Segurança

Espionagens e mentiras: China flagrada monitorando o mundo

Várias operações de espionagem da China foram expostas, segundo agências de inteligência. Não surpreende que Pequim negue ou fuja da culpa.

Bandeira nacional chinesa hasteada fora do Ministério das Relações Exteriores, em Pequim, em 26 de julho de 2023. Várias operações de espionagem da China foram expostas, de acordo com agências de inteligência ocidentais. (Foto de Greg Baker/AFP)
Bandeira nacional chinesa hasteada fora do Ministério das Relações Exteriores, em Pequim, em 26 de julho de 2023. Várias operações de espionagem da China foram expostas, de acordo com agências de inteligência ocidentais. (Foto de Greg Baker/AFP)

Por Entorno e AFP |

PEQUIM – As autoridades britânicas prenderam um funcionário do governo suspeito de espionagem para a China em Londres, gerando novos receios sobre a forma com que Pequim coleta informações.

O homem, cuja identidade não foi divulgada pelas autoridades britânicas, negou qualquer envolvimento em espionagem, em comunicado divulgado por seus advogados na segunda-feira (11 de setembro).

O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, manifestou ao seu homólogo chinês, Li Qiang, "grande preocupação" com a possível "interferência" chinesa na democracia, durante a cúpula do G20, na Índia, no domingo.

No fim de semana, a polícia do Reino Unido disse ter detido um homem de 20 anos em sua casa em Edimburgo por espionagem. Segundo o jornal Sunday Times, ele trabalhava como pesquisador no parlamento britânico.

Piloto da Força Aérea dos EUA olha para um suposto balão de vigilância chinês pairando sobre o centro dos Estados Unidos em 3 de fevereiro. [Departamento de Defesa dos EUA]
Piloto da Força Aérea dos EUA olha para um suposto balão de vigilância chinês pairando sobre o centro dos Estados Unidos em 3 de fevereiro. [Departamento de Defesa dos EUA]
Trabalhador instala câmeras de circuito fechado de TV em Pequim. [Noel Celis/AFP]
Trabalhador instala câmeras de circuito fechado de TV em Pequim. [Noel Celis/AFP]

Outro homem de 30 anos também foi preso, informou a polícia.

Ambas as detenções ocorreram em março por suspeita de crimes com base na Lei de Sigilos Oficiais. Os dois homens tinham sido liberados sob fiança até outubro.

Embora Pequim tenha chamado as alegações de “farsa política”, o incidente ocorre após uma série de denúncias e revelações recentes de espionagem que causaram tensão diplomática.

A seguir, alguns métodos usados pela China nos últimos anos para espionar o Ocidente e seus aliados:

"O balão itinerante"

Em fevereiro passado, as autoridades dos EUA acusaram a China de operar balões de vigilância sobre os Estados Unidos e a América Latina.

Pequim está executando um “programa bem-financiado e deliberado” que usa balões de alta altitude difíceis de detectar para espionar os Estados Unidos e outros países, disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, em 14 de fevereiro.

No mesmo dia, o Ministério da Defesa de Tóquio disse que uma nova análise de objetos voadores não identificados flagrados sobrevoando o espaço aéreo do Japão nos últimos anos – em novembro de 2019, junho de 2020 e setembro de 2021 – sugere “fortemente” que eram balões espiões chineses.

Na América Latina, o balão de vigilância foi detectado na Costa Rica, Colômbia e Venezuela.

Erick Saumeth, analista militar consultado pelo site Cambio Colombia, disse em fevereiro que o voo do balão sobre o território colombiano parecia tentar fotografar quatro importantes bases militares no norte do país, perto da fronteira com a Venezuela: a Base Naval em Cartagena, o Comando Aéreo da Aeronáutica em Malambo e os batalhões de Cartagena e Santa Bárbara.

Aviões, fragatas, submarinos, jatos, aviões de reconhecimento e peças de artilharia para defesa antiaérea estão estacionados nestes locais, afirmou ele.

Quaisquer informações que o balão de vigilância consiga obter em sua passagem pelo norte colombiano pode ser compartilhada com os aliados de Pequim, como a Nicarágua e a Venezuela, países com os quais a Colômbia já teve disputas no passado sobre fronteiras e ilhas, disse Saumeth.

Como é típico das autoridades chinesas e dos meios de comunicação controlados pelo Estado, as declarações de Pequim sobre o incidente foram totalmente unilaterais e tentaram desviar o foco da questão real.

"O balão itinerante" tornou-se um meio popular para descrever o incidente internacional.

Guerra cibernética

Em 2022, os Estados Unidos alertaram que a China representa “a ameaça de espionagem cibernética mais ampla, mais ativa e persistente” para o seu governo e o setor privado.

De acordo com investigadores e responsáveis pelos serviços secretos ocidentais, a China adotou a prática de hacker sistemas digitais de nações rivais para coletar segredos comerciais.

