Economia

Investigação sobre tráfico de influência no Chile foca em empresário chinês

Processo revelou papel de empresário como intermediário entre autoridades chilenas e chinesas, motivando investigação de figuras de alto escalão e uma ordem do Ministério Público para apresentação de uma lista de fornecedores chineses que têm contratos com o município de Santiago.

Karol Cariola, então presidente da Câmara dos Deputados do Chile, segura o filho de 8 dias enquanto participa de uma sessão do Congresso em Valparaíso, em 11 de março. Após dar à luz, Cariola retornou ao Congresso para liderar a sessão em que ocorreu a votação de uma resolução de censura apresentada pelo Partido Social Cristão após uma investigação sobre possível “tráfico de influência”. [Francesco Degasperi/AFP]
Karol Cariola, então presidente da Câmara dos Deputados do Chile, segura o filho de 8 dias enquanto participa de uma sessão do Congresso em Valparaíso, em 11 de março. Após dar à luz, Cariola retornou ao Congresso para liderar a sessão em que ocorreu a votação de uma resolução de censura apresentada pelo Partido Social Cristão após uma investigação sobre possível “tráfico de influência”. [Francesco Degasperi/AFP]

Por Alicia Gutiérrez |

SANTIAGO – Uma investigação do Ministério Público chileno sobre tráfico de influência atingiu um empresário chinês, abalando as relações Chile-China e levantando dúvidas sobre a parceria comercial de longa data dos dois países.

A polêmica veio à tona após as autoridades apreenderem o telefone do ex-prefeito de Santiago Iraci Hassler, que é acusado de corrupção devido à compra fracassada de uma clínica.

“A investigação [da tentativa de compra] demonstrou que houve um plano criminoso para aperfeiçoar o contrato de compra e venda, causando um prejuízo milionário ao patrimônio público”, afirmou o Ministério Público em documento publicado em setembro de 2023.

Mensagens extraídas do WhatsApp revelaram uma conversa entre Hassler e a então presidente da Câmara de Deputados do Chile, Karol Cariola, que renunciou em 17 de março em meio ao escândalo.

Fachada do China Mart, supermercado no bairro Meiggs, em Santiago, que abriga a maior mão de obra chinesa da cidade. A autoridade metropolitana de saúde fechou a loja em 2023, após centenas de reclamações de cidadãos sobre a venda de carne de tartaruga e de outros animais exóticos sem a devida rotulagem. O estabelecimento agora está funcionando novamente. [Alicia Gutiérrez]
Fachada do China Mart, supermercado no bairro Meiggs, em Santiago, que abriga a maior mão de obra chinesa da cidade. A autoridade metropolitana de saúde fechou a loja em 2023, após centenas de reclamações de cidadãos sobre a venda de carne de tartaruga e de outros animais exóticos sem a devida rotulagem. O estabelecimento agora está funcionando novamente. [Alicia Gutiérrez]

Em janeiro de 2022, Cariola mandou mensagem a Hassler: "Um dos meus amigos empresários chineses tem um shopping em Santiago e, devido a problemas administrativos, [eles] não conseguiram pagar a licença e vão fechá-lo, ou algo parecido. Eles vão retirar a licença, que só exigia renovação".

"Vou averiguar do que se trata e lhe respondo", respondeu Hassler, de acordo com matéria do Reportajes T13 publicada em 11 de março.

Embora a identidade do “amigo chinês” não tenha sido divulgada, a mídia chilena rapidamente descobriu seu nome e expôs suas ligações com o Partido Comunista Chinês.

Agente de influência

Bo Yang, também conhecido como “Emilio” Yang, é gestor de interesses, segundo a plataforma Lobby Law, e investigações jornalísticas revelaram suas negociações comerciais com autoridades chilenas.

Além de atuar como empresário, Yang participa ativamente de reuniões do Grupo Interparlamentar Chileno-Chinês, que visa fortalecer as relações sino-chilenas.

Sua primeira reunião registrada nessa capacidade ocorreu em 24 de novembro de 2016, com Carlos Álvarez, então diretor da InvestChile, informou o canal chileno T13 em 11 de março. A pauta incluía uma proposta de investimento estrangeiro de US$ 500 milhões para a construção de uma fábrica de baterias de lítio no Chile.

