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Propaganda chinesa se espalha pela América Latina, mas encontra resistência

Partido Comunista Chinês usa uma variedade de ferramentas para projetar sua influência no exterior, desde a diplomacia pública tradicional até métodos secretos, coercivos e corruptos.

Mulher acena atrás da bandeira da China. [Isaac Lawrence/AFP]
Mulher acena atrás da bandeira da China. [Isaac Lawrence/AFP]

Por Juan Manuel Escorcia e AFP |

BOGOTÁ – Argentina, México, Panamá e Peru são os países mais vulneráveis à propaganda promovida na América Latina através de um aparelho estatal chinês que dedica milhões para aumentar secretamente a influência de Pequim e criticar o Ocidente.

A Meta, controladora do Facebook, removeu no fim de agosto milhares de contas de redes sociais que faziam parte de uma ampla operação chinesa de spam online.

A campanha, que ficou conhecida como “Spamouflage”, estava ativa em mais de 50 plataformas e fóruns, incluindo Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e X, anteriormente conhecido como Twitter, de acordo com um relatório de ameaças da Meta.

“Avaliamos que é a maior, embora malsucedida, e mais prolífica operação de influência secreta que conhecemos no mundo hoje”, disse o chefe de Inteligência de Ameaças Globais da Meta, Ben Nimmo.

Jornalista lê o feed do Twitter em um escritório em Hong Kong. A China intensificou uma campanha de propaganda online através de plataformas de redes sociais como Instagram, Facebook, YouTube e X, anteriormente conhecido como Twitter. [Daniel Sorabji/AFP]
Jornalista lê o feed do Twitter em um escritório em Hong Kong. A China intensificou uma campanha de propaganda online através de plataformas de redes sociais como Instagram, Facebook, YouTube e X, anteriormente conhecido como Twitter. [Daniel Sorabji/AFP]
Artistas apresentam a dança do dragão ao celebrar o Ano-Novo Chinês antes de uma partida de futebol do Torneio da Primeira Divisão Argentina entre River Plate e Banfield, em Buenos Aires, em 2020. [Alejandro Pagni/AFP]
Artistas apresentam a dança do dragão ao celebrar o Ano-Novo Chinês antes de uma partida de futebol do Torneio da Primeira Divisão Argentina entre River Plate e Banfield, em Buenos Aires, em 2020. [Alejandro Pagni/AFP]

“E conseguimos vincular o Spamouflage a indivíduos associados às autoridades chinesas.”

Mais de 7.700 contas do Facebook, além de 15 contas do Instagram, foram derrubadas no que a Meta descreveu como a maior ação de remoção de todos os tempos nas plataformas da gigante da tecnologia.

Grupos de contas falsas eram administrados de várias partes da China, e o ritmo de atividade sugere fortemente que trabalhavam em um escritório com jornadas de trabalho diárias, de acordo com a Meta.

Propaganda e desinformação

Uma reportagem publicada na revista Time em 11 de julho revelou que supostas agências de notícias falsas no Chile, na Costa Rica e no Paraguai publicaram pelo menos três matérias idênticas pró-China em suas contas do Twitter em maio, com uma pequena diferença de horário entre as publicações.

Posteriormente, descobriu-se que essas contas faziam parte de uma pequena rede pró-Pequim voltada a públicos de países latino-americanos. A rede usava contas do Twitter para espalhar propaganda e desinformação pró-China.

A revelação de que as contas faziam parte de uma rede pró-Pequim demonstra que a China está utilizando as redes sociais como uma alternativa aos seus métodos tradicionais de persuasão usados há vários anos, como o cultivo de relações com jornalistas e executivos dos veículos de comunicação.

A reportagem da revista Time, respaldada por uma investigação da Nisos, empresa de segurança cibernética com sede na Virgínia, sugere que a propaganda pró-China nas redes sociais na América Latina faz parte de “uma operação de influência chinesa em expansão na região, destinada a reforçar o status do país como um importante aliado regional e parceiro comercial".

Segundo a Nisos, as contas do Twitter pareciam ser geridas por um único operador que promovia conteúdos jornalísticos estratégicos em espanhol. A Nisos também afirma que as contas foram financiadas por Pequim para criarem narrativas positivas sobre a China e ajudarem nos seus esforços políticos e diplomáticos.

As contas, criadas para contornar a antiga política de rotulagem da mídia estatal do Twitter, estão “ligadas ao Serviço de Notícias da China, a segunda maior agência de notícias estatal do país, que opera vários escritórios internacionais”, segundo a Time.

“As contas parecem estar envolvidas em comportamento inautêntico coordenado, postando conteúdos idênticos ou semelhantes em intervalos regulares”, apontou o o relatório. “Apesar do baixo número de seguidores, as contas são seguidas e ocasionalmente retuitadas pelos principais diplomatas e embaixadas chineses, bem como por contas latino-americanas que simpatizam com os interesses de Pequim na região.”

A campanha de influência massiva de Xi

Os relatórios da Meta e da Nisos são condizentes com as conclusões de um estudo publicado pela Freedom House em setembro de 2022.

