Economia
Desafio diário para os venezuelanos: obter água, energia elétrica e combustível para cozinhar
Regime autoritário de Nicolás Maduro mergulhou a Venezuela en uma grave crise econômica, política e humanitária.
![Homem em uma motocicleta carrega um recipiente água no bairro La Vega, em Caracas. As falhas crônicas dos serviços públicos na Venezuela provocam uma “privatização” de fato, informal e caótica, com a população forçada a cobrir com os seus próprios recursos o vácuo deixado pela ineficácia das redes estatais. [Federico Parra/AFP]](/gc4/images/2023/09/04/43751-venezuela1-600_384.webp)
AFP |
CARACAS – Yusmary gasta até metade do seu salário semanal em água. Isora precisa recorrer ao mercado negro para conseguir botijões de gás para poder cozinhar. Rodrigo, cansado dos apagões, comprou geradores portáteis para sua casa e empresa.
Os serviços públicos oferecem atendimento irregular na Venezuela e os cidadãos pagam caro para compensar as deficiências.
Quando a energia é cortada e os suprimentos de água e gás acabam, as pessoas recorrem a redes privadas caóticas para garantir abastecimento.
“As pessoas têm de resolver e seguir com suas vidas diárias”, disse à AFP Jesus Vasquez, diretor da Monitor Ciudad, uma ONG que rastreia água, energia elétrica e gás em Caracas e em quatro estados do país de 30 milhões de habitantes.
![O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, fala durante uma reunião em Caracas. O regime autoritário de Maduro mergulhou a Venezuela em uma grave crise econômica, política e humanitária. [Federico Parra/AFP]](/gc4/images/2023/09/04/43752-venezuela2-600_384.webp)
![Yusmary Gomez, 36 anos, segura uma mangueira para coletar água em recipientes de plástico devido à falta de água em sua casa, no bairro La Vega, em Caracas. Gomez passou a gastar metade do dinheiro que ganha por semana com água. As falhas crônicas dos serviços públicos na Venezuela provocam uma “privatização” de fato, informal e caótica, com a população forçada a cobrir com os seus próprios recursos o vácuo deixado pela ineficácia das redes estatais. [Federico Parra/AFP]](/gc4/images/2023/09/04/43753-venezuela3-600_384.webp)
Os protestos sobre a situação são frequentes.
O povo da Venezuela está preso ao autoritarismo e à má gestão econômica do presidente Nicolás Maduro.
Maduro esmagou toda a oposição política e depende do apoio da Rússia, da China e do Irã para permanecer no poder, mas o povo venezuelano continua pobre, não importa quantos acordos esses países assinem com Caracas.
A contratação de comparsas incompetentes tanto de Maduro como do seu antecessor, Hugo Chávez, para gerir a crucial empresa petrolífera estatal Petróleos de Venezuela, foi um avanço notável no empobrecimento do país.
Canos de água vazios
Um grito ressoa em La Jota, parte do distrito de La Vega, em Caracas: “A água voltou!”
Todos correm para encher baldes e jarras para garantir o abastecimento de água da família.
Yusmary Gomez, uma mãe de 36 anos, diz que não é raro que a água seja aberta apenas uma vez a cada duas semanas.
“No ano passado, não recebemos nem uma gota de água durante três meses e meio", disse.
Em sua casa, ela possui uma cisterna plástica com capacidade para 800 litros que ganhou durante uma campanha eleitoral.
A água da cidade, quando chega, costuma ser amarelada, por isso Gomez compra jarras de 20 litros na loja onde trabalha, para beber e cozinhar.
A cada dia de pagamento, seu chefe deduz o custo. Encher dois contêineres custa um dólar. “Meu pagamento é de US$ 30 por semana e tenho recebido US$ 15”, disse Gomez à AFP.
O Monitor Ciudad estima que os residentes da cidade recebem água em média durante 60 das 168 horas de uma semana.
Para moradores de classe média, é comum pagar US$ 70 pela entrega de um caminhão-tanque para encher cisternas particulares.
Em áreas mais ricas, os vizinhos gastam até US$ 20.000 para perfurar poços privados e compartilhar a produção.
O salário médio no país, segundo estimativas privadas, é de US$ 150 por mês. O salário mínimo mensal é inferior a US$ 5.
Por meio de um aplicativo móvel, as comunidades podem notificar o governo sobre Maduro e, teoricamente, enviar unidades para reabastecer linhas de água, pavimentar estradas ou atender reparos em escolas.
Maduro culpa as sanções dos EUA pela crise nos serviços, mas o país está assolado pelo desinvestimento e por denúncias de corrupção.
Gasolina em vez de medicamentos
A água não é o único recurso escasso em La Jota.
Isora Bazan reclama da entrega irregular de cilindros domésticos de gás natural para cozinhar. Para enfrentar os atrasos, ela terá de recorrer ao mercado negro.
“Deixo de comprar remédios para comprar gasolina”, disse à AFP a aposentada de 61 anos.
Em uma avenida, os revendedores vendem cilindros entre US$ 10 e US$ 20. Bazan recebe uma pensão mensal inferior a US$ 5.
Apenas 17% da população tem gás canalizado, segundo o Monitor Ciudad.
Geradores privados
Felicinda Mendoza, 74 anos, viu sua geladeira estragar devido a apagões frequentes.
"Falta muita energia... Ontem tirei a carne, o frango e o pouquinho de comida que tinha. Estava tudo estragado", disse ela.
Os apagões são especialmente problemáticos nas províncias, onde podem durar horas.
“Se não encontrarmos uma forma de resolver estas coisas, morreremos de ataque cardíaco”, disse à AFP Rodrigo Crespo, empresário de 35 anos.
Ele comprou dois pequenos geradores, um para sua casa e outro para seu negócio em Los Puertos de Altagracia, uma pequena cidade perto de Maracaibo, no oeste do país. Cada gerador custa US$ 350.
Para usá-los, gasta US$ 100 por mês em combustível.
Sem água e sem escola
O colapso dos sistemas de saúde pública e educação também incomoda os venezuelanos.
A filha de Gomez, de 4 anos, muitas vezes falta às aulas quando sua pré-escola estatal fecha as portas por falta de água.
“Eles nos mandam uma mensagem de texto: não há água, então não há escola”, disse ela.
Desde a pandemia do coronavírus, tornou-se comum os alunos das escolas públicas terem aulas apenas dois ou três dias por semana, pois os professores preferem se aposentar devido aos baixos salários.