Direitos Humanos

Cúmplice da destruição: Bancos chineses financiam abusos no projeto de mineração Mirador, no Equador

O que começou como um projeto de mineração na Amazônia equatoriana tornou-se uma campanha sustentada de agressão e abuso, alimentada pelo financiamento chinês e marcada por um padrão sistemático que partiu comunidades e corroeu o tecido social na região.

Técnicos trabalham na mina Mirador, operada pela Ecuacorriente do Equador, uma subsidiária do consórcio chinês CRCC-Tongguan, em Tundayme, na província de Zamora Chinchipe, Equador. [Rodrigo Buendía/AFP]
Técnicos trabalham na mina Mirador, operada pela Ecuacorriente do Equador, uma subsidiária do consórcio chinês CRCC-Tongguan, em Tundayme, na província de Zamora Chinchipe, Equador. [Rodrigo Buendía/AFP]

Por Catalino Hoyos |

QUITO – O financiamento chinês da mina a céu aberto Mirador, no sul da Amazônia equatoriana, está respaldando um modelo predatório de desenvolvimento que, de acordo com um relatório recente, levou à expropriação de terras, intimidação de comunidades e outras formas de violência.

O relatório, divulgado em fevereiro pela Comunidade Amazônica de Ação Social Cordillera del Cóndor Mirador (CASCOMI) e pela Aliança para a América Latina Sustentável, destaca supostas irregularidades no financiamento fornecido por bancos estatais chineses a empresas de mineração e construção que operam na região.

Lançado na década de 2010 durante a presidência de Rafael Correa (2007–2017), o projeto Mirador é administrado pela Ecuacorriente, subsidiária do consórcio chinês CRCC-Tongguan, que é formado pela China Railway Construction Corporation (CRCC) e pela Tongling Nonferrous Metals Group Holdings.

Intitulado “Situação dos Defensores Ambientais e Responsabilidades dos Bancos Chineses no Projeto de Mineração Mirador”, o relatório associa pelo menos cinco instituições financeiras estatais chinesas a graves violações ambientais e de direitos humanos na província amazônica Zamora Chinchipe, que fica na fronteira com o Peru.

Líderes comunitários e membros afetados pela mina Mirador visitaram Tundayme para denunciar que o projeto mineiro não trouxe nenhum progresso às suas comunidades, apenas destruição, poluição ambiental e abusos trabalhistas e comunitários. [Frente Nacional Anti-Mineração]
Líderes comunitários e membros afetados pela mina Mirador visitaram Tundayme para denunciar que o projeto mineiro não trouxe nenhum progresso às suas comunidades, apenas destruição, poluição ambiental e abusos trabalhistas e comunitários. [Frente Nacional Anti-Mineração]
Visão geral da mina Mirador, operada pela empresa equatoriana Ecuacorriente, subsidiária do consórcio chinês CRCC-Tongguan, em Tundayme, na província de Zamora Chinchipe, Equador. [Rodrigo Buendía/AFP]
Visão geral da mina Mirador, operada pela empresa equatoriana Ecuacorriente, subsidiária do consórcio chinês CRCC-Tongguan, em Tundayme, na província de Zamora Chinchipe, Equador. [Rodrigo Buendía/AFP]

Os bancos, incluindo o Banco de Desenvolvimento da China, o Banco de Exportação e Importação da China, o Banco da China e o Banco Industrial e Comercial da China, financiaram o consórcio CRCC-Tongguan sem exigir salvaguardas ambientais ou sociais claras, apesar dos repetidos alertas das comunidades afetadas e dos organismos internacionais, segundo os autores do relatório.

Impunidade e superendividamento

Entre 2007 e 2017, os bancos estatais chineses emergiram como grandes financiadores de projetos de energia e infraestrutura em toda a América Latina, muitas vezes com poucas salvaguardas ou pouca supervisão.

