Política

Dívida, corrupção e sombra da China pairam sobre eleições presidenciais do Equador

Próximo governo do Equador enfrenta grande desafio de dívidas decorrentes de negociações e acordos anteriores de infraestrutura com a China.

Presidente equatoriano, Daniel Noboa, candidato à reeleição pelo partido Acción Democrática Nacional (Ação Democrática Nacional), segura uma bandeira do país enquanto discursa a apoiadores em seu último comício de campanha em Quito, em 9 de abril. [Galo Paguay/AFP]
Presidente equatoriano, Daniel Noboa, candidato à reeleição pelo partido Acción Democrática Nacional (Ação Democrática Nacional), segura uma bandeira do país enquanto discursa a apoiadores em seu último comício de campanha em Quito, em 9 de abril. [Galo Paguay/AFP]

Por Catalino Hoyos |

QUITO – O pesado legado de corrupção, projetos de construção mal-executados, custos excessivos e dívida crescente ligado a obras chinesas de infraestrutura no Equador tornou-se uma questão central no segundo turno das eleições presidenciais no país, marcado para 13 de abril.

O atual presidente Daniel Noboa concorre à reeleição contra Luisa González, candidata do movimento "correísta" Revolución Ciudadana (Revolução Cidadã) liderado pelo ex-presidente Rafael Correa (2007–2017), que continua foragido da justiça.

Noboa mantém distância da China, priorizando uma aliança estratégica com os Estados Unidos. Sob sua liderança, a cooperação com Washington na área militar e no combate às drogas intensificou-se e ele até apresentou a ideia de acolher bases militares estrangeiras no Equador.

González, por outro lado, defende a retomada das relações comerciais com a China e, ao mesmo tempo, o restabelecimento de laços diplomáticos com países como a Venezuela. Sua plataforma inclui um realinhamento político mais amplo no sentido de maior integração com governos de esquerda na região e retorno às políticas de Correa.

Luisa González, candidata à presidência do Equador pelo partido de oposição Revolución Ciudadana (Revolução Cidadã), fala a apoiadores em seu último comício de campanha em Quito, em 9 de abril. [Armando Prado/AFP]
Luisa González, candidata à presidência do Equador pelo partido de oposição Revolución Ciudadana (Revolução Cidadã), fala a apoiadores em seu último comício de campanha em Quito, em 9 de abril. [Armando Prado/AFP]

Durante a presidência de Rafael Correa – que vive exilado na Bélgica desde sua condenação, em abril de 2020, por corrupção por suborno ocorrido em seu governo – o Equador assinou vários acordos financeiros e projetos de infraestrutura com a China.

Muitos desses acordos estão sendo investigados por falhas técnicas, financeiras e ambientais.

Em 2007, a dívida do Equador com a China era de cerca de US$ 7 milhões. Após uma década sob o governo de Correa, esse número disparou e hoje as exportações de petróleo equatorianas continuam enredadas em contratos obscuros com empresas e bancos chineses, o que deixou o país preso ao que muitos analistas descrevem como "armadilha da dívida".

Investigações como a conduzida pela Fundação Mil Hojas – detalhadas em seu livro Segredos da Dívida da China, de novembro de 2023 – apontam que, durante a chamada Revolução Cidadã de Correa, Quito assinou acordos de crédito com Pequim e concedeu contratos a empresas chinesas sem licitação pública, muitas vezes para a construção dos próprios projetos financiados por esses empréstimos.

O editor do livro, Christian Zurita, destaca que em apenas um ano, entre 2006 e 2007, o investimento estrangeiro direto da China no Equador aumentou de US$ 11,9 milhões para US$ 84,8 milhões.

Os empréstimos chineses ao Equador aumentaram nos dois mandatos consecutivos de Correa. Entre 2010 e 2019, a China emprestou ao país sul-americano mais de US$ 24 bilhões através dos seus bancos estatais e comerciais, de acordo com o livro de Zurita.

Nenhum outro país atingiu um nível tão elevado de envolvimento financeiro com o Equador. No final de 2024, a dívida de Quito com organizações multilaterais aproximava-se dos US$ 24 bilhões – o que corresponde à escala das suas obrigações apenas para com a China.

Um país hipotecado

Os mais de US$ 24 bilhões que o Equador deve à China são em grande parte ligados a empréstimos com petróleo como garantia que hipotecaram as exportações de óleo bruto equatorianas - muitas vezes com royalties mínimos para o país sul-americano.

De acordo com o canal digital Primicias, entre 2009 e 2016, o Equador garantiu US$ 18,17 bilhões em financiamentos condicionados à venda de petróleo bruto a empresas estatais chinesas como PetroChina e Unipec, esta última pertencente à Sinopec.

Um símbolo flagrante desse acordo desequilibrado é a Coca Codo Sinclair, a maior hidrelétrica do Equador, atualmente à beira do colapso. Antes considerada por Correa como um símbolo de modernização e soberania energética, a obra tornou-se um monumento às promessas não cumpridas.

Nove anos após sua inauguração pela gigante chinesa da construção Sinohydro, a usina está cheia de defeitos estruturais - principalmente milhares de fissuras em suas turbinas. Engenheiros alertam para o risco de colapso total devido a falhas de projeto, localização geológica inadequada e falta de gestão apropriada de sedimentos.

Apesar de um investimento de US$ 3 bilhões – financiado pelo Banco de Exportações e Importações da China e ainda a ser reembolsado pelo Equador –, a usina funciona frequentemente com apenas metade da capacidade prevista, embora forneça 30% da energia elétrica no país.

A obra corre o risco de afundar em um buraco, alertam observadores.

Carolina Bernal, geóloga e pesquisadora da Escola Politécnica Nacional do Equador, estuda o rio Coca há duas décadas. Há muito tempo ela critica a decisão de construir um projeto de infraestrutura tão grande em uma zona geologicamente frágil, sem a devida salvaguarda ambiental.

A hidrelétrica está “condenada a desaparecer” devido a condições naturais que os construtores ignoraram ou subestimaram desde o início, alertou Bernal em entrevista ao Entorno.

"São precisamente essas condições naturais que ameaçam agora a erosão regressiva do Rio Coca, um processo no qual o leito do rio se desgasta e recua rio acima, afetando a estabilidade e o fluxo do rio", explicou.

O potencial colapso da usina agravaria significativamente a crise de energia elétrica no Equador, que já obriga os cidadãos a suportarem frequentes racionamentos.

Os projetos de infraestrutura e acordos passados com a China deixaram o Equador fortemente endividado. Esse peso é um grande desafio que o próximo governo equatoriano terá de enfrentar devido a seu impacto econômico no longo prazo.

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