Direitos Humanos
Abuso de mão de obra e mortes se multiplicam em navios chineses que saqueiam águas sul-americanas
Tripulações de pesca chinesas nas águas sul-americanas enfrentam condições análogas à escravidão, marcadas por cuidados médicos precários, isolamento extremo e exaustão.
![Pescadores chineses puxam rede no lago Qiandao, na província de Zhejiang, China. [Johannes Eisele/AFP]](/gc4/images/2025/04/16/50030-china_fishing-600_384.webp)
Por Alicia Gutiérrez |
SANTIAGO – Em seus esforços para escapar das inspeções portuárias, uma frota pesqueira chinesa que opera ao largo da América do Sul tem sido associada a uma série de incidentes graves, incluindo mortes, desaparecimentos no mar, doenças não tratadas e abusos generalizados de direitos humanos e trabalhistas.
Um relatório de fevereiro da Federação Internacional dos Trabalhadores dos Transportes (ITF) identificou esta frota como tendo o maior número de violações dos direitos humanos na indústria pesqueira mundial.
Intitulado "Exploração laboral em navios de pesca de águas distantes registrados na SPRFMO (Organização Regional de Gestão das Pescas do Pacífico Sul)", o relatório documenta dezenas de mortes de trabalhadores a bordo de navios chineses, citando padrões alarmantes de abuso e exploração.
A pesquisadora uruguaia Sabina Goldaracena e o argentino Sergio Almada apresentaram o levantamento na 13ª reunião da SPRFMO, realizada em Santiago, Chile, de 17 a 21 de fevereiro.
![Em julho de 2023, Marinha e procuradores do Uruguai abordaram o navio de pesca chinês Lu Qing Yuan Yu 765, após uma mensagem de socorro — supostamente de um membro da tripulação mantido a bordo — ter sido encontrada numa praia local. [Prefeitura do Uruguai].](/gc4/images/2025/04/16/50028-uruguay_prefectura-600_384.webp)
As conclusões se baseiam em dados de organismos oficiais do Peru, Uruguai, Argentina e Malvinas e revelam as atividades de pesca da China, Coreia do Sul, Portugal e Lituânia nas águas do Pacífico e do Atlântico ao largo do sul da América Latina.
"Entre 2013 e 2023, 66 tripulantes de 59 navios registrados na SPRFMO foram recebidos mortos em portos regionais ou desapareceram depois de caírem no mar", apontou o relatório.
As condições para os membros da tripulação doentes e feridos foram consideradas igualmente terríveis.
O documento observou que a maioria dos navios envolvidos — 38 dos 59 — navegavam sob a bandeira chinesa.
Escravidão e morte
Em entrevista ao Entorno, Goldaracena descreveu os fatores que estão por trás do número alarmante de mortes a bordo de embarcações de pesca em águas distantes.
A principal delas, disse ela, é a prática generalizada de transbordo — transferir os produtos da pesca para navios mercantes no mar em vez de atracar no porto. Isto permite que as embarcações permaneçam indefinidamente no oceano, mantendo as tripulações isoladas durante meses, por vezes anos, sem acesso a cuidados médicos.
"Em caso de doença, a falta de oportunidade de receber cuidados médicos nos portos pode ser um fator agravante", disse a pesquisadora.
Além do isolamento e da ausência de cuidados de saúde, Goldaracena citou as condições de trabalho brutais como uma das principais causas de mortes a bordo.
"Os pescadores muitas vezes trabalham horas extremas — às vezes até 20 horas por dia, sem um único dia de folga", disse ela, se referindo a um caso documentado envolvendo uma embarcação de bandeira chinesa, onde os trabalhadores eram obrigados a contratos de dois anos.
"O custo da exaustão prolongada enfraquece o sistema imunológico e diminui a capacidade de reagir ao perigo", disse ela. "Essas condições desumanas aumentam o risco de acidentes, doenças — e, por fim, morte."
As conclusões se alinham com uma investigação separada publicada pelo The Outlaw Ocean Project em outubro de 2023, que descreve em detalhes as condições análogas à escravidão enfrentadas pelos trabalhadores a bordo dos navios de pesca chineses.
O relatório "Uma frota destinada ao trabalho cativo e aos saques" descreve a forma como os cuidados médicos inadequados, o isolamento extremo e a exaustão física conduziram a mortes frequentes no mar.
Um caso chamou a atenção do mundo em junho de 2023, quando uma mensagem dentro de uma garrafa apareceu em uma praia de Punta del Este, no Uruguai, cerca de 110 km a leste de Montevidéu.
"Olá, sou um membro da tripulação do navio Lu Qing Yuan Yu 765 e fui preso pela empresa", dizia a nota escrita à mão. "Quando virem este papel, por favor ajudem-me a chamar a polícia! S.O.S. S.O.S."
O pedido de socorro evidenciou o desespero dos trabalhadores presos a bordo de embarcações de águas profundas durante meses, às vezes por anos, sem qualquer alívio.
Em resposta, a operadora do navio, a Qingdao Songhai Fishery, negou as acusações, as considerando invenções de membros da tripulação descontentes.
Empresas chinesas com histórico criminal
O relatório da ITF se concentra em duas empresas chinesas: a Rongcheng Homey Ocean Fishing, que opera seis embarcações com registros criminais documentados, e a Rongcheng Rongyuan Fishery, proprietária de 50 barcos de pesca e quatro navios de carga.
Entre os incidentes mais graves relacionados à segunda companhia, se destaca a captura do navio Lu Rong Yuan Yu 668, em 2020, nas águas territoriais da Argentina, onde foi flagrado praticando pesca ilegal. O navio tentou fugir e resistiu à detenção.
Em ambas as empresas foram encontradas evidências de mortes suspeitas de tripulantes, incluindo o caso de um corpo que ficou armazenado no porão de um navio durante sete meses. Além disso, membros da tripulação foram desembarcados em portos peruanos e uruguaios com ferimentos potencialmente fatais e condições médicas críticas.
Estes não são casos isolados, alerta o relatório, mas fazem parte de um padrão mais amplo de exploração laboral e de violações dos direitos humanos no mar.
"As condições e o ambiente em que estes navios operam confirmam que os crimes contra os membros da tripulação são frequentes", segundo o documento. "Mas apenas uma fração é denunciada ou investigada."
Uma cultura de invisibilidade, segundo os autores do estudo, deixa as vítimas indefesas e os infratores impunes.