Ambiente
Busca por ave rara no Equador revela obstrução à pesquisa por parte da violência do narcotráfico
No Equador, um dos países com maior biodiversidade do mundo, quadrilhas de traficantes impedem estudos científicos com seu rastro de sangue e terror.
![Biólogo Cesar Garzon em entrevista à AFP em Quito, nas instalações do museu do Instituto Nacional da Biodiversidade. [Rodrigo Buendia/AFP]](/gc4/images/2024/09/05/47522-ecuador1-600_384.webp)
Por AFP |
QUITO -- O biólogo Cesar Garzon estava à procura de um pequeno periquito em vias de extinção no sul do Equador quando foi alertado para a possibilidade de ser raptado, o que mostra o perigo que correm os cientistas neste país rico em biodiversidade e mergulhado na narco-violência.
“Faça o seu trabalho em outro lugar, porque aqui é perigoso”, relatou Garzon sobre a ameaça que sofreu em abril na conturbada cidade mineradora de Camilo Ponce Enriquez.
Naquela mesma noite, o prefeito da cidade foi baleado e morto.
Em agosto, um violento confronto entre grupos criminosos provocou a morte de cinco pessoas, duas das quais foram encontradas decapitadas e uma, queimada.
![Soldados do exército equatoriano patrulham os arredores de Fincas Delia, em Duran, próximo de Guayaquil, no dia 19 de junho, em meio à violência generalizada causada por disputas de poder entre organizações criminosas. [Gerardo Menoscal/AFP]](/gc4/images/2024/09/05/47525-army-600_384.webp)
Garzon, um ornitólogo do Instituto Nacional de Biodiversidade (Inabio), tentou continuar sua pesquisa em uma cidade vizinha, cujo prefeito também foi assassinado.
Cansado do perigo constante, fez as malas e regressou a Quito.
O pesquisador estuda o periquito de El Oro há duas décadas, trabalhando para sua conservação e apoiando a gestão sustentável dos seus habitats.
De cor predominantemente verde, com a testa vermelha, esta ave é endêmica do Equador e só foi observada nas províncias de Azuay e El Oro, no sudoeste do país.
A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) a classifica como uma espécie em perigo de extinção, uma vez que se estima que existam apenas 1.000 indivíduos vivos.
Garzon visitou Camilo Ponce Enriquez, na província de Azuay, para localizar e estudar o periquito ameaçado.
Mas a cidade, rica em ouro, está sob o domínio da quadrilha de narcotraficantes Los Lobos, que financia suas atividades com a mineração ilegal.
“Ficamos na incerteza e na frustração (...) há uma falta de informação sobre este local”, declarou ele à AFP.
Além disso, a violência cria “um obstáculo à conservação, porque podem ser áreas importantes (onde) se encontram espécies endêmicas ou ameaçadas e não podemos fazer nada”, lamentou Mario Yánez, outro biólogo do Inabio.
'Janelas de oportunidade'
Localizado entre a Colômbia e o Peru -- os maiores produtores de cocaína do mundo -- o outrora pacífico Equador viu a violência explodir nos últimos anos, à medida que quadrilhas inimigas ligadas aos cartéis mexicanos e colombianos disputam o controle.
Enquanto facções criminosas ganharam terreno, os homicídios no Equador subiram de 6 por 100.000 habitantes em 2018 para um recorde de 47 por 100.000 em 2023.
Mario Yánez disse que seu trabalho atual gira em torno de encontrar “janelas de oportunidade” para continuar a pesquisa apesar da violência.
Os cientistas trabalham em estreita colaboração com as comunidades e autoridades locais e fazem expedições de campo mais curtas ou se concentram em espécies semelhantes localizadas em zonas de menor risco.
“Os níveis de violência levaram a restrições totais em certas áreas do país”, especialmente na costa e onde há mineração, explicou Yánez.
Estes locais carregam o “estigma” da violência, o que “infelizmente limita os fundos da cooperação internacional para que se possa desenvolver ações de conservação”, acrescentou.
A reserva privada de Lalo Loor, no sudoeste de Manabi, é um dos últimos vestígios intactos de um ecossistema único do Equador, conhecido como floresta seca costeira, que abriga muitas espécies endêmicas.
A província é também um reduto do tráfico de drogas.
Devido à crise de segurança, universidades americanas cancelaram a visita anual de pesquisadores e estudantes à reserva, uma importante fonte de renda para Lalo Loor.
Caso esta suspensão perdure, o escritório administrativo da reserva corre o risco de ser fechado, informou a gerente Mariela Loor.
Pesquisa paralisada
Judith Denkinger, bióloga alemã da Universidade de San Francisco de Quito, disse à AFP que suspendeu suas duas décadas de estudos sobre as baleias jubarte na costa da conflituosa província de Esmeraldas, noroeste do país, que faz fronteira com a Colômbia.
Desde 2022, ela tem sido incapaz de recolher registos fotográficos ou sonoros destes mamíferos que vêm para o Pacífico equatorial para acasalar e dar à luz.
A pesquisadora também destacou a situação dos pescadores, com quem trabalha frequentemente no mar.
“Os piratas, que normalmente são traficantes de drogas, os ameaçam, desviam seus barcos, roubam o motor ou até os sequestram” para forçá-los a traficar, disse ela.
Daniel Vizuete, especialista em Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia na Universidade Flacso, em Quito, disse que a pesquisa relacionada ao meio ambiente é “talvez a mais prejudicada precisamente porque ocorre (...) em lugares onde as instituições são mais fracas”.
“Isso significa que até a vida dos cientistas pode estar em risco”, disse Vizuete.
Ele apontou ainda outros possíveis efeitos da violência criminal na ciência, como um “retrocesso em termos de participação de mulheres”.