Crime e Justiça
Dois anos de silêncio: como a guerra de El Salvador contra gangues destruiu famílias
Famílias de mais de 84.000 pessoas detidas na guerra contra gangues de El Salvador enfrentaram dificuldades profundas, com crianças entre as mais afetadas.
![Detento olha de sua cela para a megaprisão do Centro de Confinamento Contraterrorismo (CECOT) em Tecoluca, El Salvador. Lar de centenas de membros das gangues MS-13 e Barrio 18, o CECOT é a maior prisão da América Latina e um símbolo da guerra contra grupos criminosos. [Marvin Recinoa/AFP]](/gc4/images/2025/02/13/49142-el_salvador2-600_384.webp)
Por Gaby Chávez |
SAN SALVADOR — Elena Vasquez passou dois anos e meio sem ver sua filha, Claudia, que continua presa em El Salvador ao lado de outras 84.260 pessoas detidas sob o regime de exceção imposto em março de 2022 para conter a violência de gangues.
"Não tenho notícias da minha filha há dois anos. A última vez que a vi foi em 1º de julho de 2022", disse Vasquez ao Entorno, enxugando as lágrimas.
A angústia e a incerteza de não saber a situação da filha são compartilhadas por milhares de famílias cujos entes queridos agora estão atrás das grades após fazerem parte das gangues Mara Salvatrucha (MS-13) e Barrio 18.
Desde a prisão de sua filha, Vasquez assumiu total responsabilidade por seus três netos, aumentando seu fardo financeiro — especialmente sendo mãe solteira de outros dois filhos.
![Mulher carrega comida e roupas ao Centro Penitenciário de Quezaltepeque, em El Salvador, para um familiar encarcerado. Famílias de detentos têm permissão para levar um pacote mensal com alimentos não perecíveis, roupas brancas novas, kits de higiene e medicamentos essenciais. [Gaby Chávez]](/gc4/images/2025/02/13/49140-el_salvador1-600_384.webp)
![Presos permanecem em uma cela na megaprisão CECOT, onde centenas de membros das gangues MS-13 e Barrio 18 estão detidos, em Tecoluca, El Salvador. [Marvin Recinos/AFP]](/gc4/images/2025/02/13/49143-el_salvador3-600_384.webp)
Na luta para atender às necessidades básicas da família, ela agora se encontra em uma situação cada vez mais vulnerável.
"Não tenho condições de levar um pacote todo mês, o que faço é separar algumas coisinhas da nossa própria comida aos poucos", explicou a mulher de 46 anos, que trabalha como faxineira em Santiago Nonualco, uma pequena cidade no departamento de La Paz.
Tempo e dinheiro
As famílias dos detidos podem enviar um pacote mensal contendo alimentos não perecíveis, roupas brancas novas, kits de higiene e alguns medicamentos.
Mas esse apoio tem um custo alto — cerca de US$ 250 por pacote — enquanto o salário mínimo do país é de apenas US$ 365 por mês.
"Você leva o pacote para a prisão, eles (os guardas) inspecionam na entrada, nos revistam e pegam as coisas -- mas não vejo quando entregam para ela. Não sei se Claudia recebe essas coisas. A gente leva o que pode na fé", disse Vasquez.
Mas o custo não é apenas financeiro: entregar esses pacotes também exige um investimento significativo de tempo e esforço das famílias.
Vasquez precisa encarar uma viagem de ônibus de cinco a seis horas de sua casa até o Centro Penitenciário Apanteos, em Santa Ana. Para fazer a viagem, ela reserva US$ 20, o que cobre seu deslocamento na tarde de sábado. Ao chegar, ela passa a noite na rua ao lado de outras mulheres, na esperança de garantir um lugar na frente da fila na manhã de domingo.
Ela está viva
"Gostaria de saber como ela está, se está bem de saúde ou poder vê-la mesmo que seja rapidamente. Algumas vezes, sonhei com ela voltando para casa", disse ela enquanto cuidava de tarefas em sua casa, visivelmente em estado precário.
Sustentar cinco crianças com apenas US$ 15 por dia se tornou um desafio enorme, e a luta constante já afetou a saúde de Vasquez.
"Eu deveria tomar medicamentos para cuidar dos triglicerídeos e dos nervos, mas não posso comprar", admitiu ela.
Alguns meses atrás, Vasquez soube que uma mulher de sua cidade tinha sido libertada do Centro Penitenciário de Apanteos. Desesperada por notícias, procurou-a para perguntar sobre sua filha.
Embora tenha visto Claudia algumas vezes, a ex-detenta não pôde dar muitas informações, já que as duas ficaram em celas separadas.
"Pelo menos sei que ela está viva", disse Vasquez.
Claudia, a filha mais velha da família, foi presa em casa no dia 28 de junho de 2022 pela Polícia Nacional Civil (PNC).
Prisões em massa
Até 31 de dezembro, o Gabinete de Segurança de El Salvador relatou a detenção de 84.260 suspeitos desde março de 2022 sob o regime de exceção.
Dos presos, cerca de 8.000 já foram soltos, de acordo com fontes oficiais.
Em uma entrevista coletiva no início deste ano, as autoridades também relataram a apreensão de 10.438 veículos ligados a organizações criminosas, 21.616 celulares e 4.458 armas de fogo.
A PNC também destacou que, entre 1º de junho de 2019 e 31 de dezembro de 2024, o país registrou 798 dias sem homicídios.
Penas mais duras
Em 7 de fevereiro, o Congresso de El Salvador aprovou três novas leis aumentando as penas de prisão para vários crimes comuns e delitos relacionados à corrupção.
As penalidades mais duras se aplicam a homicídios qualificados, para os quais as sentenças foram aumentadas de 20-30 anos para 60 anos. Enquanto isso, homicídios simples agora acarretam uma pena de prisão de 25-35 anos, acima dos 15-20 anos anteriores.
Outros crimes, como privação ilegal de liberdade, estupro, agressão sexual, furto e roubo, também enfrentam penas mais severas sob a nova legislação.