Política
Ferramenta de espionagem russa leva a expurgos e conflitos internos na Nicarágua
Especialistas dizem que o SORM-3, sistema de vigilância russo, está expondo dissidentes dentro do regime.
![Uma grande parte da colina Mokoron, ao sul de Manágua, foi cercada por um muro perimetral construído pelo Exército da Nicarágua em 2017. No interior, há residências para oficiais de alta patente e a sede do DICIM, que supervisiona a Unidade 502. [Tomás Díaz López]](/gc4/images/2025/02/17/49147-nicaragua-600_384.webp)
Por Roberto Orozco B. |
SAN JOSÉ, Costa Rica — O uso de um sistema de vigilância fornecido pela Rússia levou à repressão de dissidentes na Nicarágua — inclusive contra autoridades do governo do presidente Daniel Ortega.
Quase 50 autoridades, incluindo altos chefes militares e policiais, foram demitidos e alguns até presos.
Originalmente desenvolvido por cientistas russos na década de 1950, o SORM (Sistema para Atividades de Pesquisa Operacional) é uma ferramenta de vigilância usada na Nicarágua desde 2018. Sua versão mais recente, o SORM-3, agora está sendo usada pelo regime de Ortega para monitorar e controlar as comunicações.
Segundo o especialista Douglas Farah, citado pelo Confidencial em agosto, o sistema de vigilância russo foi fornecido pela empresa Protei e desde então tem intensificado a perseguição política na Nicarágua.
![Imagem do Google Earth revela as antenas da Unidade 502 do DICIM. Especialistas dizem que equipamentos russos e o sistema SORM-3 foram instalados para monitorar comunicações digitais e telefônicas. [Google Earth]](/gc4/images/2025/02/17/49148-nicaragua2-600_384.webp)
![O Exército da Nicarágua fechou a estrada de acesso a Mokoron Hill em 2017, designando-a como zona de alta segurança. A área abriga o DICIM e a Unidade 502, que operam sob aconselhamento russo. [Tomás Díaz López]](/gc4/images/2025/02/17/49149-nicaragua3-600_384.webp)
Em abril de 2018, o governo nicaraguense enfrentou sua maior crise sociopolítica. Protestos em massa — conhecidos como "Rebelião de Abril" — irromperam, exigindo a renúncia de Ortega e sua mulher, a vice-presidente Rosario Murillo.
O regime respondeu com força brutal, mobilizando policiais e paramilitares fortemente armados. A repressão deixou pelo menos 350 mortos, 760 presos por razões políticas e forçou 65.000 ao exílio.
Leais expurgados
Desde então, o sistema SORM-3 tem sido usado para rastrear comunicações digitais, identificar dissidentes e silenciar críticos por meio de prisões ou expulsões forçadas.
Inicialmente com o objetivo de esmagar a oposição, a rede de espionagem agora está se voltando para dentro, mirando até mesmo aqueles dentro do regime.
O resultado: 46 funcionários de alto escalão leais foram expurgados, incluindo quatro juízes do Supremo Tribunal de Justiça, um ministro do governo, três oficiais de alto escalão da Polícia Nacional, três ex-generais do Exército da Nicarágua e antigos membros do partido sandinista.
O expurgo atingiu até as figuras mais emblemáticas do movimento sandinista.
Entre eles, está Carlos Fonseca Terán, filho de Carlos Fonseca Amador, o reverenciado "pai" da Revolução Popular Sandinista (RPS), que derrubou o ditador Anastasio Somoza em 1979 e levou a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) ao poder.
"Ele era considerado intocável, como muitos outros que tiveram papel importante na manutenção do poder de Ortega, como, por exemplo, (os juízes) Marvin Aguilar e Alba Luz Ramos. Agora, ninguém está seguro", disse o analista político nicaraguense Hector Mairena ao Entorno.
Em agosto de 2024, Fonseca Terán foi oficialmente acusado de corrupção e preso junto com 25 funcionários da Prefeitura de Manágua.
No entanto, a mídia independente relatou que o verdadeiro crime foi expressar inconformidade em um grupo do WhatsApp chamado La Comuna.