Em 2021, os Estados Unidos, a OTAN e outros aliados afirmaram que a China usou “hackers contratados” para violar os sistemas de e-mail da Microsoft, dando aos agentes de segurança do Estado acesso a informações sensíveis.

Os espiões chineses também invadiram o departamento de energia dos EUA, empresas de serviços públicos, operadoras de telecomunicações e universidades, de acordo com declarações do governo dos EUA e reportagens divulgadas pela mídia.

Temores tecnológicos

No setor da tecnologia, há preocupações de que as empresas ligadas ao governo da China sejam obrigadas a compartilhar informações com as autoridades.

Em 2019, o Departamento de Justiça dos EUA acusou a gigante tecnológica Huawei de conspirar para roubar segredos comerciais dos EUA, entre outros crimes.

Washington proibiu a empresa de fornecer sistemas ao governo dos EUA e desestimulou fortemente a utilização de seus equipamentos no setor privado, por receio de que pudesse ser comprometido.

A Huawei nega as acusações.

Ansiedade semelhante em relação ao TikTok, desenvolvido pela chinesa ByteDance, esquenta o debate político ocidental – alguns parlamentares pedem a proibição total do aplicativo devido a temores de segurança de dados.

Espionagem industrial e militar

Pequim recorreu a cidadãos chineses no exterior para coletar informações e roubar tecnologias sensíveis, afirmam especialistas, parlamentares dos EUA e reportagens na mídia.

Um dos casos mais notórios foi o de Ji Chaoqun, condenado em janeiro a oito anos de prisão nos EUA por compartilhar com a inteligência chinesa informações sobre possíveis alvos de recrutamento.

Ji foi acusado de fornecer informações sobre oito pessoas ao ministério de segurança da província de Jiangsu, uma unidade de inteligência acusada de envolvimento no roubo de segredos comerciais dos EUA.

No ano passado, um tribunal dos EUA condenou um agente de inteligência chinês a 20 anos de prisão por roubar tecnologia de empresas aeroespaciais americanas e francesas.

O homem, chamado Xu Yanjun, foi considerado culpado por desempenhar um papel de liderança em um esquema que funcionou cinco anos, apoiado pelo governo chinês, para roubar segredos comerciais da GE Aviation, um dos principais fabricantes mundiais de motores de aeronaves, e do grupo francês Safran.

Em 2020, um tribunal dos EUA deteve o engenheiro da Raytheon Wei Sun – cidadão chinês e naturalizado americano – por ter levado para a China um computador da empresa que continha informações confidenciais sobre um sistema de mísseis americano.

Espionando políticos

Chineses teriam cortejado as elites políticas, sociais e empresariais na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos.

De acordo com o Sunday Times, o suposto espião britânico detido no sábado manteve contatos com deputados do Partido Conservador enquanto trabalhava como pesquisador parlamentar e atuou na política internacional, incluindo as relações com Pequim.

O site de notícias norte-americano Axios conduziu uma investigação em 2020 alegando que um estudante chinês matriculado em uma universidade na Califórnia tinha desenvolvido laços com uma série de políticos norte-americanos a pedido da principal agência de espionagem civil de Pequim.

O estudante, chamado Fang Fang, utilizou financiamento de campanha, desenvolveu amizades e até manteve relações sexuais para atingir políticos em ascensão entre 2011 e 2015, segundo a reportagem.

"Delegacias de polícia"

Outra técnica usada pelos agentes chineses é promover informações privilegiadas sobre as obscuras práticas do Partido Comunista Chinês (PCC) e obter acesso aos principais líderes para atrair alvos ocidentais de alto perfil, dizem os pesquisadores.

O objetivo é "enganar os líderes mundiais sobre as ambições [de Pequim]" e fazê-los acreditar que "a China se ascenderia pacificamente, talvez até democraticamente", escreveu o autor Alex Joske no livro "Spies and Lies: How China's Greatest Covert Operations Fooled o mundo" (Espiões e Mentiras: como as maiores operações secretas da China enganaram o mundo).

Pequim também exerceu pressão sobre as comunidades chinesas no exterior e as organizações de mídia para que apoiassem as suas políticas em relação a Taiwan e silenciassem as críticas à repressão a Hong Kong e Xinjiang.

Em setembro de 2022, a ONG Safeguard Defenders, sediada na Espanha, afirmou que a China havia criado 54 "delegacias de polícia" em todo o mundo, supostamente para atingir críticos ao Partido Comunista.

Segundo a reportagem, a China mantém 13 delegacias de polícia na América Latina: duas na Argentina, duas no Brasil, duas no Chile, uma na Colômbia, uma em Cuba, três no Equador, uma no Panamá e uma no Peru.

Pequim negou as acusações.

A Holanda determinou que a China fechasse duas “delegacias de polícia” em novembro.

Um mês depois, a República Tcheca disse que a China havia fechado dois desses centros em Praga.

Gostou desta matéria?


Captcha *