Crime e Justiça
Quadrilhas de narcotráfico equatorianas buscam proteção de santa das drogas
Santa Muerte se enraizou no Equador há seis anos. Enquanto muitos buscam proteção, alguns recorrem a sacrifícios humanos para ganhar sua ajuda.
![Soldado equatoriano faz guarda dentro de casa luxuosa durante operação conjunta da polícia militar nacional em Durán, na região de Guayaquil, Equador. [Marcos Pin/AFP]](/gc4/images/2025/02/07/49068-ecuador2-600_384.webp)
Por AFP |
QUITO – Com luvas esportivas e uma fita vermelha para afastar o mal, a polícia equatoriana invade um antro de drogas e inspeciona apreensivamente um altar para a Santa Muerte – santa mexicana da morte adotada como amuleto por gangues locais.
A misteriosa estátua de um esqueleto envolto em uma capa – segurando uma foice na mão direita e um globo terrestre na esquerda – é o mais recente de um número crescente de santuários de Santa Muerte encontrados em esconderijos de criminosos na cidade ocidental de Durán.
Oferendas de dinheiro, tabaco, álcool, estatuetas e apetrechos religiosos foram empilhadas a seus pés por bandidos em busca da proteção da santa.
"Eles rezam para não serem presos e serem invencíveis", disse à AFP o coronel da polícia, Roberto Santamaría.
![Coronel Roberto Santamaría, chefe de polícia de Durán, Equador, mostra em seu telefone foto de um altar da Santa Muerte – adorada por gangues locais como um amuleto protetor. [Marcos Pin/AFP]](/gc4/images/2025/02/07/49067-ecuador1-600_384.webp)
Às vezes, as oferendas são ainda mais sinistras.
Um ex-membro de quadrilha confessou à AFP que alguns comparsas também fazem sacrifícios humanos.
"Eles sacrificavam crianças, que roubaram de outras cidades, na frente dela [Santa Muerte] quando queriam conseguir um grande sucesso", relatou o homem, que pediu para não ter seu nome revelado.
Popularidade crescente
Também conhecida como Senhora Magra ou Irmã Branca, a Santa Muerte é uma santa guardiã de cura e proteção, e milhares de latino-americanos oram a ela por uma passagem segura para a vida após a morte.
O culto à santa, acredita-se, remonta ao México do século 18. Ganhou devotos entre chefões do narcotráfico e mais recentemente foi adotado por traficantes e assassinos equatorianos em Durán – cidade assolada por gangues de traficantes que extorquem e aterrorizam moradores locais.
Além de fazer oferendas nos altares, os membros das gangues tatuam a imagem da santa nos braços e usam amuletos com sua imagem no pescoço.
Segundo Santamaría, a Santa Muerte veio do México há cerca de seis anos, quando membros do grupo criminoso equatoriano Los Choneros foram treinados pelo infame cartel de Sinaloa, que também lhes transferiu suas crenças.
A polícia de Durán estima ter encontrado altares para a santa em seis a cada 10 prisões realizadas em 2024.
Los Choneros é uma das 20 organizações criminosas declaradas como “grupos terroristas” pelo presidente do Equador, Daniel Noboa, que busca a reeleição em 9 de fevereiro enquanto lidera uma guerra contra narcotraficantes responsabilizados pelo aumento de crimes violentos no antes pacífico país sul-americano.
Noboa declarou estado de emergência, enviou tropas para as ruas e realizou prisões violentas, o que resultou em uma leve queda nas taxas de homicídio em 2024 em relação ao ano anterior.
Durán e a cidade vizinha de Guayaquil estão no epicentro da violência no Equador, em parte devido à proximidade com o porto cada vez mais utilizado para enviar cocaína dos vizinhos Peru e Colômbia – os maiores produtores mundiais da droga – para a Europa e os Estados Unidos.
'Eles têm dor de cabeça'
Assim como o México, o Equador é um país majoritariamente católico, e a Igreja condena a prática de retratar a morte como uma personalidade, como no caso da Santa Muerte.
A maioria dos equatorianos, porém, não vê problemas em conciliar as duas crenças e a Santa Muerte está sendo adotada pela sociedade em geral, com imagens vendidas em mercados ou mesmo online.
Diante dessa tendência, observadores passaram a temer que qualquer proprietário de itens de Santa Muerte seja erroneamente rotulado como traficante em meio à repressão do governo.
"As pessoas já são criminalizadas por causa de sua raça, porque são pobres; agora também serão criminalizadas por costumes populares?” Questionou à AFP a pesquisadora equatoriana de estudos sociais, Cristina Burneo.
Em mais um testemunho do alcance da santa, Santamaría revelou que muitos dos policiais têm medo de trabalhar em torno dos altares.
“Policiais me disseram que depois das operações eles têm dores de cabeça, começam a sentir enjôos e tonturas”, relatou ele, embora não acredite nos poderes atribuídos à santa.
A polícia que investiga cenas de crimes ou realiza buscas não destrói as imagens da Santa Muerte encontradas, a menos que haja evidências de que contenham drogas ou munições.
“No Equador, existe liberdade de culto e qualquer pessoa pode ter isso; não é crime”, apontou Santamaría.