Economia
Analistas: América Latina deve regular investimentos chineses de forma mais agressiva
À medida que investimentos chineses crescem em toda a América Latina, analistas questionam seus benefícios de longo prazo e sigilo adotado pela China.
![O presidente chinês, Xi Jinping, fala durante a cerimônia de abertura da 4ª reunião ministerial do Fórum da China e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em Pequim, em 13 de maio. [Pedro Pardo/AFP]](/gc4/images/2025/06/10/50745-celac1-600_384.webp)
Por Edelmiro Franco V. |
BOGOTÁ — Os países latino-americanos devem assumir uma postura mais assertiva na regulação dos investimentos chineses, especialmente em questões ambientais, trabalhistas, de segurança e de direitos humanos, alertam observadores da região.
Essa foi a principal conclusão do fórum virtual “China-CELAC: Desafios e Perspectivas para a América Latina e o Caribe”, promovido em 29 de maio pelo BRICS Policy Center e pela organização Latinoamerica Sustentável (LAS). O evento debateu os resultados da quarta reunião ministerial do Fórum China-CELAC, realizada em 13 de maio em Pequim.
O BRICS é um bloco comercial batizado em homenagem aos primeiros membros: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. A CELAC é a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos.
As preocupações aumentaram em toda a região devido às crescentes alegações de violação de direitos humanos e ambientais por parte de investidores chineses, que se beneficiam da fiscalização frágil de normas e de pontos cegos regulatórios.
![O presidente chinês, Xi Jinping (centro); o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (segundo à esquerda); o presidente chileno, Gabriel Boric (esquerda), e o presidente colombiano, Gustavo Petro (à direita), chegam para sessão de fotos em grupo antes da cerimônia de abertura da 4ª reunião ministerial da China e da CELAC em Pequim, em 13 de maio. [Florence Lo/Pool/AFP]](/gc4/images/2025/06/10/50746-celac2-600_384.webp)
Os painelistas María Helena Rodríguez, do BRICS Policy Center do Brasil; Camilo Defelipe Villa, da Universidade Javeriana da Colômbia, e Maia Seeger, diretora da corporação chilena Sustentarse, concordaram sobre a necessidade urgente de estruturas regulatórias nacionais mais fortes para proteger os interesses regionais nas negociações com a China.
'Agir como um bloco'
“A América Latina deve buscar maior integração e atuar em bloco para negociar certas questões nos novos cenários globais e especialmente na questão dos minerais críticos e de toda a infraestrutura de extração e transporte”, disse Seeger durante o fórum.
Ela expressou preocupação com o fato de os governos enfraquecerem deliberadamente as regulações para atrair o investimento estrangeiro. "Estamos vendo as autoridades reverterem as proteções ambientais sob o pretexto de não espantar investidores", afirmou.
A extração de recursos não pode servir apenas a interesses estrangeiros, deixando a América Latina sobrecarregada com crises sociais e ambientais, acrescentou Seeger. Ela criticou a CELAC por não apresentar uma agenda unificada nas negociações com Pequim.
"No longo prazo, quão benéficos são estes investimentos (chineses) nos nossos países?", questionou ela.
A pesquisadora brasileira Rodríguez destacou a urgência de uma estratégia regional claramente definida para evitar violações dos direitos humanos por parte de investidores chineses ou outros investidores estrangeiros.
"A China sabe muito bem o que quer da América Latina. Mas não sabemos muito bem o que queremos da China e, se sabemos, é em muito curto prazo. Temos de definir a nossa visão do futuro e a nossa visão do desenvolvimento", disse ela.
Para o pesquisador Defelipe, faltou no fórum China-CELAC uma ênfase à regulamentação de salvaguardas e à responsabilização dos investidores, especialmente na área de mineração. “Houve muito pouca discussão em torno da responsabilidade social e ambiental”, disse ele.
A estratégia clara da China
A China tem um roteiro bem definido para sua expansão na América Latina, focado em setores estratégicos como energia, infraestrutura digital e comércio eletrônico transfronteiriço, disseram os painelistas.
O Plano de Ação Conjunto CELAC-China (2025-2027), definido durante o recente fórum em Pequim, descreve uma cooperação ampla em crescimento, investimento e transformação produtiva. As principais áreas para a China incluem energia limpa, inteligência artificial e economia digital.
O plano de ação destaca a intenção de Pequim de aumentar as importações de “produtos de qualidade” da região e de incentivar mais empresas chinesas a investir na América Latina e no Caribe.
Defelipe vê nessa ênfase uma potencial faca de dois gumes.
"Me chama atenção a necessidade (da China) de importar produtos de alta qualidade da América Latina. Não foi especificado (...) se isso implicará barreiras não tarifárias, políticas de transformação, uma potencial transição energética, de mineração responsável", disse ele.
Influência e falta de transparência
Seeger apresentou seu estudo “Investimentos, Transparência e Governança Socioambiental”, publicado em abril de 2024. O relatório analisa 50 anos de relações sino-chilenas e destaca os desafios em termos de transparência nos investimentos chineses, especialmente com relação à proteção ambiental e aos direitos humanos.
Paulina Garzón, diretora executiva da Sustainable Latinoamérica e autora do prólogo do relatório, disse que a relação do Chile com a China em "todos os níveis tem sido caracterizada por um número esmagador de negócios e acordos controversos, além de atividades de lobby, muitas vezes imperceptíveis para a opinião pública porque ocorrem nas fronteiras confusas entre o público e o privado".
"Tentam manter silenciosas as operações dos bancos e investidores chineses, com cláusulas expressas de confidencialidade, o que dificulta a sua rastreabilidade e não cumpre os padrões básicos de acesso à informação pública e de responsabilização", disse Garzón.
O relatório critica os investidores chineses por não darem atenção aos impactos socioambientais e prosseguirem com projetos que geram ampla oposição da comunidade ou ameaçam os sistemas ecológicos.
"O sigilo parece ser uma característica inerente à cultura empresarial chinesa", afirma o estudo, acrescentando que as instituições chilenas também são responsáveis por essas práticas. A transparência corporativa das empresas chinesas que operam no Chile, observa o relatório, “está bem abaixo” dos padrões globais.
As instituições chinesas sediadas no Chile carecem de transparência, concordou Seeger. De acordo com sua pesquisa, o primeiro grande alarme soou em 2014, quando a mídia chilena revelou perdas de milhões de dólares sofridas pela gigante estatal do cobre Codelco após um acordo com a chinesa Minmetals Non-Ferrous Metals Co.
Na época, reportagens denunciaram “irregularidades, desvios e fraudes”, associando as perdas nos mercados futuros a transferências de lucros potencialmente fraudulentas entre empresas relacionadas. Mas as investigações públicas não levaram a lugar nenhum e a responsabilização permanece uma ilusão.