Economia

Dezenas de relatórios de infração revelam violações trabalhistas sem precedentes em montadora brasileira

Empresa chinesa BYD está no centro de investigações sobre condições análogas à escravidão – comida espalhada pelo chão, trabalhadores dormindo sem colchões e apenas um banheiro disponível para todos.

Autoridades do estado brasileiro da Bahia e executivos da montadora chinesa BYD participam da cerimônia de inauguração da nova unidade da empresa em Camaçari, situada na região metropolitana de Salvador, em outubro de 2023. [Ministério do Trabalho do Brasil]
Autoridades do estado brasileiro da Bahia e executivos da montadora chinesa BYD participam da cerimônia de inauguração da nova unidade da empresa em Camaçari, situada na região metropolitana de Salvador, em outubro de 2023. [Ministério do Trabalho do Brasil]

Por Andreia Lobato |

RIO DE JANEIRO – O Ministério do Trabalho brasileiro deverá formalizar nos próximos dias pelo menos 40 autos de infração contra as empresas chinesas BYD, JinJiang, AE Corp e Open por submeterem pelo menos 163 funcionários a condições análogas à escravidão.

Os trabalhadores estavam construindo uma montadora de automóveis em Camaçari, na Bahia, para a BYD. Se concluída, será a maior unidade da BYD fora da China.

Uma reportagem da Central Brasileira de Notícias (CBN), da Rede Globo, publicada no dia 20 de fevereiro revelou que essas 40 infrações – que documentam graves violações trabalhistas – excedem em muito a média encontrada em casos semelhantes.

Cada violação pode resultar em multa que varia de US$ 140 a US$ 6.900.

Funcionários trabalham em uma linha de montagem de veículos de nova energia (NEV, na sigla em inglês) em uma unidade da BYD em Huai'an, China. [AFP]
Funcionários trabalham em uma linha de montagem de veículos de nova energia (NEV, na sigla em inglês) em uma unidade da BYD em Huai'an, China. [AFP]

No fim de dezembro, o Ministério do Trabalho e a Polícia Federal resgataram 163 trabalhadores encontrados em condições “análogas à escravidão”.

Segundo autoridades, os trabalhadores estavam alojados em condições extremamente precárias – dormindo sem colchões, com comida espalhada pelo chão e apenas um banheiro disponível para todos.

A fiscalização levou à paralisação parcial das obras no local.

Situação contínua?

A CBN analisou os documentos da fiscalização, que detalhavam uma série de violações graves, como a ausência de sinalização de segurança, um número inadequado de bebedouros, irregularidades nos registros dos trabalhadores, jornadas de trabalho excessivas, restrições à circulação dos trabalhadores e apreensão de passaportes e outros documentos.

Os 163 trabalhadores, todos de nacionalidade chinesa, vieram ao Brasil especificamente para a obra, sem as autorizações necessárias para trabalharem no país. Como resultado, os fiscais classificaram o caso como tráfico de pessoas.

Na sequência da investigação do Ministério do Trabalho, que se tornou pública, a montadora chinesa BYD rescindiu seu contrato com a construtora JinJiang e os 163 trabalhadores envolvidos foram enviados de volta para a China.

Mas os fiscais destacam em seus relatórios que havia originalmente 349 trabalhadores no local e a JinJiang não esclareceu a situação dos 186 restantes.

Os investigadores não descartaram a possibilidade de ainda estar ocorrendo trabalho escravo nesses locais, de acordo com documentos analisados ​​pela CBN.

A situação motivou seis inspeções adicionais nos canteiros de obras da montadora e nos alojamentos dos trabalhadores.

Falta de cooperação

Dois setores de obras permanecem interditados, já que as irregularidades encontradas não foram resolvidas.

Servidores públicos envolvidos na investigação disseram à CBN que ficaram “surpresos com a falta de colaboração” das quatro empresas chinesas investigadas pelo ministério.

Um exemplo citado foi o envio reiterado de documentos em mandarim, sem as exigidas traduções oficiais para o português.

De acordo com os servidores, houve “tentativas de embaraço aos trabalhos por parte dos auditores-fiscais”.

O Ministério do Trabalho também pressiona para que as quatro empresas chinesas ligadas ao caso – as envolvidas na construção da montadora e a BYD – sejam tratadas como uma entidade única na investigação, e não como casos separados.

“Caso fique caracterizado que a gestão das empresas é compartilhada, a BYD passaria a ser responsável direta por tudo”, informou a CBN.

Mão de obra importada

O acordo para a construção de uma unidade da BYD em Camaçari foi anunciado em julho de 2023 como um marco importante nos esforços de reindustrialização do Brasil e no crescente relacionamento com a China.

O Brasil trabalha para revitalizar seu setor industrial após um longo declínio.

As autoridades brasileiras esperavam que o projeto gerasse cerca de 20.000 empregos.

Mas antes da descoberta de casos de trabalho escravo pelo Ministério Público no local de construção, representantes sindicais levantaram preocupações com irregularidades. Eles questionaram também a decisão de “importar” trabalhadores chineses em vez de contratar mão de obra local.

A empresa diretamente responsável pela obra e pelas contratações irregulares é a JinJiang, construtora privada chinesa com sede em Shenzhen, onde também está sediada a BYD.

Fundada em 2002, a JinJiang enfrenta diversos processos por violações trabalhistas na China.

Entre 2018 e 2022, a empresa foi condenada em cinco disputas judiciais por acidentes e lesões no trabalho, além de ter sido multada três vezes por violações de segurança, segundo reportagens da mídia local no Brasil.

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