Uma fissura cada vez mais profunda
Para analistas, o expurgo em andamento no regime de Ortega decorre de uma mudança de poder para sua mulher, que foi nomeada "copresidente" em novembro após uma recente reforma constitucional.
"Isso aprofundou uma fissura que existia entre os aliados mais próximos de Ortega desde 2007", disse Mairena.
A historiadora e analista política Dora Maria Téllez compartilha dessa visão. Em uma entrevista em novembro ao Confidencial, Téllez argumentou que a essência da reforma constitucional é consolidar o poder de Murillo, que teme a eventual saída de Ortega.
"[As reformas] lhe permitem ter um grande bastão na mão para acertar na cabeça qualquer um que se oponha a ele", explicou ela.
Também é possível que os russos a estejam apoiando.
"Os russos não querem que o regime mude na Nicarágua, não querem sair porque esse país lhes oferece uma plataforma para realizar trabalhos de espionagem e, no futuro, uma presença militar dissuasora", disse ao Entorno o ex-oficial da Inteligência Militar da Nicarágua Aníbal Espinoza, que agora busca asilo nos Estados Unidos
"O SORM-3 tem sido mais eficaz em vigiar seus aliados do que os dissidentes políticos", que fazem parte da diáspora expulsa da Nicarágua pela repressão do regime, acrescentou ele.
De acordo com outro especialista militar entrevistado pelo Entorno, que pediu anonimato em razão da segurança de sua família na Nicarágua, o sistema SORM-3 permite que analistas monitorem chamadas telefônicas, tráfego de e-mail e atividade na internet em todo o país.
Embora o sistema seja operado por russos na Nicarágua, o equipamento foi instalado em várias unidades do Exército da Nicarágua, revelou a fonte.
A principal base de operações desse sistema de vigilância é a Unidade 502, localizada em Cerro Mokorón, ao sul de Manágua.
Essa unidade supervisiona diversas antenas situadas em elevações importantes em todo o país, incluindo os vulcões Cosigüina e Casitas, El Naranjo, perto da fronteira com a Costa Rica, Las Manos, Cerro Mogotón, a cordilheira Amerrisque, Bilwi e Peñas Blancas.
A Unidade 502 é uma divisão da Direção de Inteligência Militar e Contrainteligência (DICIM), comandada pelo brigadeiro-general Leonel Gutierrez.
Limpando a casa
O expurgo mais recente na Polícia Nacional ocorreu no fim de janeiro, quando o comissário-geral Horacio Rocha foi demitido por Murillo e colocado em prisão domiciliar.
Ele é acusado de conduzir investigações não autorizadas sobre autoridades de alto escalão, de acordo com reportagens da mídia independente.
Rocha, que atuou como conselheiro de segurança de Daniel Ortega e coordenou a Polícia Nacional, não é o único alto funcionário a ser afastado.
O comissário-geral Adolfo Marenco, chefe da Direção de Inteligência Policial e um dos responsáveis pela repressão aos manifestantes em 2018, foi demitido em 2023 e brevemente preso em El Chipote.
O Supremo Tribunal de Justiça foi o que mais registrou demissões, com cerca de 12 funcionários afastados desde 2023. O mais recente foi o juiz Marvin Aguilar, vice-presidente do Judiciário e presidente interino do tribunal após a remoção da juíza Alba Luz Ramos.
Juntos, eles foram figuras jurídicas importantes para Ortega.
Os militares foram alvos, principalmente com a prisão do general da reserva Francisco Orlando Talavera Siles em junho de 2024 por acusações de corrupção ligadas ao ex-tesoureiro-geral Juan José Montoya.
Analistas, entre os quais Téllez, argumentam que esses expurgos são parte da consolidação de poder de Murillo, gradualmente afastando os partidários de Ortega e construindo um círculo interno leal apenas a ela.
"Daniel Ortega claramente tem menos ou quase nenhum poder todos os dias, como pode ser visto. O poder está repousando principalmente em Rosario Murillo", afirmou Téllez.