Sociedade

Novo cais em La Libertad: impulso turístico ofuscado por segredo

Financiada pela China, estrutura em El Salvador prometia progresso, mas moradores locais afirmam que ela trouxe exclusão, sigilo e perda de meios de subsistência.

Mais de seis meses após sua inauguração, o novo píer de Puerto de La Libertad, no sul de El Salvador, emergiu como um símbolo do desenvolvimento local. Mas, por trás da infraestrutura elegante, esconde-se uma história obscura de cooperação internacional e financiamento suspeito, cortesia da China. [Entorno]

Por Gaby Chávez |

SAN SALVADOR — Mais de seis meses após sua inauguração, o novo píer de Puerto de La Libertad, no sul de El Salvador, emergiu como um símbolo do desenvolvimento local. Mas, por trás da infraestrutura elegante, esconde-se uma obscura história de cooperação internacional e financiamento suspeito, cortesia da China.

Todos os dias, centenas de pessoas passam pelo píer para trabalhar ou comprar frutos do mar frescos no mercado local. Poucos sabem a origem dos recursos ou o nome da construtora responsável pela obra. A maioria se refere ao projeto simplesmente como "uma construção dos chineses".

Inaugurado em 20 de novembro passado, o píer é um dos quatro projetos multimilionários financiados pela China em El Salvador. Sua construção tem sido alvo de críticas devido ao histórico da construtora: a China Harbour Engineering Company Limited (CHEC).

Embora o custo do píer tenha sido estimado em cerca de US$ 24 milhões — parte de um pacote de ajuda mais amplo anunciado após a visita do presidente Nayib Bukele a Pequim em 2019 —, os detalhes financeiros permanecem em segredo. O governo salvadorenho não divulgou os termos do financiamento nem os detalhes do contrato.

Placa na entrada do novo píer de La Libertad reconhece a ajuda da China no financiamento do projeto. [Gaby Chávez]
Placa na entrada do novo píer de La Libertad reconhece a ajuda da China no financiamento do projeto. [Gaby Chávez]
Construção do novo píer em La Libertad começou em 2021 e terminou em novembro passado. Após sua inauguração, espaços comerciais de alto padrão foram destinados a grandes redes. [Gaby Chávez]
Construção do novo píer em La Libertad começou em 2021 e terminou em novembro passado. Após sua inauguração, espaços comerciais de alto padrão foram destinados a grandes redes. [Gaby Chávez]

Uma investigação da revista Expediente Público divulgada em agosto de 2023 revelou que todos os documentos relacionados ao projeto foram classificados como confidenciais, citando leis nacionais que regem assuntos diplomáticos. Essa decisão intensificou a preocupação pública com a falta de transparência.

Para aumentar o mistério, a CHEC optou por não colocar placas identificando a empresa ou suas máquinas no local durante a obra, uma medida rara para uma construtora de sua magnitude. A empresa também não fez nenhuma declaração pública após a conclusão do píer.

Transformação para os turistas, retrocesso para os moradores locais

Publicações nas redes sociais destacam o píer como um marco do desenvolvimento costeiro, com calçadas elegantes, lojas de souvenirs e redes de restaurantes famosas. Mas muitos moradores locais, principalmente pequenos comerciantes e pescadores, estão sentindo os custos dessa transformação.

Durante a construção, os pescadores locais enfrentaram restrições de acesso e licenças. Aqueles que procuraram emprego no local foram amplamente rejeitados, já que a maior parte da mão de obra vinha da China. Os poucos salvadorenhos contratados não eram da comunidade vizinha.

Desde a conclusão do píer, muitos vendedores ambulantes e operadores turísticos de longa data foram realocados para áreas menos visíveis. Uma caminhada pela praia revela uma nova sinalização que proíbe vendedores ambulantes e até mesmo artistas locais, empurrando os meios de subsistência tradicionais ainda mais para a periferia.

Organizações sociais como a Acción Ciudadana manifestaram preocupações com a gestão de projetos de cooperação internacional, apontando para a falta de responsabilização e inclusão. Em seu relatório de transparência de 2024 sobre infraestrutura pública, publicado em outubro, a organização afirmou que “as obras financiadas com fundos doados pela República Popular da China refletem uma total ausência de informação”.

“A tendência nas instituições responsáveis ​​pelas grandes obras públicas é a utilização excessiva e muitas vezes injustificada da reserva de informação", diz o relatório, observando que muitas dessas ordens de sigilo se estendem muito além de seus prazos originais.

Construtora global sob críticas

A CHEC é uma subsidiária da China Communications Construction Company, gigante estatal que desenvolve projetos de infraestrutura em todo o mundo e é alvo por alegações de corrupção e mau desempenho.

Desde 2009, a CHEC está na lista negra do Banco Mundial por práticas fraudulentas em licitações. Na América Latina, os governos de Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Honduras e Jamaica relataram problemas em projetos da empresa, citando atrasos, danos ambientais, uso de materiais de baixa qualidade e evidências de práticas corruptas.

Em La Libertad, o píer pode oferecer uma nova fachada elegante para o turismo, mas, para muitos salvadorenhos, tornou-se um lembrete de que o desenvolvimento sem transparência geralmente tem um custo, com o qual as comunidades locais são forçadas a arcar.

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