Ambiente

Estratégia de pesca da China: saquear os mares da Argentina

Barcos chineses não regulamentados em águas argentinas ou nas proximidades transportam mais de US$ 700 milhões em frutos do mar todos os anos, segundo líder da indústria argentina.

Vista aérea de barcos de pesca partindo para o mar em Zhoushan, na província de Zhejiang, China. [AFP]
Vista aérea de barcos de pesca partindo para o mar em Zhoushan, na província de Zhejiang, China. [AFP]

Por Analía Rojas |

BUENOS AIRES -- Como ocorre a cada verão austral, a frota pesqueira chinesa intensificou sua atividade no Atlântico Sul, perto de águas argentinas.

A frota pesqueira chinesa traça sua rota anual no Pacífico, perto das Ilhas Galápagos, concentrando suas operações de junho a setembro na grande exploração de lulas.

Durante essa fase, a frota esgota rapidamente os recursos da região.

No fim de setembro, começa a viagem para o sul, em direção à costa peruana. Em outubro, os navios param no porto de El Callao para se reabastecer com alimentos e combustível.

Ministro da Defesa da Argentina, Luis Petri, a bordo de um helicóptero naval Hércules durante operação de vigilância na ZEE do país em março passado. [Redes sociais de Luis Petri]
Ministro da Defesa da Argentina, Luis Petri, a bordo de um helicóptero naval Hércules durante operação de vigilância na ZEE do país em março passado. [Redes sociais de Luis Petri]
Membros da PNA inspecionam navio pesqueiro de bandeira chinesa em 2021 na ZEE da Argentina. [PNA]
Membros da PNA inspecionam navio pesqueiro de bandeira chinesa em 2021 na ZEE da Argentina. [PNA]

Do Peru, a frota atravessa a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) do Chile até chegar ao Atlântico Sul, ajustando seus movimentos com base na disponibilidade de recursos marinhos.

Em dezembro, os navios de pesca se posicionam ao longo da fronteira da ZEE da Argentina, prontos para novas operações.

No final de dezembro, foram detectadas mais de 90 embarcações, e estimativas sugerem que esse número poderia aumentar para 500 em janeiro, segundo dados da Prefeitura Naval Argentina (PNA), serviço de proteção do território marítimo do país.

Esses navios operam principalmente perto da milha 201, limite da ZEE da Argentina, de acordo com comunicado divulgado pela PNA no fim de dezembro.

No entanto, as autoridades do país também flagraram chineses pescando em águas argentinas.

A frota chinesa usa uma combinação de subsídios governamentais, sobrepesca e táticas que muitas vezes ultrapassam os limites da legalidade, levantando preocupações com a sustentabilidade dos recursos marinhos e a soberania nacional, afirmam representantes do setor.

Darío Sócrate, diretor da Câmara Argentina de Armadores de Lula (CAPA), destacou a destruição causada pela pesca não regulamentada durante o verão austral em entrevista ao El Chubut em novembro.

Todo verão, cerca de 500 embarcações operam em águas argentinas “sem nenhum tipo de regulamentação”, afirmou.

Essas frotas não respeitam as datas de abertura e encerramento da temporada de pesca, se beneficiam dos subsídios concedidos pelos seus países de origem e fazem o transbordo de suas capturas em alto mar, disse Sócrate.

Além disso, ele destacou relatos de trabalho escravo a bordo de algumas embarcações, acrescentando que as suas capturas — algumas obtidas ilegalmente em águas argentinas — muitas vezes acabam nos mesmos mercados de destino dos produtos da frota regulamentada argentina.

Pilhagem

Essas operações não regulamentadas extraem por ano cerca de 300.000 toneladas de frutos do mar, avaliadas em mais de US$ 700 milhões.

A pilhagem não apenas prejudica a indústria pesqueira local, como também impacta a biodiversidade e a capacidade regenerativa de espécies-chave, especialmente as lulas.

A lula, um elo essencial na cadeia alimentar do Atlântico Sul, serve como fonte primária de alimento para a pescada comum, cachalotes, pinguins e outras espécies marinhas.

A sobrepesca chinesa constitui um “desastre ambiental incalculável”, alertou o especialista em conservação marinha e ex-conselheiro da Organização das Nações Unidas Milko Schvartzman em um artigo publicado pelo portal iProfesional em 2021.

"Junto com o plâncton, a lula é a base de toda a cadeia alimentar do Atlântico Sul", enfatizou Schvartzman.

Para agravar o problema, os chineses transportam frequentemente lulas capturadas ilegalmente de águas argentinas ou perto da Argentina para Montevidéu, no Uruguai, de onde a carga é transferida para contêineres de exportação para a União Europeia e os Estados Unidos.

Nesses mercados, os comerciantes rotulam a lula enganosamente como “Produto da China”, ocultando sua origem e prejudicando ainda mais a pesca argentina.

Acordos regionais em foco

A situação tornou-se mais complicada devido aos recentes acordos provinciais para facilitar a pesca chinesa.

Em novembro, a província de Santa Cruz assinou uma “carta de intenções” com a Hongdong Fisheries, a segunda maior empresa pesqueira da China. A província de Chubut negocia acordos semelhantes.

O acordo com Santa Cruz inclui investimentos chineses para modernizar a infraestrutura portuária, construir estaleiros e estabelecer novas unidades de processamento de pescado.

Sócrate, porém, criticou a medida.

"Pensar em facilitar as tarefas desses navios, permitindo que eles entrem para desembarque, é um absurdo", disse ele ao El Chubut.

Em vez de beneficiar as frotas locais, a infraestrutura proposta poderia consolidar um modelo que favorece a exploração estrangeira dos recursos argentinos.

As câmaras empresariais do setor de pesca manifestaram forte oposição a esses acordos provinciais, alertando para seu impacto negativo na indústria local e na sustentabilidade dos recursos.

A CAPA e a Câmara Argentina de Armadores de Pesca e Congeladores (CAPeCA) levantaram preocupações sobre os riscos que os acordos representam para a indústria pesqueira argentina, enfatizando que eles beneficiam principalmente as frotas estrangeiras, ao mesmo tempo que marginalizam os operadores locais.

Impacto na pesca nacional

A PNA e a Equipe de Trabalho Interdisciplinar para o Controle dos Espaços Marítimos e seus Recursos (EICEMAR) intensificaram as operações de monitoramento para combater a pesca ilegal.

Entre 2018 e 2023, a Argentina registrou 60 intercepções de embarcações estrangeiras, das quais pelo menos 15 foram detidas por pesca ilegal na ZEE do país.

A indústria pesqueira argentina enfrenta problemas significativos, uma vez que as capturas massivas efetuadas pelos chineses reduzem a rentabilidade e as oportunidades de emprego das frotas locais.

As autoridades argentinas estimam perdas anuais entre US$ 2 bilhões e US$ 3,6 bilhões devido à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada.

Esse desequilíbrio prejudica gravemente a indústria nacional, especialmente porque a frota chinesa aumentou 800% na última década.

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