Economia

Corrupção ameaça aprovação de acordo chinês de lítio na Bolívia

Parlamentares tanto da oposição quanto do partido no poder teriam aceitado subornos para apoiar contrato com consórcio chinês CBC.

O presidente boliviano, Luis Arce, inspeciona a amostra inaugural de carbonato de lítio na cerimônia de inauguração da primeira planta industrial estatal de carbonato de lítio da Bolívia em Colcha "K", ao sul do Salar de Uyuni, no departamento de Potosí, em dezembro de 2023. [Jorge Bernal/AFP]
O presidente boliviano, Luis Arce, inspeciona a amostra inaugural de carbonato de lítio na cerimônia de inauguração da primeira planta industrial estatal de carbonato de lítio da Bolívia em Colcha "K", ao sul do Salar de Uyuni, no departamento de Potosí, em dezembro de 2023. [Jorge Bernal/AFP]

Por Aurora Lane |

LA PAZ – Os deputados da Bolívia, em uma sessão marcada por alegações de corrupção e tentativas do partido que está no poder de limitar a participação da oposição, aprovaram um contrato entre a estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) e o consórcio chinês CBC para a extração de lítio no Salar de Uyuni.

O contrato, que foi inicialmente assinado em novembro de 2024, prevê a construção de duas unidades de produção de carbonato de lítio com capacidades anuais de 10.000 e 25.000 toneladas, respectivamente. Pelo acordo, a CBC investirá pelo menos US$ 1 bilhão e o governo boliviano manterá uma participação de 51% no projeto.

Mas, segundo críticos, esse investimento deve ser restituído com taxas de juro altas, de 12,5%.

Enquanto o contrato aguarda mais debate na Câmara dos Deputados e no Senado, membros da oposição e comunidades indígenas afetadas intensificaram suas críticas à abordagem do governo.

Comissão de Economia Plural da Câmara dos Deputados da Bolívia se reuniu, em 6 de fevereiro, para aprovar o contrato de extração de lítio entre a Bolívia e o consórcio chinês CBC. Realizada de forma inesperada e a portas fechadas, a sessão enfrentou acusações de suborno e pressão governamental para garantir votos favoráveis. [Câmara dos Deputados]
Comissão de Economia Plural da Câmara dos Deputados da Bolívia se reuniu, em 6 de fevereiro, para aprovar o contrato de extração de lítio entre a Bolívia e o consórcio chinês CBC. Realizada de forma inesperada e a portas fechadas, a sessão enfrentou acusações de suborno e pressão governamental para garantir votos favoráveis. [Câmara dos Deputados]
Vista aérea do Salar de Uyuni, no departamento de Potosí, Bolívia. [Jorge Bernal/AFP]
Vista aérea do Salar de Uyuni, no departamento de Potosí, Bolívia. [Jorge Bernal/AFP]

Em 6 de fevereiro, a Comissão de Economia Plural aprovou um contrato entre a estatal boliviana YLB e a CBC. Parlamentares da oposição não puderam participar da sessão, o que aumentou as tensões.

Segundo relatos, os membros da oposição tiveram de escalar muros e forçar a entrada na sala onde ocorria a votação, uma vez que o partido no poder havia fechado as portas.

O processo de aprovação provocou forte reação de vários setores políticos e civis, evidenciando as estratégias do partido governante Movimento ao Socialismo (MAS) para acelerar acordos com a China para a exploração de lítio sem debater o tema com os críticos.

Falta de transparência

Críticos argumentam que o contrato não atende aos interesses da Bolívia e carece de transparência.

O deputado da oposição Juan José Torrez, um incisivo crítico dos contratos de lítio, relatou a turbulência durante a sessão de 6 de fevereiro da Comissão de Economia Plural.

O debate foi interrompido após grupos pró e contra os acordos invadirem o recinto, provocando confrontos. O caos levou à suspensão temporária do processo, sem planos imediatos de retomada.

Posteriormente, por volta das 20h, os parlamentares da oposição foram notificados de que a sessão seria retomada imediatamente. Ao retornar, encontraram as portas trancadas e não havia seguranças para abri-las.

Desesperado, Torrez passou por cima de uma porta para permitir acesso aos colegas. As forças de segurança intervieram, tentando impedir sua entrada, disse ele ao Entorno.

Uma vez lá dentro, os parlamentares da oposição descobriram que a votação para estabelecer quórum e prosseguir com a discussão do contrato já estava em andamento. Apesar dos protestos e dos apelos para que fosse permitida a entrada dos que ainda estavam do lado de fora, a sessão continuou.

O acordo acabou sendo aprovado na madrugada de 7 de fevereiro, com oito votos a favor, cinco contra e uma abstenção.

Propina em código QR

Durante o debate sobre o contrato com a empresa chinesa, surgiram alegações de que alguns parlamentares, tanto da oposição quanto do governo, receberam propina para votarem a favor.

O deputado da oposição Renán Cabezas afirmou que foram feitos pagamentos em dinheiro para votos favoráveis ​​e que alguns parlamentares até usaram códigos QR dentro do Congresso para receber transferências bancárias.

Em entrevista à mídia local, Cabezas pediu que o Ministério Público investigasse estas denúncias.

Torrez caracterizou os acordos com mineradoras chinesas para extração de lítio como uma “traição ao povo boliviano”. Ele argumenta que esses contratos representam ameaças tanto ao meio ambiente quanto à economia nacional, favorecendo os interesses chineses em detrimento dos da Bolívia.

Ele também expressou preocupação com a possibilidade de o governo empregar táticas semelhantes para excluir as vozes da oposição nas próximas discussões plenárias na Câmara dos Deputados e no Senado.

Torrez destacou que o atual sistema de votação informatizado não tem transparência, pois não permite a verificação individual dos votos, aumentando assim o potencial de fraude.

Água contaminada

Apesar da polêmica, Torrez ainda tem esperança de que o Senado suspenda a aprovação final do contrato.

“Seria a única salvação para o povo de Potosí e da Bolívia. [Se não impedirmos isso], não estaremos vendendo lítio para eles; estaremos dando lítio aos chineses”, disse ele.

Grupos sociais do departamento de Potosí que se opõem ao contrato argumentam que a região receberá apenas 3% em royalties sobre o valor da produção, valor significativamente inferior aos 11% que exigiam.

O Comitê Cívico Potosinista (Comcipo) manifestou sua oposição ao contrato com a CBC para a exploração de lítio em Potosí, onde está localizada a maior parte do Salar de Uyuni.

Os acordos para a extração de lítio causarão danos sociais, ambientais e econômicos significativos, beneficiando apenas as corporações transnacionais, disse o presidente da Comcipo, Alberto Pérez, ao Entorno.

Pérez expressou preocupação com o impacto ambiental nas frágeis reservas de água de Potosí, que são cruciais para as comunidades locais e a agricultura. Ele alertou que o uso intensivo de água na extração de lítio poderia esgotar recursos essenciais para a população.

“A questão do meio ambiente, sobretudo a questão hídrica, é importante. Não há muita água no local, é água doce [que vai] para os poços, e tudo isso vai secar. E o que vão fazer com o líquido [produto de lítio], isso vai contaminar”, enfatizou.

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