Economia
"Pérola do Caribe" da Venezuela perde apelo
Colapso econômico da Venezuela, progressivas taxas de criminalidade e crescente isolamento internacional após a fraude eleitoral impactaram profundamente a Ilha Margarita. Declínio é evidente.
![Vendedor de praia passeia pela Praia El Yaque na Ilha Margarita, Venezuela. Antes um paraíso caribenho, Margarita enfrenta declínio acentuado devido a anos de turbulência econômica, inflação galopante, pandemia e colapso dos serviços públicos. [Juan Barreto/AFP]](/gc4/images/2024/12/09/48363-margarita-600_384.webp)
Por AFP |
Uma das cinco estrelas que costumavam adornar a fachada do Hotel Margarita, na paradisíaca ilha venezuelana de mesmo nome, caiu.
Não que haja convidados dignos de nota.
O hotel está abandonado e sua fachada descascada é um símbolo do declínio de uma ilha antes apelidada de "Pérola do Caribe" que perdeu seu brilho devido a uma grave crise econômica.
A uma curta distância de carro, um rebanho de vacas pasta em frente a outra antiga hospedaria cinco estrelas que está vazia, a Lagunamar.
![Homem pesca na Baía Juan Griego, na Ilha Margarita, Venezuela. [Juan Barreto/AFP]](/gc4/images/2024/12/09/48364-margarita2-600_384.webp)
![Vista aérea de um hotel abandonado na Ilha Margarita, Venezuela. [Juan Barreto/AFP]](/gc4/images/2024/12/09/48365-margarita3-600_384.webp)
![Placa de propaganda de kitesurf escrita em russo é vista na Praia El Yaque, na Ilha Margarita, Venezuela. [Juan Barreto/AFP]](/gc4/images/2024/12/09/48366-margarita4-600_384.webp)
Parece que um terremoto passou pelo local, arrancando o telhado de um pavilhão à beira da piscina, jogando lâmpadas e vasos sanitários pelo jardim e deixando montes de escombros.
O estrago, na verdade, é obra de vândalos, que roubam sucata para vender com lucro ou para construir barracos.
Margarita, uma importante fonte de pérolas nos séculos XV e XVI, costumava ser um reduto de turistas americanos, atraídos por suas praias de areia branca com palmeiras e águas azul-turquesa.
Mas o colapso econômico da Venezuela, as elevadas taxas de criminalidade e o crescente isolamento internacional na sequência da eleições disputadas com amargor impactaram a ilha de 500.000 habitantes.
Os sinais de declínio estão por toda parte.
Várias lojas de roupas e souvenirs ao longo da principal rua comercial, Santiago Marino, estão vazias.
E as quedas de energia são frequentes. Uma explosão no mês passado em uma instalação de gás no estado vizinho de Monagas levou a apagões de até 20 horas por vez.
"Esta não é a Margarita do passado", disse à AFP Jose Padobani, um barman de 26 anos.
"Todos os meus amigos foram embora"
Um declínio de 80% no PIB ao longo de uma década de governo cada vez mais repressivo do ditador Nicolás Maduro entre 2013 e 2023 levou mais de 7 milhões de venezuelanos — quase um quarto da população — a procurar uma vida melhor em outros lugares.
Muitos esperavam retornar após as eleições de julho, nas quais as pesquisas mostraram uma vitória fácil para a oposição.
Mas essas esperanças foram destruídas quando Maduro reivindicou a vitória — apesar de os resultados publicados pela oposição mostrarem que seu candidato, Edmundo Gonzalez Urrutia, venceu por uma margem esmagadora.
"Todos os meus amigos foram embora, mas eu não quero ir embora", disse Juan Caiman, um fabricante de móveis de 44 anos, cujo pai colombiano imigrou para a Venezuela na década de 1980 para escapar da violência desencadeada pelo chefão do tráfico Pablo Escobar.
Caiman, que fabrica móveis de luxo em uma oficina perto do hotel abandonado Margarita, faz parte de um grupo de empresários determinados a sobreviver na ilha.
Fadwa Hage, 55, dona de uma loja de artigos esportivos na Santiago Marino, disse que aqueles que ficaram para trás a fizeram para proteger seus negócios de saques.
Mas ela também vê sinais fugazes de recuperação.
"Este ano, só neste quarteirão, três novos negócios já foram abertos", disse ela.
"Temos praias, montanhas e muitas atividades nas quais investir. Esta ilha é única!"
Placas em russo, turco e chinês
Na quase ausência de turistas ocidentais, o governo lançou campanhas para atrair visitantes de Venezuela, Rússia, Cuba e Polônia.
Cerca de 40.000 russos visitaram Margarita desde 2023, de acordo com números oficiais, atraídos por pacotes com tudo incluído, inclusive álcool ilimitado, em hotéis com geradores que mantêm as luzes e o ar-condicionado ligados.
Placas espalhadas pela ilha dão boas-vindas aos visitantes em russo, turco, polonês e chinês, e aulas de kitesurf também são oferecidas nesses idiomas.
Mas muitos moradores da ilha reclamam que não estão se beneficiando dos novos fluxos de receita.
"Dependemos dos turistas venezuelanos porque os turistas russos não gastam nada", disse à AFP Demetria, uma massagista que oferece serviços na praia há 16 anos.
Peter, 44 anos, especialista russo em tecnologia da informação que estava em sua primeira visita à Venezuela neste ano, disse ter ficado surpreso ao encontrar hotéis, lojas e restaurantes abandonados.
"É como se eles tivessem sido construídos para 10 vezes mais turistas", disse ele.
"A arte de superar"
No bairro de baixa renda de Las Maritas, Crismar Lopez usa duas velas e a lanterna do seu celular para iluminar a cozinha onde faz cachorros-quentes para vender na rua, duas unidades por US$ 1,50.
Os recentes cortes de energia deixaram Lopez e seu marido fora do mercado por duas semanas porque eles não conseguiam refrigerar alimentos.
Mas a mãe de três filhos, de 47 anos, está acostumada a se virar sozinha.
"Os venezuelanos são mestres na arte de superar", disse ela.