“O governo chinês, sob a liderança do presidente Xi Jinping, está acelerando uma campanha massiva para influenciar os veículos de comunicação e os consumidores de notícias em todo o mundo”, afirma o relatório.

A Freedom House examinou a influência de Pequim em 30 países cuja imprensa é classificada como “livre” ou “parcialmente livre” entre 2019 e 2021. A organização alertou que, embora o governo chinês utilize “ferramentas da diplomacia pública tradicional, muitas outras são secretas, coercitivas e potencialmente corruptas”.

“Um número crescente de países demonstrou resistência considerável nos últimos anos, mas as táticas de Pequim estão simultaneamente tornando-se mais sofisticadas, mais agressivas e mais difíceis de detectar”, afirma o relatório.

A Freedom House revelou que Argentina, México, Panamá e Peru são os países mais vulneráveis à propaganda chinesa, enquanto Brasil, Chile e Colômbia são os mais resistentes.

Nos sete países latino-americanos avaliados no relatório, a ofensiva incluiu a difusão da propaganda chinesa através de acordos entre os meios de comunicação estatais chineses e os veículos de comunicação locais, geralmente estatais.

Segundo o relatório, os “esforços de influência midiática” da China na Argentina e no Peru são “elevados”, enquanto no México e no Panamá são “significativos”.

Ao mesmo tempo, a “resiliência e a resposta local” – como é chamada a capacidade dos cidadãos de resistir à propaganda – nesses países são classificadas como “significativas”, com excepção do Panamá, onde a resposta ao influxo de propaganda chinesa é "baixa".

Moldando a opinião pública

Os esforços de influência da China no Panamá têm sido "constantes", especialmente após a mudança realizada pelo país nas relações diplomáticas em 2017, de Taiwan para a China, disse Ellie Young, analista de pesquisa para China, Hong Kong e Taiwan na Freedom House, em artigo publicado no site centro-americano Expediente Público no dia 22 de setembro.

“O conteúdo produzido pelo Estado chinês foi amplamente divulgado na imprensa local, e os diplomatas chineses têm sido muito ativos nas redes sociais”, acrescentou Young sobre a situação no Panamá.

Uma conclusão importante do relatório é que, embora a influência midiática da China seja “elevada” no Chile e “significativa” no Brasil, ambos os países têm um nível “elevado” de resiliência e resposta local. O influxo de propaganda chinesa na Colômbia é “baixo”, enquanto a resposta dos cidadãos é “significativa”.

O governo chinês e os seus representantes demonstraram que "não têm escrúpulos em exercer pressão econômica para neutralizar e suprimir a cobertura desfavorável" e "reduzir implícita ou explicitamente o debate e as reportagens críticas -- não apenas sobre os problemas internos ou geopolíticos da China, mas também sobre suas relações bilaterais com outros países", disse a Freedom House.

Segundo o Expediente Público, os veículos de comunicação estatais chineses, como a China Global Television Network (CGTN), a China Radio International (CRI), a revista China Hoy, o jornal China Daily e a agência de notícias Xinhua, renovaram acordos de cooperação com veículos de comunicação públicos na Argentina, no Brasil, no Chile, no México, no Panamá e no Peru.

Esses acordos permitem que os veículos de comunicação estatais chineses divulguem seus conteúdos em plataformas locais, garantindo um alcance mais amplo e tornando mais difícil ao público distinguir entre a propaganda chinesa e as notícias independentes.

“Até mesmo a mídia privada reproduz esse conteúdo”, afirmou o relatório.

Favorecendo a Rússia

A Meta disse em seu relatório que algumas táticas usadas na China eram semelhantes às de uma rede russa de fraude online exposta em 2019. Isso sugere que as operações estariam aprendendo umas com as outras, de acordo com Nimmo.

O cerne da operação era imitar sites dos principais veículos de comunicação globais e publicar histórias falsas sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia e, depois, tentar espalhá-las online, disse o chefe de política de segurança da Meta, Nathaniel Gleicher.

Sputnik e RT têm estratégias semelhantes na América Latina. Eles têm poucos seguidores nas redes sociais, mas seus posts são frequentemente retuitados por aliados e autoridades próximas da Rússia.

Entorno obteve testemunhos de funcionários e ex-funcionários do Sputnik que afirmam que os veículos de comunicação estatais russos estabeleceram alianças com veículos de comunicação locais na América Latina de diversas maneiras.

Essas alianças vão desde “oferecer gratuitamente o serviço de notícias do Sputnik, comparando-o falsamente com os serviços da Reuters, AP e AFP, até convidar jornalistas locais a visitar a sede do Sputnik em Moscovo e escrever matérias favoráveis sobre a sua experiência”.

A China também convida dezenas de jornalistas a Pequim todos os anos para cursos de “atualização” que são, na verdade, esforços de propaganda.

Esses cursos destinam-se a influenciar a forma como os jornalistas tratam a China em suas reportagens e, muitas vezes, incluem visitas a instalações governamentais cuidadosamente selecionadas e reuniões com funcionários escolhidos a dedo.

O governo chinês foi acusado diversas vezes de usar esses cursos para silenciar reportagens críticas à China.

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