Ambiente

Caça furtiva por cidadãos chineses na Bolívia ameaça onças-pintadas sul-americanas

Restos de uma onça-pintada desmembrada foram descobertos em acampamento pertencente a uma empresa estatal da China. O comércio ilegal de partes do corpo de jaguares sul-americanos pode estar ligado a redes criminosas chinesas.

Onça-pintada de dois meses nascida em cativeiro é fotografada no Zoológico Nacional de Manágua, Nicarágua. [Oswaldo Rivas/AFP]
Onça-pintada de dois meses nascida em cativeiro é fotografada no Zoológico Nacional de Manágua, Nicarágua. [Oswaldo Rivas/AFP]

Por Aurora Lane |

LA PAZ – Quando uma majestosa onça-pintada emergiu de um rio perto da cidade de Trópico de Cochabamba no ano passado e foi atropelada por um automóvel, a tristeza tomou conta dos locais.

Mas o que os deixou mais chocados foi ver os passageiros do carro saírem, pegarem o corpo sem vida do felino e o levarem com eles.

Dias depois do incidente, as autoridades locais descobriram o cadáver desmembrado da onça dentro de um acampamento da Sinohydro, empresa estatal chinesa responsável pela construção da rodovia dupla El Sillar, que liga as cidades bolivianas de Cochabamba e Santa Cruz.

De acordo com um relatório oficial, os agentes encontraram em um contêiner dentro das instalações da empresa a pele “estendida sobre tábuas de madeira e coberta de sal”. Ao mesmo tempo, “três membros em decomposição, cobertos de terra”.

Agentes da Polícia Florestal e de Proteção do Meio Ambiente (Pofoma) e guardas florestais confiscam parte de um jaguar desmembrado descoberto em um acampamento da empresa estatal chinesa Sinohydro, que está envolvida na construção da rodovia dupla El Sillar, na Bolívia. [Pofoma Social Networks].
Agentes da Polícia Florestal e de Proteção do Meio Ambiente (Pofoma) e guardas florestais confiscam parte de um jaguar desmembrado descoberto em um acampamento da empresa estatal chinesa Sinohydro, que está envolvida na construção da rodovia dupla El Sillar, na Bolívia. [Pofoma Social Networks].
Partes de uma onça desmembrada foram descobertas no acampamento da Sinohydro, empresa envolvida na construção da via dupla de El Sillar, na Bolívia, em maio de 2024. [Pofoma Social Networks].
Partes de uma onça desmembrada foram descobertas no acampamento da Sinohydro, empresa envolvida na construção da via dupla de El Sillar, na Bolívia, em maio de 2024. [Pofoma Social Networks].

O incidente ocorreu em maio e, embora as autoridades tenham detido brevemente dois funcionários da companhia na época, a investigação sobre o crime continua paralisada.

A onça-pintada, classificada como “Quase Ameaçada” na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), está protegida pela legislação boliviana, que obriga que ocorrências como esta sejam comunicadas às autoridades.

Os funcionários da empresa de construção chinesa Sinohydro, em vez de cumprirem a lei, desmembraram e arrancaram a pele do animal, como mostram fotografias compartilhadas nas redes sociais na ocasião e confirmadas por declarações das autoridades ambientais locais.

Marcos Uzquiano, defensor do meio ambiente e ex-guarda do Serviço Nacional de Áreas Protegidas (Sernap), foi a principal voz a chamar a atenção para a morte e o esquartejamento da onça-pintada.

Sua decisão de se manifestar contra a influente empresa de construção chinesa teve um custo alto. Em 31 de dezembro, Uzquiano foi demitido do seu cargo e teve um processo administrativo sancionatório instaurado contra ele.

“Eles colocam como motivo o fato de eu ter denunciado através das minhas redes sociais a morte de uma onça-pintada, supostamente atropelada e depois desmembrada, nas instalações de uma empresa chinesa, a Sinohydro, em Cochabamba”, disse Uzquiano ao Entorno.

Mistura entre legal e ilegal

As partes de onças-pintadas são muito valorizadas no mercado chinês, onde são utilizadas em pratos culinários e na produção de medicina tradicional.

Cidadãos chineses já foram acusados de tráfico de partes de onças, estando alguns ligados a redes criminosas envolvidas no comércio ilegal de animais selvagens e outras atividades ilícitas. Outros operam negócios legalmente estabelecidos na Bolívia, utilizando sua reputação comercial para facilitar e ocultar suas práticas ilegais.

Andrea Crosta, fundador e diretor executivo da Earth League International (ELI), afirmou ao Entorno que muitos dos chineses envolvidos no tráfico de onças-pintadas não estão na Bolívia ilegalmente. Na verdade, são imigrantes de segunda geração com residência legal, fluência em espanhol e conexões importantes.

“Eles podem gerir negócios legítimos como supermercados, empresas de importação e exportação, hotéis, restaurantes ou casas de câmbio”, explicou Crosta, cuja organização se dedica a combater crimes contra o meio ambiente e a vida selvagem.

“Mas, por debaixo dos panos, estão envolvidos no tráfico de animais silvestres, em lavagem de dinheiro e outras operações ilícitas”, acrescentou ele.

Através de empresas de comércio internacional, o contrabando de partes de onças se tornou significativamente mais fácil.

“É extremamente difícil identificar estas remessas, especialmente porque há corrupção e suborno que levam os funcionários aduaneiros a fazerem vista grossa”, disse Crosta.

Através da América do Sul

A senadora Cecilia Requena, ambientalista, declarou à Radio Panamericana que o tráfico de animais selvagens na Bolívia tem sido alimentado “por indivíduos chineses que entraram no país principalmente através de contratos preferenciais estabelecidos pelo governo com empresas chinesas para a construção de estradas, pontes, barragens e outros projetos de infraestrutura”.

“Estes acordos trouxeram problemas laborais e ambientais associados, além de serem obras de qualidade duvidosa”, destacou.

Falando no Dia Mundial da Conservação da Onça-Pintada, celebrado em 29 de novembro, Requena salientou a responsabilidade da China em apoiar a Bolívia no combate a este comércio ilegal.

“Temos de defender as onças-pintadas porque elas não têm voz. É fundamental que as pessoas se tornem a sua voz”, apelou ela.

A caça furtiva e o desmembramento de onças-pintadas para a obtenção de partes destinadas ao mercado chinês não se limitam à Bolívia.

Autoridades descobriram redes criminosas que operam em vários países, incluindo Argentina, Brasil, Colômbia, Guiana, México, Panamá, Paraguai, Peru e Suriname.

Gostou desta matéria?


Captcha *