Crime e Justiça
Ao estilo de Pablo Escobar, traficantes de drogas do Equador criam "narcozoológicos"
Polícia apreendeu mais de 6.800 animais silvestres em 2022 e quase 6.000 em 2021 no Equador. O fenômeno é relativamente novo e coincide com o aumento de uma indústria de drogas ilegais.
![As veterinárias Carolina Saenz e Estefania Rubio cuidam de um macaco-barrigudo (Lagothrix poeppigii), espécie ameaçada de extinção, no Hospital Tueri Wildlife, em Quito, após o animal ser apreendido pelo Ministério do Meio Ambiente e levado ao centro de saúde para avaliação. [Galo Paguay / AFP]](/gc4/images/2023/10/23/44638-ecuador2-600_384.webp)
AFP |
QUITO -- Duas onças descobertas em uma jaula em uma fazenda expõem uma nova e cruel moda entre os traficantes de drogas do Equador. Ao estilo do barão da cocaína colombiano Pablo Escobar, eles estão criando zoológicos privados ilegais como um símbolo de status.
Em maio, a polícia se deparou com a visão lamentável dos dois felinos ameaçados de extinção empoleirados em um tronco e cercados por grades.
Os animais estavam em uma propriedade particular de Wilder Sanchez Farfan -- o "Gato" --, um suposto barão de drogas com laços com o cartel Nova Geração de Jalisco, do México, e procurado pelos Estados Unidos.
Ele foi preso na Colômbia em fevereiro.
![Uma coruja-das-torres (Tyto alba), encontrada há quatro anos em um canteiro de obras, é vista no centro de resgate El Jardin de Alado, no setor de Ilalo, em Quito, em 29 de setembro. [Galo Paguay / AFP]](/gc4/images/2023/10/23/44637-ecuador1-600_384.webp)
![Um jabuti-tinga, também conhecido como a tartaruga gigante brasileira, é visto no centro de resgate El Jardin de Alado, no setor de Ilalo, em Quito. [Galo Paguay / AFP]](/gc4/images/2023/10/23/44639-ecuador3-600_384.webp)
Além das onças, a polícia encontrou papagaios, periquitos e outros pássaros exóticos que Farfan supostamente teria importado da China e da Coreia do Sul.
O fenômeno é relativamente novo e coincide com o aumento de uma indústria de drogas ilegais no Equador nos últimos anos, disse Darwin Robles, chefe da Unidade de Proteção Ambiental (UPMA) da polícia.
"Onde há tráfico de drogas, tenha certeza que haverá... tráfico de vida selvagem", disse ele à AFP.
O objetivo? "Demonstrar seu poder, seu poder de compra, sua capacidade econômica", disse Robles.
A polícia apreendeu mais de 6.800 animais silvestres em 2022 e cerca de 6.000 em 2021 no Equador, um dos países de maior biodiversidade do mundo.
O país sul-americano, cercado pelos grandes produtores de cocaína Colômbia e Peru, recentemente deixou de ser uma mera parada de trânsito e passou a ser um polo do tráfico de drogas, com uma explosão correlacionada de crimes violentos.
"Símbolo de status"
As onças e os pássaros encontrados na propriedade de Farfan foram levados para centros veterinários para receberem atendimento veterinário e outros cuidados.
Mas, na maioria dos casos, um retorno ao seu habitat natural é impossível.
A polícia também encontrou tartarugas, cobras, peles e cabeças de animais em propriedades de outros chefões do tráfico.
"Ter um animal é um símbolo de status... demonstra a posição do indivíduo dentro de uma rede" de crime organizado, disse um representante da Sociedade de Conservação da Vida Selvagem (WCS), com sede nos EUA, à AFP.
Ele pediu para não ser identificado por temer represálias dos grupos do narcotráfico.
Ter um gato pintado, por exemplo, é um começo, mas uma onça dá muito mais prestígio -- assim como grandes propriedades, carros de luxo, obras de arte e joias, explicou o representante.
No Equador, o tráfico de animais selvagens é punível com até três anos de prisão -- bem menos que em muitos dos países vizinhos.
Depois que Escobar foi morto a tiros pela polícia em 1993, sua coleção particular de flamingos, girafas, zebras e cangurus foi transferida para zoológicos.
Mas uma manada de hipopótamos foi deixada à própria sorte, reproduzindo-se sem controle e tornando-se agora uma grande dor de cabeça para as autoridades ambientais.
Hoje, mais de 100 das feras africanas de duas toneladas circulam livremente por parte do noroeste da Colômbia, atacando pessoas e deslocando a fauna local.
Há o temor de que os narcotraficantes do Equador deixem uma pegada ambiental igualmente negativa.
Macacos, papagaios, porcos-espinho
No hospital de vida selvagem Tueri, em Quito, gatos selvagens, macacos, porcos-espinho, papagaios e corujas vítimas do tráfico recebem cuidados. Muitos chegam subnutridos ou feridos.
Apenas um a cada cinco se recupera o suficiente para retornar ao seu habitat natural, segundo a equipe clínica.
Muitos não sobrevivem à gravidade dos ferimentos. Outros viverão seus últimos dias em abrigos, pois já não sabem como viver na natureza.
Os traficantes não entendem os danos que estão causando, disse o representante da WCS.
"Ter um macaco em casa significa que você pediu que um caçador matasse a família dele", explicou o representante.
Um dos abrigos que recebem animais incapacitados de regressar à natureza é o Jardin Alado Ilalo, em Quito.
"Temos animais que chegam com as asas e garras amputadas. E um dano fundamental, que é o psicológico", disse Cecilia Guana, responsável por cuidar de papagaios e outros pássaros no centro.
"Esses pássaros não mais se identificam como animais em seu ambiente natural... e têm de ficar em locais como estes."