetos, acrescentou a fonte.
"Não são conhecidos os detalhes dos contratos, não sabemos o que dizem as cláusulas. O pouco que se sabe é o que o governo da Nicarágua divulga e comunica através dos seus meios de comunicação oficiais", disse ele.
Monopólio energético
Embora Manágua esconda detalhes, três observadores apontam dois padrões principais na forma como o regime Ortega-Murillo se aproveita de uma falsa cooperação estrangeira e a converte em empreendimentos comerciais privados.
O primeiro é o precedente estabelecido por acordos com a indústria petrolífera venezuelana. A Nicarágua recebeu US$ 4,5 bilhões em derivados de petróleo da estatal venezuelana Petróleos de Venezuela (PDVSA), mas o regime Ortega-Murillo os redirecionou para um negócio privado de combustível por meio da Alba de Nicaragua (Albanisa). A empresa foi sancionada pelo governo dos Estados Unidos em 2019 como parte de medidas mais amplas contra a PDVSA.
O segundo fator é o controle pessoal de Ortega sobre a produção e distribuição de energia elétrica. Com capital venezuelano, o regime de Manágua criou a Alba Generación — o braço de energia da Albanisa, que permitiu a Ortega e sua família controlarem quase 50% da geração elétrica no país.
Analistas acreditam que as três usinas fotovoltaicas apoiadas pela China descritas acima, cujos contratos permanecem em sigilo, consolidarão ainda mais esse monopólio.
Embora parte da produção seja destinada ao bombeamento de água da ENACAL, Ortega controla a distribuição por meio de suas empresas, garantindo que, seja na produção ou na distribuição, as entidades estatais paguem às empresas privadas sob sua influência.
Uma dessas empresas é a Disnorte-Dissur, a distribuidora nacional de energia elétrica.
Ortega adquiriu o negócio por meio de testas de ferro, como o empresário Tirso Celedon Lacayo, que em 2024 usou uma empresa de fachada para comprar a Disnorte-Dissur com US$ 140 milhões da cooperação venezuelana, informou o site independente nicaraguense Confidencial em junho passado.
"Em matéria de energia elétrica nada acontece sem a aprovação de Ortega", disse ao Entorno um engenheiro elétrico com mais de 30 anos de experiência no setor privado do país.
"O regime controla grande parte da geração de energia elétrica, controla integralmente a distribuição e, além disso, controla o órgão regulador estadual (ENATREL), que é quem aprova ou desaprova tudo relacionado ao setor elétrico", acrescentou.
ENATREL é a sigla de Empresa Nacional de Transmissão Elétrica.
O economista e cientista político Enrique Saenz repetiu esse ponto em 22 de março, afirmando em diferentes meios de comunicação que o círculo íntimo de Ortega assumiu "todas as instituições para acumular riquezas fraudulentas através do controle do aparelho judicial e das forças armadas".
A cadeia de influência
Observadores da Nicarágua apontam duas altas autoridades que desempenharam um papel importante no fortalecimento do império empresarial da família Ortega por meio de acordos com a CCCC.
O primeiro é Laureano Ortega Murillo, filho dos copresidentes.
Nomeado por seus pais como assessor presidencial para investimentos e cooperação internacional, ele atua como o principal elo entre investidores da China e da Rússia.
"Seu papel é negociar com investidores desses países a forma de fazer negócios na Nicarágua e o percentual que sua família receberá nesses investimentos", disse uma fonte ao Entorno.
O segundo é Salvador Mansell, ministro de Energia e Minas e diretor da ENATREL.
Mansell concedeu amplas concessões na região caribenha do país a empresas de mineração chinesas, incluindo Zhong Fu Development SA, Nicaragua Xinxin Linze Minera Group SA e Thomas Metal SA.
Até janeiro, essas empresas haviam garantido 45,9% de todas as concessões de mineração realizadas por seu ministério.
Em novembro de 2012, Mansell foi sancionado pelo Departamento do Tesouro dos EUA — junto com outros oito funcionários de Ortega — por corrupção e fraude eleitoral.