Direitos Humanos
Bancos silenciosos da China: facilitadores ocultos de abusos ambientais na América Latina
Bancos chineses financiam as maiores minas na América Latina, enquanto comunidades enfrentam violência e despejos.
![Pedestres passam por uma agência do Banco Industrial e Comercial da China em Pequim. [Pedro Pardo/AFP]](/gc4/images/2025/07/17/51190-icbc-600_384.webp)
Por Entorno |
À medida que a transição energética global se acelera, os ricos depósitos de minerais essenciais da América Latina se tornaram um ímã para investimentos.
No centro dessa disputa está a China, o maior comprador e investidor na região, cujas empresas e bancos desempenham um papel fundamental na extração de cobre, lítio e outros recursos estratégicos.
Mas, à medida que as escavadeiras chinesas cavam cada vez mais fundo na terra, os relatos de abusos de direitos humanos que vitimam inimigos desses projetos continuam aumentando.
Um relatório divulgado em 6 de maio, elaborado por Paulina Garzón e María Emilia Hermosa, da organização Latinoamérica Sustentable (LAS), expõe um ator-chave, embora frequentemente esquecido, nesse padrão de violência: os bancos chineses.
![Manifestantes de comunidades locais afetadas pelo projeto de mineração Las Bambas, no Peru, expressaram suas queixas durante um protesto em 2021. [Ministério de Energia e Minas]](/gc4/images/2025/07/17/51208-bambas-600_384.webp)
Intitulado "Rompendo o anonimato: o papel dos bancos chineses frente aos impactos sofridos pelos defensores ambientais", o relatório aponta as instituições financeiras chinesas como atores silenciosos, mas essenciais, em um sistema que alimenta a repressão.
Esses bancos financiam mais de 120 projetos de mineração na região, incluindo Las Bambas, Río Blanco e Toromocho no Peru; Mirador no Equador; e operações de lítio na Argentina, no Chile e no Brasil.
De 2000 a 2020, quase 40% dos US$ 180 bilhões em exportações latino-americanas para a China corresponderam a minerais essenciais. Enquanto isso, 35% de todo o investimento estrangeiro direto chinês na região foi destinado ao setor de mineração.
De projeto em projeto, grupos da sociedade civil documentaram assédio, vigilância, despejos forçados, criminalização e até assassinatos de críticos de empreendimentos extrativos.
Apenas em 2024, a Front Line Defenders registrou 324 assassinatos de defensores dos direitos humanos em todo o mundo. Desses, um total impressionante de 257, ou 79,3%, ocorreu na América Latina.
A mão invisível das finanças
Apesar de seu profundo envolvimento financeiro, os bancos chineses enfrentaram pouco escrutínio ou responsabilização.
Os bancos desfrutam de um "conveniente anonimato" quando se trata dos abusos cometidos por seus clientes, afirmou a LAS. Mas a influência que exercem é inegável. Ao conceder empréstimos, os bancos influenciam diretamente as decisões e a conduta das empresas que financiam.
"Os bancos chineses têm responsabilidades ambientais e sociais a cumprir", destacam Garzón e Hermosa, citando não apenas diretrizes internas e diretivas do governo chinês, mas também padrões internacionais e as leis dos países-anfitriões.
Em janeiro de 2024, durante a Revisão Periódica Universal da China no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU), Pequim aceitou recomendações da Espanha e do Chile no sentido de proteger os defensores do meio ambiente. No entanto, a lacuna entre as promessas diplomáticas e a realidade permanece grande.
Mina Mirador do Equador: um ponto de virada
A mina de cobre amazônica conhecida como Mirador, situada na província de Zamora Chinchipe, Equador, exemplifica essas contradições. É a maior mina a céu aberto do país e em breve abrigará a barragem de rejeitos mais alta do mundo.
O projeto é operado pela Ecuacorriente S.A., subsidiária do consórcio chinês CRCC-Tongguan Investment. Oito bancos chineses, incluindo o Banco Industrial e Comercial da China e o Banco de Exportação e Importação da China, financiam o empreendimento.
Em fevereiro, a organização comunitária CASCOMI, com o apoio da LAS, publicou um relatório pioneiro detalhando a situação no terreno. O documento descreve despejos forçados, intimidação de líderes comunitários, vigilância de moradores e funcionários locais e pressão sobre a Defensoria Pública do Equador.
A empresa obstruiu as investigações sobre o assassinato de um opositor local à mina.
O relatório concluiu que os bancos chineses falharam em várias frentes: ignoraram as regulamentações ambientais e sociais, não realizaram ações de devida diligência e não têm mecanismos para monitorar ou corrigir a más condutsa corporativas.
Peru: a história se repete
Padrões semelhantes surgiram no Peru. Em março, um tribunal condenou à prisão 11 defensores de comunidades próximas a Las Bambas por seu envolvimento nos protestos de 2015.
Em seus protestos, eles exigiam consulta prévia para mudanças na avaliação de impacto ambiental da mina. A relatora especial da ONU sobre defensores dos direitos humanos, Mary Lawlor, respondeu veementemente: “Ninguém deve ser condenado por exercer o direito de defender os seus direitos", segundo o relatório da LAS.
Semanas depois, um tribunal de apelações peruano revogou a sentença, mas os danos aos acusados ou às suas comunidades já estavam feitos.
Outros projetos apresentam cicatrizes semelhantes. Em Río Blanco, um projeto de cobre e molibdênio com a participação do grupo chinês Zijin Mining, homens armados mataram quatro pessoas, feriram dezenas e sequestraram e torturaram mais de 30 outras vítimas entre 2004 e 2009.
Em Toromocho, outra grande mina financiada pela China, moradores relataram deslocamentos forçados e vigilância constante de líderes locais.
Rumo à tolerância zero
O relatório da LAS faz um apelo urgente por ação. Exige que os bancos chineses adotem uma política de tolerância zero a represálias contra defensores ambientais, implementem salvaguardas ambientais e sociais robustas e estabeleçam mecanismos formais de reclamação e reparação.
"Os bancos chineses não podem continuar fechando os olhos aos danos que o seu financiamento causa nas comunidades que pretendem servir", afirmam as autoras. A responsabilidade, acrescentam, não cabe apenas às empresas que operam retroescavadeiras nos Andes e na Amazônia, mas também aos banqueiros em Pequim, Xangai e Hong Kong que as financiam.
Para os governos, comunidades e movimentos sociais latino-americanos, o desafio é responsabilizar esses atores poderosos, especialmente quando os interesses econômicos muitas vezes se sobrepõem aos direitos humanos.
Mas, como lembra o relatório, se a China quiser continuar investindo na região, deve aprender a respeitar seu povo e seus territórios.