Educação

Biblioteca Nacional de El Salvador: entre a obscuridade de um financiamento chinês e a influência ocidental

Para inaugurar a biblioteca, que consideram a "maior e mais moderna da região", organizadores tiveram que usar estantes emprestadas de outra instituição

Vista aérea da Biblioteca Nacional de El Salvador (BINAES), projeto financiado e construído pela China no Centro Histórico de San Salvador. [Marvin Recinos/AFP]
Vista aérea da Biblioteca Nacional de El Salvador (BINAES), projeto financiado e construído pela China no Centro Histórico de San Salvador. [Marvin Recinos/AFP]

Por Gaby Chávez |

SAN SALVADOR – Um novo detalhe veio à tona sobre a inauguração, em novembro de 2023, da Biblioteca Nacional de El Salvador (BINAES), considerada a “maior e mais moderna da região”: funcionários recorreram a estantes emprestadas da Universidade de El Salvador para garantir a abertura do local dentro do prazo previsto.

As estantes estavam armazenadas e aguardavam a instalação no campus, revelou o reitor da universidade, Juan Rosa Quintanilla, em meados de fevereiro.

"O Ministro das Obras Públicas (Romeo Rodríguez) nos contou que a BINAES ia ser inaugurada e que o fornecedor desses móveis não conseguiria entregá-los a tempo. Ele pediu que emprestássemos nossos móveis e, claro, assinamos uma carta de entendimento", disse Quintanilla ao canal digital TVX.

Suas declarações intensificaram dúvidas sobre o planejamento e execução do projeto. A China financiou a biblioteca com uma doação de US$ 54 milhões e a empresa chinesa YanJian Group assumiu a construção.

Exposição temática dentro da BINAES apresenta estátuas e obras de arte inspiradas em franquias ocidentais populares como Star Wars e filmes da DC Comics. [Gaby Chávez]
Exposição temática dentro da BINAES apresenta estátuas e obras de arte inspiradas em franquias ocidentais populares como Star Wars e filmes da DC Comics. [Gaby Chávez]
Exibição temática do livro "O Senhor dos Anéis" dentro da BINAES, apresentando a obra de J.R.R. Tolkien ao lado de elementos decorativos inspirados na Terra Média. [Gaby Chávez]
Exibição temática do livro "O Senhor dos Anéis" dentro da BINAES, apresentando a obra de J.R.R. Tolkien ao lado de elementos decorativos inspirados na Terra Média. [Gaby Chávez]

Sigilo e portas fechadas

O governo de El Salvador determinou confidencialidade sobre todas as informações relativas à BINAES, que foi oficialmente aberta ao público pelo presidente Nayib Bukele em 14 de novembro de 2023. A construção do prédio começou em fevereiro de 2022.

As autoridades justificaram o sigilo dizendo que a divulgação dos dados financeiros poderia “colocar em risco a defesa nacional e a segurança pública”, de acordo a Acción Ciudadana (Ação Cidadã), organização que solicitou acesso às informações.

"O pouco que se sabe sobre esta obra é que foi executada através de uma doação da China no valor aproximado de US$ 54 milhões, segundo nota publicada pela Presidência da República no seu site", salientou a Acción Ciudadana em seu relatório de outubro.

Um período de confidencialidade de sete anos foi aplicado a todas as informações sobre a reforma da biblioteca, no âmbito do Projeto de Assistência à Construção da BINAES firmado entre a Agência de Cooperação Econômica Internacional da China e o Ministério da Cultura de El Salvador, informou o Ministério da Cultura à Acción Ciudadana.

O sigilo gerou alarmes e alimentou suspeitas sobre uma possível apropriação indevida de fundos durante a obra.

Cultura ocidental

A BINAES é a primeira biblioteca em El Salvador a oferecer acesso público 24 horas por dia, atraindo diariamente centenas de visitantes.

Sua estrutura imponente no coração de San Salvador cativa moradores e turistas. No entanto, um notável paradoxo emerge dos seus salões: sua construção foi financiada pela China, mas quase todos os livros, documentos e recursos refletem uma forte influência ocidental.

Seções inteiras celebram a cultura americana, apresentando super-heróis da Marvel, histórias de Star Wars e livros da lista de best-sellers do New York Times, como a série de romances Crônicas Lunares, de Marissa Meyer.

Exposições temáticas destacam sagas como Harry Potter e O Senhor dos Anéis, apresentando personagens em tamanho real e outros símbolos.

Já a literatura chinesa permanece quase totalmente ausente entre os 360 mil livros físicos e os 9 milhões de títulos digitais da biblioteca.

O espaço mais popular é dedicado aos visitantes jovens e reforça o forte foco cultural ocidental da biblioteca.

Enquanto as autoridades aprofundam os laços diplomáticos e econômicos com a China, a sociedade salvadorenha e as suas instituições educativas favorecem a literatura ocidental.

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