Sociedade
Melodias sombrias do exílio: venezuelanos canalizam sua frustração através da música
Venezuelanos recorrem à música para expressar raiva e tristeza pelo sequestro de seu país.
![Casal dança na Plaza El Venezolano, em Caracas. O espaço é dedicado à cultura e ao entretenimento. [Mariorín Méndez]](/gc4/images/2024/10/31/48017-ven1-600_384.webp)
Por Maryorin Méndez |
CARACAS -- Uma melodia melancólica ecoa nos celulares nas ruas de Caracas, capital da Venezuela, impregnada de frustração e desilusão deixadas pela fraude eleitoral que garantiu o governo do ditador Nicolás Maduro por mais seis anos.
“Se você criou os homens à sua semelhança, por que alguns silenciam as pessoas com balas? Eles se vendam com puro cinismo e roubam a vida e os sonhos de uma criança”, ecoa uma voz.
A música é interpretada por Joaquina, talento em ascensão na indústria musical, apoiada pela mãe, Camila Canabal.
Ex-apresentadora do canal de televisão RCTV, Canabal enfrentou o encerramento do canal em 2007 pelo então presidente, Hugo Chávez, o que eliminou mais de 3.000 empregos. Ela deixou a Venezuela com a família e agora vive nos Estados Unidos.
![Eleitora segura um cartaz que chama Nicolás Maduro de “assassino da Venezuela” no aeroporto militar de Torrejón de Ardoz, em Madrid, Espanha, em setembro. [Thomas Coex/AFP]](/gc4/images/2024/10/31/48018-ven2-600_384.webp)
![Casal dança na Plaza El Venezolano, em Caracas. O espaço é dedicado à cultura e ao entretenimento. [Mariorín Méndez]](/gc4/images/2024/10/31/48019-ven3-600_384.webp)
A canção é uma de muitas à medida que os venezuelanos recorrem à música como forma de expressar seu sentimento de traição em relação às eleições recentes.
A comissão eleitoral do país apontou Maduro como vencedor de um terceiro mandato consecutivo de seis anos, alegando que ele recebeu 52% dos votos. No entanto, não publicou a contagem detalhada dos votos, conforme exige a lei.
A comissão alega que seu sistema foi hackeado, e seu site permanece fora do ar até hoje.
Enquanto isso, a oposição, liderada por María Corina Machado, relata números diferentes, afirmando que 70% dos votos foram para o seu candidato, Edmundo González Urrutia.
A oposição publicou cópias dos editais de mais de 80% das urnas eletrônicas do país em um site, mas o governo rejeita a autenticidade dessas contagens.
"Todos sabem o que aconteceu aqui", disse um vendedor informal ao Entorno no fim de outubro, se referindo a 28 de julho, quando os venezuelanos compareceram em massa para apoiar González Urrutia. O candidato teve o apoio de Machado, a quem o Supremo Tribunal pró-Maduro proibiu de concorrer.
'Vá embora já, por favor'
A campanha de 2024 despertou esperança, com vários talentos musicais dentro e fora do país expressando um desejo coletivo de mudança.
Danny Ocean, cantor e compositor de Caracas, despontou no gênero urbano.
Mesmo após alcançar o sucesso comercial, ele continua se dedicando a defender temas importantes.
Pouco antes das eleições, lançou o álbum Venequia, uma emocionada homenagem à sua terra natal.
"Ei, quem é você para decidir o que devo dizer? Como eu quero viver?", pergunta ele na música. "Você me diz que são boas intenções. Então, por que você impõe condições? Quem é você para me controlar?"
A capa traz uma bela fotografia do piso multicolorido do Aeroporto Internacional Simón Bolívar, em Caracas, desenhado pelo artista Cruz Diez.
A imagem simboliza as despedidas vividas por inúmeras famílias desmembradas pela migração.
Uma das músicas, intitulada “Por la pequeña Venecia”, é uma súplica clara a Maduro.
O título invoca o termo “Pequena Veneza”, tradução literal de Venezuela, nome que o explorador Américo Vespúcio deu ao então futuro país em 1499.
"Você dividiu em vez de unir. Seu orgulho foi muito maior que o meu. Só lhe peço, vá embora já, por favor", canta Ocean.
Nas redes sociais, Ocean pede aos seus seguidores que ouçam sua música e recorram a quaisquer funcionários públicos que conheçam para ajudar a combater a repressão.
"Eles são os únicos que podem reduzir a morte e a violência", enfatiza ele.
Pouco antes das eleições, o cantor Nacho também divulgou um vídeo instigando os militares a desobedecer ordens que violem as leis e os direitos dos cidadãos.
No passado, ele compôs músicas com teor político, mas moderou as críticas com o objetivo de facilitar seu retorno à Venezuela para visitar a família.
Caracas prendeu mais de 2.000 presos políticos apenas nos últimos cinco meses, o que marca a mais significativa onda de repressão durante os quase 26 anos de “chavismo”, concluiu a ONG Foro Penal.
Canções do exílio
Muitos também cantam a experiência do exílio.
Oito milhões de venezuelanos estão espalhados pelo mundo, principalmente na América Latina.
O rapper Danry emergiu como um dos críticos mais ferrenhos do regime.
"Mais do que tristeza, é raiva na cabeça pelo suposto triunfo do canalha Maduro. O mundo inteiro se rebela", diz a letra.
Franco de Vita, um dos artistas de língua espanhola mais destacados do mundo, não pôde regressar à Venezuela para se apresentar devido à sua oposição aberta ao regime de Maduro.
Em 2024, ele escreveu "Aquí no se pide nada" (Aqui não se pede nada).
A música fala diretamente aos países que acolheram migrantes, lembrando a eles que a Venezuela é uma terra generosa que recebeu milhares de expatriados no passado. Ressalta o espírito resiliente de uma nação em turbulência.
Enquanto isso, o single “Veneka”, de Rawayana, zomba do termo depreciativo usado pelos xenófobos na América Latina para designar os migrantes venezuelanos.
A faixa celebra a beleza das mulheres venezuelanas e destaca a sua força e resiliência.
"Agora estamos em todos os lugares, todo o mundo se apaixonou”, diz a letra da música, que também inclui referências à culinária local, tudo encadeado pelo contagiante ritmo latino.