Energia

Falta de experiência de empresa russa levanta dúvidas sobre projeto de lítio na Bolívia

Atividade principal da russa Rosatom é o urânio, não o lítio. Críticos argumentam que envolvimento da empresa levará a exploração descontrolada.

Trabalhador nas salinas de Uyuni, na Bolívia, onde se encontra uma das maiores reservas de lítio do mundo. [YLB]
Trabalhador nas salinas de Uyuni, na Bolívia, onde se encontra uma das maiores reservas de lítio do mundo. [YLB]

Por Aurora Lane |

LA PAZ, Bolívia -- Representantes da sociedade civil se opuseram ao contrato de US$ 970 milhões assinado entre o governo boliviano e uma empresa russa para a extração de lítio na região de Potosí.

Líderes locais e organizações civis acusam o governo de trair os interesses regionais, alertando que o acordo beneficiará principalmente entidades estrangeiras, deixando a região, que é rica em recursos naturais, presa na pobreza.

Em 11 de setembro, a empresa estatal Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB) assinou um contrato com o Uranium One Group, filial da gigante nuclear russa Rosatom.

O acordo envolve a utilização de tecnologias avançadas de extração direta de lítio (DLE) no Salar de Uyuni, uma das maiores reservas mundiais deste minério.

Larisa Lysova, representante do Uranium One Group, e Omar Alarcón, presidente da YLB, posam para os fotógrafos após assinatura de um contrato de extração de lítio no valor de US$ 970 milhões em Potosí. [Agência Boliviana de Informação (ABI)].
Larisa Lysova, representante do Uranium One Group, e Omar Alarcón, presidente da YLB, posam para os fotógrafos após assinatura de um contrato de extração de lítio no valor de US$ 970 milhões em Potosí. [Agência Boliviana de Informação (ABI)].
Salinas de Uyuni, na Bolívia, que abrigam uma das maiores reservas de lítio do mundo. [YLB]
Salinas de Uyuni, na Bolívia, que abrigam uma das maiores reservas de lítio do mundo. [YLB]

O vice-ministro das Energias Alternativas, Álvaro Arnez, afirmou que o investimento de US$ 970 milhões será totalmente financiado pela empresa russa.

Falta de transparência

Mas representantes de Potosí condenaram o contrato, criticando sua falta de transparência e argumentando que ele não oferece benefícios reais para a população local.

“Rejeitamos oficialmente o contrato entre Uranium One e YLB, pois ele foi assinado à revelia do povo de Potosí e de todos os bolivianos. Potosí não será cúmplice dos interesses pessoais da família do presidente Luis Arce”, disse ao Entorno Alberto Pérez, presidente do Comitê Cívico de Potosí (COMCIPO).

Pérez acusou Arce de tratar a exploração do lítio como um “negócio de família”, sugerindo que os filhos do presidente estão envolvidos na gestão dos projetos sem consultar as autoridades locais ou garantir a transparência.

“Ele agiu como um delinquente comum, fazendo tudo em segredo. O governador não sabe, os nossos deputados não sabem, ninguém sabe”, acrescentou o presidente da COMCIPO.

O líder civil manifestou preocupação com os termos do contrato, alegando que eles não garantem um retorno justo de royalties para o departamento de Potosí.

A Bolívia não dispõe atualmente de um regime fiscal específico para o lítio que estabeleça claramente uma taxa percentual para sua extração.

Esforços foram feitos para regulamentar a atividade através de uma Lei de Mineração, que propõe um royalty de 3% para o departamento.

Este projeto de lei foi criticado pela população de Potosí, que considera que os 3% são insuficientes em comparação com a taxa de 11% aplicada à indústria de hidrocarbonetos.

“Desta vez, queremos que seja proporcional. Não queremos os 3% que o setor de mineração nos dá como esmola. Esperamos que Potosí receba uma parte das receitas do lítio, potencialmente superior a 10%, com base na produção e nas vendas”, disse Pérez.

Na mesma linha, a ex-presidente da COMCIPO, Roxana Graz, classificou o acordo como uma “traição” aos moradores de Potosí, alertando que o governo pretende “explorar ao máximo os recursos naturais”.

Ela explicou à imprensa que a taxa de royalties de 3% se aplica apenas a matérias-primas na “boca do poço” (material bruto). Quando o lítio é transformado, por exemplo sob a forma de carbonato de lítio, a percentagem cai para 1,9%.

Graz enfatizou que esta percentagem é “miserável” em relação à dimensão da exploração prevista. Chamou atenção também para a “poluição” e os “danos ambientais” que a região sofrerá devido às atividades da empresa estrangeira.

Falta de experiência

Raúl Velásquez, analista da Fundação Jubileu, que defende o controle social das instituições governamentais, criticou a falta de transparência e o fato de o contrato ter sido concedido a uma empresa que atua principalmente na extração de urânio, e não de lítio.

“Idealmente, deveria ter sido feita uma licitação pública internacional, processo usado pelos países mais transparentes. Neste caso, o governo já tinha negociado o contrato e selecionado a empresa sem qualquer análise prévia ou debate na Assembleia Legislativa”, disse ele à imprensa em 11 de setembro.

Velásquez destacou a importância da aplicação de critérios básicos, como a seleção de uma empresa com conhecimentos técnicos substanciais na extração de lítio e com capacidade financeira para cumprir suas obrigações.

Ele destacou também a necessidade de consulta pública prévia e de uma avaliação ambiental abrangente, observando que o lítio é um recurso não renovável.

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