Direitos Humanos
Famílias pedem 'prova de vida' de detidos na guerra contra gangues em El Salvador
Parentes de detidos estão cada vez mais angustiados, já que organizações de direitos humanos relatam mais de 300 mortes em prisões salvadorenhas desde 2022.
![Detentos em cela da megaprisão do Centro de Confinamento Antiterrorismo (CECOT), uma instalação controversa que mantém centenas de membros de gangues em Tecoluca, El Salvador. [Marvin Recinos/AFP]](/gc4/images/2024/11/20/48223-salvador3-600_384.webp)
Por AFP |
SOYAPANGO, El Salvador — Dois anos depois que seu filho foi preso em casa em El Salvador durante uma operação antigangue, Reynaldo Santos está desesperado para vê-lo, mesmo que brevemente, para saber se ele ainda está vivo.
Ele é um dos vários pais que exigem "prova de vida" depois que seus filhos foram presos como parte da estratégia do presidente Nayib Bukele de combater as gangues de rua.
Em sua casa em Soyapango, cidade próxima da capital San Salvador que já foi controlada pela temida gangue Mara Salvatrucha, Santos compartilha fotos de Jonathan, 22, e um arquivo sobre seu caso.
"Não tenho certeza se ele está vivo", lamenta o padeiro de 57 anos, apontando para documentos oficiais de março e outubro indicando que seu filho teve "gastrite".
![Manifestantes em San Salvador pedem libertação de parentes detidos durante decreto de estado de emergência do governo salvadorenho para combater grupos criminosos. [AFP]](/gc4/images/2024/11/20/48221-salvador-600_384.webp)
![Jesús Alvarado, mãe de José Alvarado, preso no período do estado de emergência de El Salvador, gesticula desesperada durante entrevista em sua casa em Jiquilisco. [AFP]](/gc4/images/2024/11/20/48222-salvador2-600_384.webp)
Jonathan Santos, um operário de fábrica sem antecedentes criminais, foi preso em dezembro de 2022 quando soldados e policiais cercaram Soyapango como parte da "guerra" contra gangues declarada por Bukele naquele ano.
Quase um terço dos 83.000 salvadorenhos detidos sob estado de emergência — que permite prisões sem ordem judicial — é inocente, estima o grupo de direitos humanos Socorro Jurídico Humanitário.
Oito mil suspeitos inocentes foram presos e depois liberados, reconheceu Bukele em 12 de novembro, acusando ativistas de inventarem um número muito maior.
"Nenhuma polícia do mundo é perfeita", justificou ele.
Em El Salvador, as visitas às prisões são proibidas, os detidos são mantidos incomunicáveis e muitas famílias não sabem onde estão ou quais são suas condições.
Reynaldo Santos leva comidas e roupas para a prisão La Esperanza, em San Salvador, todo mês, sem saber se seu filho as receberá.
'Vivo ou morto'
Familiares de detidos estão cada vez mais angustiados após relatos da Anistia Internacional e de outras organizações de direitos humanos de mais de 300 mortes em prisões salvadorenhas desde 2022.
Na comunidade agrícola de Jiquilisco, cerca de 100 km a sudeste de San Salvador, moradores disseram à AFP que a polícia prendeu 21 jovens em um ano.
Um deles, Emilio Villalta, voltou em um caixão.
Eduardo, um veterano na faixa dos 30 anos, estava entre os presos.
Seu pai, Pablo Rivera, um fazendeiro de 54 anos, fez tudo o que pôde para vê-lo.
"Quero saber se meu filho está vivo ou morto", protestou ele.
Sob o lema "prova de vida", várias ONGs lançaram uma campanha em outubro para exigir visitas aos presos e a divulgação dos atestados médicos dos detentos.
"Milhares de pessoas estão em uma situação desumana e totalmente desesperadora", revelou à AFP Mirna Perla, ativista de direitos humanos e ex-juíza da Suprema Corte.
Em resposta às críticas, o ministro da Justiça e Segurança, Gustavo Villatoro, insistiu que as autoridades agiram "de forma responsável" e "garantiram que não houve abusos".
Ele acusou as ONGs de servirem a "criminosos".
Como muitos detidos, Jonathan Santos foi acusado de pertencer a uma organização "ilegal".
Um policial disse que um videogame que ele tinha em casa era um "jogo de gangster", de acordo com seu pai, que tem uma foto da formatura do filho pendurada na parede.
"Achei que [o estado de emergência] fosse para membros de gangues, não para pessoas inocentes", lamentou ele.
Apelo ao presidente
Em sua casa em Jiquilisco, Jesús Alvarado, de 52 anos, contou que seu filho José, um motorista de trator de 27 anos, ainda estaria atrás das grades, apesar de duas ordens judiciais para sua libertação imediata.
Ela ficou consternada ao saber que o rapaz havia sido levado para uma megaprisão que mantém presos considerados pelas autoridades como os gângsters mais perigosos, revelou a mãe de seis filhos entre soluços.
"Estou pedindo ao presidente que me deixe ver meu filho... ou fazer uma ligação telefônica. Não o vejo há três anos", apelou ela.
Ingrid Escobar, advogada do Socorro Jurídico Humanitário, ressaltou à AFP que as autoridades não cumpriram centenas de ordens de libertação.
Um jovem empresário, Melvin Ortiz, tinha 24 ordens desse tipo a seu favor, mas só foi libertado após um apelo à Organização das Nações Unidas (ONU).
Reynaldo Santos ainda não ousa sonhar com tal desfecho.
Ele quer ver o filho "mesmo que por um minuto" para dizer que está lutando por ele.