Política

Influência crescente da China na Argentina paira sobre as eleições presidenciais

A exemplo do Equador e da Venezuela, a Argentina corre o risco de cair na “diplomacia da armadilha da dívida” da China, que leva a débitos insustentáveis e aumento da influência chinesa.

O ministro da Economia da Argentina e candidato presidencial pelo partido União por la Patria, Sergio Massa, e o outsider antissistema Javier Milei se enfrentarão no segundo turno das eleições presidenciais. [Emiliano Lasalvia e Luis Robayo/AFP]
O ministro da Economia da Argentina e candidato presidencial pelo partido União por la Patria, Sergio Massa, e o outsider antissistema Javier Milei se enfrentarão no segundo turno das eleições presidenciais. [Emiliano Lasalvia e Luis Robayo/AFP]

Por Dieago López Beltran |

BUENOS AIRES – Enfrentando os desafios da inflação, do aumento dos índices de pobreza, que ultrapassam 40% da população, e da crise da dívida crescente, os candidatos nas eleições presidenciais argentinas realizadas no domingo (22 de outubro) compartilhavam um ponto central: a China.

No primeiro turno das eleições, o ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, e o não convencional outsider Javier Milei, saíram vencedores.

Eles agora se enfrentarão no segundo turno, destacando o forte contraste entre as suas visões para o país, conforme evidenciado pelos resultados das urnas.

A terceira maior economia da América Latina luta contra uma inflação de três dígitos, uma consequência de décadas marcadas por crises fiscais recorrentes, dívidas, má gestão financeira e uma moeda volátil.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, cumprimenta o presidente chinês, Xi Jinping, durante a cerimônia de abertura do terceiro Fórum do Cinturão e Rota para a Cooperação Internacional, em Pequim, em 18 de outubro. [Pedro Pardo/AFP]
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, cumprimenta o presidente chinês, Xi Jinping, durante a cerimônia de abertura do terceiro Fórum do Cinturão e Rota para a Cooperação Internacional, em Pequim, em 18 de outubro. [Pedro Pardo/AFP]

Massa, uma figura que representa a coalizão peronista de centro-esquerda, superou as expectativas ao garantir a primeira posição com 36,6% dos votos.

Milei, candidato libertário que ganhou as manchetes ao empunhar uma motosserra em seus comícios enquanto prometia cortar gastos públicos e defendia a dolarização, obteve notáveis 30% dos votos.

Ao longo da campanha que antecedeu o primeiro turno das eleições, ambos os candidatos articularam distintamente as suas preferências geopolíticas.

Em uma entrevista em 14 de setembro com o comentarista americano Tucker Carlson, Milei declarou sua posição contra o envolvimento em negócios com a China. Ele expressou sua relutância em cooperar com governos como o da Rússia, que comparou a um regime comunista.

Não foi a primeira vez que Milei defendeu o rompimento de laços com Pequim e a não participação em acordos com entidades “comunistas” no futuro.

Ele também fez acusações contra a China, alegando que o país asiático reprimia seus próprios cidadãos que ansiavam pela liberdade.

Preocupação entre empresários

A posição de Milei gerou preocupações em um segmento importante do sistema econômico argentino e nos meios de comunicação afiliados ao governo. O desconforto vem do fato de a China ser o segundo maior parceiro comercial do país, atrás apenas do Brasil. Além disso, tanto a China quanto o Brasil pertencem ao BRICS, grupo de economias emergentes.

A Argentina, com outros cinco países, comprometeu-se neste ano a aderir ao bloco a partir de janeiro de 2024.

Os países originais do BRICS são Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Em resposta às incertezas persistentes, Milei declarou enfaticamente sua intenção de se alinhar com os Estados Unidos e Israel em questões geopolíticas. No entanto, alguns de seus principais oponentes, incluindo líderes de setores empresariais mais importantes, avaliam as possíveis alianças que um governo liderado pelo candidato do A Liberdade Avança poderia buscar para compensar a ruptura nas relações com seus dois principais parceiros comerciais.

Surgem preocupações genuínas quando se considera o grande número e a diversidade de iniciativas de colaboração multimilionárias entre a China e a Argentina, que estão em curso e dependem fortemente de um significativo apoio financeiro chinês.

Essas ações incluem o megaprojeto do sistema de barragens hidrelétricas Kirchner-Cepernic, na província de Santa Cruz; a ampla remodelação do sistema ferroviário de Belgrano Cargas e a construção da usina nuclear Atucha III, além de vários empreendimentos nas áreas de energia solar e extração de lítio em províncias do norte da Argentina, entre outros.

Dependência de apoio financeiro

A política monetária da Argentina se tornou progressivamente mais interligada com Pequim.

Sob a orientação de Massa, candidato do partido que está no poder e atual ministro da economia, o governo ampliou um acordo de swap cambial originalmente firmado em 2020 para um total de 130 bilhões de yuans (o equivalente a cerca de US$ 18 bilhões) em junho.

O acordo permitiu à Argentina mitigar o declínio das reservas em moeda estrangeira, facilitando o pagamento da dívida aos credores externos durante um período de escassez de dólares, inflação galopante e desvalorização do peso.

A exemplo da Venezuela, do Equador e de vários países da África e da Ásia que firmaram acordos com a China, a Argentina poderia acabar enredada na “diplomacia da armadilha da dívida” da China. Essa prática leva os países a dívidas insustentáveis, garantindo à China uma influência desproporcional. À medida que o país asiático emerge como o principal financiador da Argentina, aumenta o risco de emaranhamento.

O fortalecimento dos laços entre a América Latina e a China vem de longa data e está ganhando um impulso significativo. Notavelmente, os bancos de desenvolvimento chineses emergiram como os principais credores de vários governos da região, ultrapassando a influência das instituições financeiras multilaterais. Essa revelação consta em um relatório colaborativo divulgado em fevereiro pelo Serviço Internacional para os Direitos Humanos e pelo Coletivo sobre Financiamento e Investimento da China, Direitos Humanos e Meio Ambiente (CICDHA).

O relatório destaca ainda o envolvimento significativo da China no projeto hidrelétrico do Rio Santa Cruz, que já está com a metade da obra concluída. Estimado em cerca de US$ 4,7 bilhões, o projeto é apontado como a terceira maior hidrelétrica da Argentina e representa o maior empreendimento a ser financiado e construído por empresas chinesas no país latino-americano.

O projeto enfrenta críticas por ter realizado um estudo de impacto ambiental às pressas e não ter avaliado de forma abrangente seus efeitos nas reservas de água doce e na vida selvagem local, além de ter negligenciado os riscos associados à obra.

Além disso, o projeto inicial não incluía um estudo de impacto das novas linhas de alta tensão associadas ao empreendimento, conforme detalhado no relatório.

Independentemente da vitória de Massa ou Milei, a Argentina continuará sendo um alvo estratégico para o governo de Xi Jinping na América Latina.

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