Economia

Veículos elétricos chineses no Brasil trazem riscos em meio à baixa demanda

Em termos de segurança, o potencial de manipulação remota de software incorporado em veículos elétricos representa ameaças significativas relacionadas à segurança cibernética e à espionagem.

Carros elétricos BYD empilhados no terminal internacional de contêineres do Porto de Taicang em Suzhou, na China, aguardam para serem carregados em um navio. [AFP]
Carros elétricos BYD empilhados no terminal internacional de contêineres do Porto de Taicang em Suzhou, na China, aguardam para serem carregados em um navio. [AFP]

Por Waldaniel Amadis |

SÃO PAULO – Veículos elétricos (VEs) fabricados na China estão congestionando portos e trazendo riscos à segurança, enquanto algumas montadoras estatais chinesas enfrentam dificuldades.

Uma dessas empresas, a JAC Motors, viu sua sorte mudar ao migrar para veículos elétricos no Brasil.

Em 2011, a empresa abriu simultaneamente 50 concessionárias nas principais cidades do Brasil e prometeu estabelecer uma fábrica brasileira, com o objetivo de quebrar o estigma e o preconceito associados a marcas chinesas anteriores, como Lifan, Effa, Chana e Towner.

Essas últimas marcas entraram no mercado latino-americano com veículos de baixo custo, mas deixaram a desejar em qualidade, serviços pós-venda e peças de reposição, o que prejudicou sua reputação.

Fábrica de veículos elétricos da GWM Brasil em Iracemápolis, em São Paulo, com produção prevista para começar no primeiro semestre de 2025. [GWM Brasil]
Fábrica de veículos elétricos da GWM Brasil em Iracemápolis, em São Paulo, com produção prevista para começar no primeiro semestre de 2025. [GWM Brasil]

A JAC Motors alcançou 23.723 emplacamentos em seu primeiro ano, com o modelo J3 liderando suas vendas, disse ao Entorno o especialista automotivo Vinicius Hozara, fundador do popular canal brasileiro do YouTube Meu Carro LifeStyle, citando dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).

Apesar de uma estreia ambiciosa, a JAC Motors viu os emplacamentos caírem para 18.042 (-23,9%) após apenas um ano.

Esse declínio piorou nos anos seguintes devido à falta de peças de reposição e à promessa não cumprida de estabelecer uma fábrica brasileira, disse Hozara.

Em 2022, a marca mudou seu foco no Brasil exclusivamente para veículos elétricos, aumentando os emplacamentos de 930 em 2021 para 1.237 em 2022.

Em 2023, a JAC Motors continuou a se concentrar em veículos elétricos, incluindo modelos utilitários e caminhões pequenos, mas as vendas continuaram caindo, fechando o ano com apenas 811 emplacamentos e cinco concessionárias — apenas 10% da rede que a JAC Motors tinha quando entrou no mercado brasileiro.

A chegada dos concorrentes chineses de carros elétricos BYD e GWM em 2023 impactou ainda mais as vendas da JAC Motors, de acordo com Hozara. Ele observa que a "relação custo-benefício" da marca é baixa e critica seu modelo elétrico popular, o e-JS1, pela baixa segurança.

A JAC Motors teve uma recuperação modesta neste ano, com 1.471 emplacamentos até agora, mostram dados da Fenabrave até outubro.

VEs chineses no Brasil

Os veículos elétricos chineses no Brasil apresentam uma mistura complexa de oportunidades econômicas e riscos estratégicos no relacionamento de Pequim com a América Latina, de acordo com uma análise de 19 de setembro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), sediado em Washington.

Este crescimento é visto como um elemento crucial da estratégia geopolítica da China, particularmente no contexto de laços fortalecidos com o Brasil após a abertura de seu mercado para empresas chinesas.

No curto prazo, o excesso de estoque de veículos elétricos nos portos brasileiros gerou congestionamentos e aumentou os custos de transporte para outras indústrias.

Os carros elétricos chineses, que vêm se acumulando nos portos brasileiros há meses — situação semelhante à de alguns portos europeus —, estão enfrentando atrasos devido à queda nas vendas e ao esforço da China para manter a produção industrial apesar da demanda doméstica mais fraca.

No entanto, a demanda nos mercados internacionais também desacelerou.

O Brasil elevou os impostos sobre carros elétricos de 10% para 18% no primeiro semestre deste ano, com planos de aumentá-los para 35% até 2026, disse a Infobae em um relatório de 14 de outubro.

Para evitar esse aumento, a China acelerou os embarques antes de julho, o que resultou em um excesso de veículos nos principais portos brasileiros, incluindo Santos, o principal ponto de entrada de carros elétricos, especialmente os da BYD.

"[Essa estratégia] encarece o transporte de todas as outras mercadorias, pois o espaço disponível nos navios é limitado e, quando há espaço, o preço é mais alto", explicou o observador de logística Lúcio Lage Rodrigues em entrevista ao Tribuna em outubro.

Além disso, a infraestrutura limitada de carregamento do Brasil, combinada com o alto custo e a rápida depreciação dos veículos elétricos chineses, está reduzindo a demanda no mercado local.

Riscos de segurança

Além dos desafios logísticos e econômicos, crescem as preocupações com os riscos de longo prazo da dependência do Brasil de veículos de alta tecnologia.

Em termos de segurança, o potencial de manipulação remota de software incorporado em veículos elétricos representa uma ameaça significativa de cibersegurança e espionagem, uma preocupação levantada pelo Departamento de Comércio dos EUA.

As tecnologias de conectividade desses veículos — como o Sistema de Posicionamento Global, microfones, câmeras e outros sensores — podem ser exploradas para coletar dados confidenciais, gerando preocupações tanto nos Estados Unidos quanto em certos setores no Brasil.

"Não é preciso muita imaginação para entender como um adversário estrangeiro com acesso a essas informações pode representar um risco sério", disse a secretária de Comércio dos EUA, Gina Raimondo, em uma declaração em 23 de setembro.

Além disso, as empresas estatais chinesas controlam grande parte da infraestrutura de transmissão elétrica do Brasil, o que terá um impacto significativo na rede de carregamento de veículos elétricos do país.

O aumento da demanda por estações de carregamento só aumentará a dependência do Brasil em relação às empresas chinesas, permitindo que elas dominem um mercado verticalmente integrado, de acordo com o CSIS.

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