Em 2019, Yang organizou uma reunião com o então ministro de Obras Públicas, Alfredo Moreno, em nome do China Railway International Group, de acordo com registros de lobby. A discussão foi focada nos projetos de infraestrutura da empresa no Chile, segundo a reportagem do T13.

Em 27 de junho de 2023, Yang participou de uma reunião de lobby com Marcela Hernando, então ministra de Minas do Chile.

Como representante da Câmara de Comércio e Indústria Chinesa no Chile, Yang buscou "compreender a estratégia de desenvolvimento, os principais projetos e as oportunidades de cooperação no setor de mineração do Chile e ter uma comunicação e discussão aprofundadas com sua equipe", detalhou a plataforma Ley del Lobby, citada pelo T13.

Yang acompanhou uma delegação de parlamentares chilenos à China em 2024, atuando como lobista. A visita fazia parte das atividades programadas do Comitê de Diálogo Político, órgão conjunto do Congresso Nacional chileno e do Congresso Nacional do Povo chinês.

Pequim arcou com a maior parte das despesas, e a Câmara dos Deputados chilena contribuiu com uma pequena parcela para custos adicionais, informou o T13. A delegação foi chefiada por Cariola, então presidente da Câmara dos Deputados.

Além disso, Yang viaja com frequência, segundo o T13. Desde 2012, ele fez pelo menos nove viagens registradas do Chile para o México, Brasil, China, Argentina e Peru.

Negócio obscuro

Além de suas conexões políticas, Yang é fortemente ligado à crescente rede de empresas chinesas no Chile.

Uma delas é o China Mart, supermercado situado no bairro Meiggs, em Santiago, que concentra a maior mão de obra chinesa da cidade.

A loja estaria no centro de uma disputa pela licença de bebidas alcoólicas, o que levou Cariola, então presidente da Câmara dos Deputados, a pedir a intervenção de Hassler, então prefeito de Santiago, em seu favor, supostamente devido à sua amizade com o empresário e lobista Yang, de acordo com as transcrições de conversas do WhatsApp.

Em meados de março de 2023, a autoridade máxima de saúde metropolitana (SEREMI) fechou o China Mart após centenas de reclamações de cidadãos nas redes sociais, informou o jornal El Mercurio em 7 de março.

As autoridades confirmaram relatos que circulavam em plataformas como o TikTok de que a loja vendia carne de tartaruga e de outros animais exóticos sem a devida rotulagem.

Uma equipe do Entorno visitou o supermercado neste ano. A loja voltou a funcionar e está operando normalmente, com vários produtos de origem e rotulagem questionáveis ​​ainda à venda.

Segundo a mídia local, Yang registrou várias empresas no Chile, entre as quais a Comercializadora Maxworld Limitada, a Fanatico X Coo Limitada e a Comercializadora Imperio Dragon Limitada, sendo esta última ligada a jogos eletrônicos e salões de sinuca.

Em 2017, a receita federal do Chile (SII) multou a Imperio Dragon por sonegação fiscal.

Yang também é investigado em razão de sua sociedade na Fanatico X Coo Limitada com um cidadão chinês que enfrenta três processos judiciais por contrabando. Esse mesmo sócio é dono de um apartamento onde Cariola morava até o escândalo vir à tona.

Cariola pagava à Fanatico X Coo Limitada um aluguel 28% abaixo do preço de mercado.

Por conta dessas e de outras irregularidades, o El Mercurio informa que o Ministério Público solicitou uma declaração formal de Yang e uma lista de todos os fornecedores chineses que têm contratos em vigor ou expirados com o município de Santiago.

Em meio à crescente polêmica, a embaixada chinesa no Chile emitiu rapidamente uma resposta em 7 de março, distanciando-se de Yang.

"Os canais de comunicação desta Missão Diplomática com o Governo e o Congresso Nacional do Chile são diretos e fluidos, razão pela qual em nenhum caso a Embaixada recorrerá a qualquer intermediário para se comunicar com as autoridades chilenas", segundo o comunicado.

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