Economia
Uso do yuan chinês "não é solução de longo prazo" para Bolívia
Há um consenso crescente entre economistas e analistas de que um acordo cambial entre La Paz e Pequim beneficiará apenas a China.
![Funcionário de um banco chinês conta notas de 100 CNY e de dólar americano em um balcão de agência em Nantong, na província de Jiangsu. O governo boliviano faz esforços para usar o yuan e atrair um banco chinês para a Bolívia, em resposta a uma grave escassez de dólar que começou no início de 2023. [AFP]](/gc4/images/2023/08/22/43601-chinese-bank-notes-600_384.webp)
Por Aurora Lane |
LA PAZ -- O início das operações financeiras em yuan chinês gerou desconfiança e críticas na Bolívia, com alguns economistas argumentando que o país sul-americano ainda não está pronto para fazer uma transição para a moeda chinesa.
A decisão do governo é uma medida de curto prazo que não ataca as causas subjacentes do déficit de dólares na economia boliviana, alertam eles.
O economista Fernando Molina disse que ainda não viu nenhuma evidência de que os bolivianos estejam usando o yuan e observa que a moeda não é amplamente negociada internacionalmente.
O yuan não é a melhor opção para a Bolívia porque é uma moeda relativamente nova e seu valor é volátil no momento, afirmou.
![Pedestres passam por uma casa de câmbio na capital boliviana, La Paz, em 10 de março. [Jorge Bernal/AFP]](/gc4/images/2023/08/22/43614-La-Paz-exchange-600_384.webp)
China e Rússia têm "intenções" na Bolívia, no Brasil, na Argentina e na Venezuela, "que são consideradas economias com problemas de liquidez" e buscam alternativas ao dólar americano, disse Molina ao Entorno.
Mas esses países estão sendo "míopes" ao considerar o yuan e o rublo russo como alternativas, segundo Molina, já que a maior parte do comércio ainda é realizada em dólar e a maior parte da dívida é registrada em dólar.
O uso do yuan não trará nenhum benefício tangível para a Bolívia porque o país sul-americano importa significativamente mais do que exporta para a China, disse ele.
O acordo servirá apenas aos interesses de Pequim em fortalecer a moeda chinesa, acrescentou.
Usar o yuan como moeda operacional pode aumentar a dependência econômica de países como a Bolívia em relação à China, uma vez que nações que adotam a moeda asiática estão sujeitos às políticas monetárias e econômicas do Partido Comunista Chinês (PCC), de acordo com economistas.
Depender do yuan pode tornar os países mais vulneráveis às flutuações de valor e limitar sua capacidade de tomar decisões independentes sobre suas próprias economias.
O yuan também é uma moeda menos transparente que o dólar. Essa opacidade torna difícil para os investidores e governos estrangeiros a avaliação do risco de investir ou negociar com a China.
O governo chinês tem maior controle sobre o yuan do que o governo dos EUA sobre o dólar. O poder de Pequim sobre a sua moeda aumenta o risco de o PCC utilizar o yuan para fins políticos ou econômicos, como desvalorizá-lo para aumentar as exportações, algo de que a China foi acusada várias vezes no passado.
Bolivia precisa de dólares
O dólar americano ainda é uma moeda crucial para a economia boliviana, o comércio internacional, as transações, os pagamentos do serviço da dívida e o investimento estrangeiro, disse Molina.
"O dólar americano ainda tem uma hegemonia global muito importante", afirmou. "Quase 70% dos bancos centrais têm suas reservas em dólar americano, e estima-se que pelo menos 75% do comércio internacional seja conduzido em dólar americano."
A Bolívia realmente precisa de dólares, afirmou o empresário Samuel Doria Medina.
“A Bolívia precisa de dólar e continuará precisando”, disse ele em uma postagem nas redes sociais, observando que esse é um dos problemas que o país precisa resolver.
O uso do yuan na Bolívia "não é uma solução de longo prazo" para os problemas econômicos do país, avaliou o analista financeiro José Gabriel Espinoza, professor da Universidade Católica da Bolívia.
É mais provável que a mudança seja uma medida de curto prazo que "servirá [apenas] para mascarar os problemas subjacentes", disse ele à Associated Press.
Mas o Banco Unión, banco estatal da Bolívia, já começou a operar em yuan, disse o ministro da Economia boliviano, Marcelo Montenegro, no final de julho, acrescentando que estavam sendo feitos esforços para estabelecer um banco chinês na Bolívia.
"Distração" de problemas reais
O governo boliviano iniciou esforços para usar o yuan e atrair um banco chinês para a Bolívia em resposta a uma grave escassez de dólares que começou no início de 2023 e ainda não foi resolvida.
Em seu discurso de metade do mandato, o presidente boliviano, Luis Arce, anunciou em 10 de maio que seu governo começaria a usar o yuan para o comércio exterior.
Arce não deu muitos detalhes sobre o tipo de comércio que envolveria o yuan, mas transações com a China são uma hipótese provável.
Seu anúncio seguiu movimentos semelhantes do Brasil e da Argentina, que começaram a usar o yuan para o comércio exterior.
Cecilia Requena, senadora da aliança política de oposição Comunidad Ciudadana, criticou o plano de Arce de negociar usando yuan.
O plano é uma "distração" dos problemas reais que a Bolívia enfrenta, disse ela em entrevista à Voz da América, como a crise econômica e a escassez de dólar.
"O yuan ainda não é uma alternativa viável ao dólar como moeda de reserva mundial", afirmou. "O yuan está sujeito a muitas restrições cambiais que não são transparentes e muitas vezes são determinadas pela política."
Requena destacou o rígido controle do Partido Comunista Chinês (PCC) sobre o yuan.
Nenhuma "pessoa sensata" em qualquer lugar escolheria ter ativos em yuan sem uma relação especial e privilegiada com o PCC, disse ela.
China tem a ganhar
A Bolívia não reúne condições para abandonar o dólar pelo yuan nas transações comerciais, disse o consultor financeiro Jaime Dunn ao jornal de abrangência nacional Opinión.
A maior parte das receitas e pagamentos do comércio exterior da Bolívia vem de mercados onde os negócios são feitos em dólar, observou.
A Bolívia tem uma "balança comercial negativa com a China", e as atividades diárias continuarão sendo realizadas em dólar ou com a moeda nacional, segundo o consultor.
Para que uma moeda tenha aceitação mundial, ela deve ser um meio de troca internacional amplamente utilizado, acrescentou Dunn, observando que os preços das principais commodities, como petróleo, soja e ouro, são cotados em dólar americano.
"Obviamente, há esforços muito importantes da Rússia e da China para substituir o dólar", disse Dunn.
Esses esforços acabarão beneficiando apenas a China e a Rússia, alertou o consultor financeiro Fernando Romero, presidente da Associação de Economistas do departamento de Tarija.
"Agora vamos ter de buscar yuan para importar em vez de dólar", disse ele ao Página Siete. "Mais bolivianos terão de ser pagos em troca porque o yuan vai se valorizar."