A mina a céu aberto Mirador, no sul do Equador, recebeu financiamento direto de pelo menos cinco bancos chineses por meio de cinco transações separadas, conforme detalhado nos relatórios anuais da CRCC de 2009 a 2024, diz o estudo.

Entre 2010 e 2020, o consórcio CRCC-Tongguan obteve cinco empréstimos para adquirir, desenvolver e ampliar o projeto Mirador.

Os dois primeiros foram empréstimos sindicados no total de US$ 1,62 bilhão, sendo US$ 329 milhões em 2010 e US$ 1,29 bilhão em 2014, concedidos pelo Banco de Desenvolvimento da China, pelo Banco da China e pelo Banco de Comunicações.

Em 2015, o Banco de Exportação e Importação da China concedeu um empréstimo adicional de US$ 144 milhões. Em 2019, o Banco Huishang forneceu mais US$ 300 milhões, coincidindo com o início da fase de produção de concentrado de cobre no projeto de mineração Mirador.

Em 2020, a filial do Banco da China no Panamá concedeu um crédito de US$ 200 milhões, o único direcionado especificamente à subsidiária equatoriana Ecuacorriente S.A., o qual permanece vigente e com vencimento em julho.

Todos os outros empréstimos expiraram entre 2015 e 2024, mas o relatório CASCOMI alerta que o peso da dívida e a falta de normas ambientais aplicáveis ​​continuam expondo as comunidades locais a riscos em longo prazo.

Falta de transparência

O sigilo cerca quase todas as etapas do projeto de mineração Mirador.

Segundo a investigação, os bancos chineses que financiam o projeto, todos influenciados ou controlados pelo governo chinês, não publicaram contratos de empréstimos nem divulgaram mecanismos de supervisão aplicáveis, violando seus próprios compromissos institucionais e os padrões internacionais de transparência.

Defensores ambientais acusam o consórcio chinês que opera a mina de práticas ilegais e antiéticas generalizadas, como expropriação de terras, despejos forçados, abusos trabalhistas, destruição de infraestruturas comunitárias, intimidação e manipulação de processos administrativos e judiciais.

Longe de serem incidentes isolados, essas ações são caracterizadas no relatório como parte de um padrão sistemático de agressão, cooptação e corrupção que prejudicou profundamente o tecido social na região.

“Os bancos chineses não financiaram apenas uma mina, financiaram um padrão de violência sistemática contra aqueles que protegem os ecossistemas e os direitos coletivos”, disse um dos autores do relatório, que pediu anonimato por questões de segurança.

Apesar desse contexto, o financiamento chinês continuou fluindo.

A falta de diligência por parte dos bancos permitiu que a violência persistisse, mesmo após os empréstimos anteriores terem expirado, diz o relatório.

Bancos chineses viram as costas

Em janeiro de 2024, durante a Revisão Periódica Universal da Organização das Nações Unidas, a China aceitou recomendações para reforçar a proteção dos defensores dos direitos humanos. Mas a situação no projeto de mineração Mirador, no Equador, reflete uma história diferente.

De acordo com um novo relatório, os bancos chineses que financiam o projeto ignoraram os pedidos de transparência, não adotaram políticas sobre o acesso público à informação e permaneceram em silêncio diante da repressão e da criminalização de defensores ambientais documentadas.

Essa inação intencional viola os princípios de governança financeira responsável, afirmam analistas.

Em vez de adotar medidas corretivas, os bancos estão avaliando novos empréstimos para ampliar a produção da mina Mirador de 60.000 para 140.000 toneladas de minério por dia, o que aumentaria a pressão adicional sobre a barragem de rejeitos de Tundayme, já sinalizada como uma estrutura de alto risco.

O relatório pede a publicação imediata de todos os contratos de empréstimo, a criação de uma comissão de investigação independente e a suspensão de financiamentos futuros ao consórcio CRCC-Tongguan.

O documento também sugere que os bancos chineses compensem as comunidades afetadas, melhorem sua governança ambiental e social e assumam a responsabilidade pelos danos de longo prazo causados ​​por sua inação.

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