Economia
Crescente descontentamento em meio à escassez de dólar e combustível na Bolívia, rica em recursos
Bolívia continua sendo um dos países mais pobres da região, apesar de sua vasta riqueza mineral, incluindo reservas de gás e lítio.
![Ônibus fazem fila para abastecimento com diesel em um posto de gasolina em La Paz. [Ernesto Benavides/AFP]](/gc4/images/2024/07/19/47126-bolivia2-600_384.webp)
Por AFP |
LA PAZ -- O motorista de ônibus boliviano Gerardo Salluco se prepara para passar a segunda noite estacionado em uma longa fila de ônibus, à espera de combustível em um posto de gasolina sob vigilância militar.
As filas para comprar diesel e gasolina se tornaram comuns no país sul-americano, onde uma grave crise econômica e a instabilidade política levaram a uma suposta tentativa de golpe em 26 de junho.
A Bolívia não consegue comprar e importar combustível suficiente para suas necessidades devido à escassez de dólares norte-americanos, causada por uma queda drástica nas exportações de gás natural — que já foi um dos pilares da economia.
Grande parte de suas reservas cambiais em declínio é usada para manter subsídios aos combustíveis, o que, ironicamente, estimulou o roubo do recurso cada vez mais escasso, porém barato, para venda ilegal em países vizinhos.
![Mulher indígena do povo aimará passa por uma casa de câmbio em La Paz. A Bolívia luta contra a escassez crônica de combustível e a falta de dólares, o que eleva as taxas de câmbio no mercado paralelo. [Ernesto Benavides/AFP]](/gc4/images/2024/07/19/47127-bolivia3-600_384.webp)
O resultado cumulativo é a grande escassez de gasolina e diesel no país, aumento do custo de vida, descontentamento crescente e protestos em massa contra a falta de combustíveis.
Em meio à turbulência, o presidente Luis Arce anunciou no final de junho que havia frustrado uma tentativa de golpe militar contra ele.
Em uma reviravolta inusitada, o líder do golpe, Juan José Zuniga, afirmou que estava seguindo ordens de Arce. Segundo o militar, o presidente esperava que o golpe desencadeasse uma repressão que aumentaria sua popularidade.
"Percebemos algo assim, (que) querem nos distrair", disse Salluco, de 49 anos, que transporta passageiros entre a Bolívia e o Chile há 12 anos.
"Não estou muito envolvido em política, mas percebemos isso. Querem distrair, não há dólares, não há diesel."
Em meio à tensão política, no entanto, Salluco mantém o foco no posto de gasolina.
"É cansativo esperar, porque de repente começam a vender", disse o motorista à AFP ainda na fila, enquanto a noite começava a cair. "Então tenho de ficar atento."
"Demanda excessiva"
A Bolívia é um dos países mais pobres da região, apesar de contar com vastos recursos minerais, como o gás natural e o lítio, componente essencial das baterias usadas em carros elétricos.
O país, que abriga 12 milhões de pessoas e uma maioria indígena, experimentou um "milagre econômico" de curta duração durante a presidência do esquerdista Evo Morales (2006-2019), período em que Arce foi ministro da Economia.
Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia, nacionalizou a indústria de hidrocarbonetos e outros recursos, como o lítio.
O país teve crescimento de mais de 4% ao ano, enquanto as taxas de pobreza caíram de 60% para 37%, de acordo com números oficiais.
Com o fracasso de Morales em implementar reformas econômicas estruturais, o crescimento se tornou insustentável, dizem os críticos.
Em agosto do ano passado, o presidente da estatal petrolífera YPFB, Armin Dorgathen, disse que a Bolívia estava ficando sem gás natural — que também vendia para Argentina e Brasil — devido à falta de novos investimentos em exploração.
A produção caiu de 59 milhões de metros cúbicos por dia em 2014 para 37 milhões, afirmou ele.
As reservas em moeda estrangeira caíram de US$ 15 bilhões há uma década para cerca de US$ 1,8 bilhão no mês passado.
Agora, há restrições para retiradas de dólares -- a cotação oficial da moeda foi fixada em 6,96 bolivianos. No entanto, no mercado clandestino o dólar é negociado a preços até 30% acima desse patamar.
"Antes não tínhamos limite para enviar (dólares) para o exterior; hoje temos (...) e em alguns bancos não é mais possível", disse à AFP a estudante Minerva Ruelas, de 27 anos.
Enquanto cresce a frustração com a escassez, a YPFB atribui parte da culpa pela falta de combustível a postagens alarmistas nas redes sociais que geram "demanda excessiva".
No mês passado, o governo de Arce enviou soldados aos postos de gasolina para impedir o roubo de combustível.
Para o motorista de caminhão Claudio Laura Flores, de 33 anos, a situação significa esperar horas, às vezes dias, em longas filas de combustível "longe da família, com frio, com fome".
O colega motorista de ônibus Severo Bustencio, de 40 anos, disse que a escassez de combustível "está nos afetando muito porque não podemos viajar".
"E, se não podemos viajar, não ganhamos", afirmou.