Economia

Compre agora, pague depois: a invasão do comércio eletrônico chinês na América Latina

Varejistas eletrônicos chineses estão atraindo consumidores latino-americanos para um modelo de negócio que prejudica o ambiente e devasta as indústrias nacionais dos compradores.

Isidora Olave, 20 anos, recebe seu pedido da gigante chinesa de fast fashion Shein em Santiago. Varejistas online chineses ultrabaratos geram preocupações em toda a América Latina devido à concorrência desleal que representam para empresas tradicionais. [Rodrigo Aranguá/AFP]
Isidora Olave, 20 anos, recebe seu pedido da gigante chinesa de fast fashion Shein em Santiago. Varejistas online chineses ultrabaratos geram preocupações em toda a América Latina devido à concorrência desleal que representam para empresas tradicionais. [Rodrigo Aranguá/AFP]

Por AFP |

SANTIAGO – Isidora Olave abre pacote contendo uma camiseta, uma saia e um punhado de adesivos de glitter enviado à sua porta em Santiago, no Chile, a quase 20 mil quilômetros da China.

Como muitos de seus colegas, a estudante de odontologia de 20 anos diz que não gosta mais de shoppings centers.

Em vez disso, ela compra de forma barata e conveniente "moda ultrarrápida" em plataformas chinesas como Shein, Temu e AliExpress, que oferecem de tudo, desde produtos domésticos a artigos de papelaria.

“Comprei na Shein porque precisava de algo específico e era mais barato do que comprar aqui no Chile”, disse Olave à AFP em Santiago sobre sua última aquisição online.

Funcionários de empresa de transporte organizam pacotes no Aeroporto Internacional de Santiago em novembro. [Rodrigo Aranguá/AFP]
Funcionários de empresa de transporte organizam pacotes no Aeroporto Internacional de Santiago em novembro. [Rodrigo Aranguá/AFP]
Trabalhadores produzem roupas em Guangzhou, na China, em junho. A fábrica fornece roupas para a gigante de comércio eletrônico de fast fashion Shein. [Jade Gao/AFP]
Trabalhadores produzem roupas em Guangzhou, na China, em junho. A fábrica fornece roupas para a gigante de comércio eletrônico de fast fashion Shein. [Jade Gao/AFP]

Ela pagou US$ 15 pelo pedido, incluindo o frete – cerca de metade do valor dos mesmos itens em uma loja local.

De acordo com a plataforma de dados Statista, os latino-americanos gastaram cerca de US$ 122 bilhões em compras online em 2022, número que deverá aumentar para US$ 200 bilhões até 2026.

É uma tendência de consumo em rápido crescimento, com uma enorme pegada de carbono e consequências desconcertantes para a indústria nacional.

A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que a indústria da moda gera cerca de 10% das emissões de carbono que aquecem o planeta todos os anos – mais do que todos os voos internacionais e o transporte marítimo juntos.

Um relatório de 2023 da Comissão de Revisão Econômica e de Segurança EUA-China, uma agência governamental norte-americana, afirma que “a Shein e outras plataformas de fast fashion estão exacerbando esta tendência”.

Todos os anos, cerca de 85% dos produtos têxteis vendidos em nível mundial acabam em aterros ou lixões, revela a ONU.

A maioria, em países em desenvolvimento como o Chile, cujo deserto do Atacama apresenta montanhas crescentes de roupas descartadas.

"Um grande desafio"

A América Latina, antes solidamente inserida na esfera de influência dos Estados Unidos, é um alvo particular para a expansão comercial da China.

A Iniciativa do Cinturão e Rota de Pequim vem investindo fortemente em energia e infraestrutura na região, enquanto o país asiático também expande a sua presença diplomática e cultural.

Numa tentativa de proteger as indústrias locais do ataque comercial chinês, o Chile e o Brasil eliminaram as isenções tributárias de consumidores individuais para compras no exterior abaixo de US$ 41 e US$ 50, respectivamente.

O México avalia controles mais rigorosos, mas os analistas não estão convencidos de que a maré possa ser travada.

Empresas como Shein e Temu se baseiam em uma receita que combina preços baixos de produtos, anúncios direcionados a um público cativo nas redes sociais e acordos de preços vantajosos com empresas de transporte marítimo.

Suas vendas foram impulsionadas pela pandemia da COVID-19, que estimulou milhões de trabalhadores e estudantes a fazerem compras de casa.

No posto alfandegário do aeroporto de Santiago, o resultado é evidente. Em 2023, o local movimentou 20 milhões de pacotes recebidos. Em 2024, a expectativa é que o número feche em cerca de 30 milhões.

O total de encomendas recebidas cresceu cerca de 1.000% em cinco anos, segundo a chefe da alfândega de Santiago, Maria José Rodriguez.

Verificar os pacotes em busca de possível contrabando “tem sido um grande desafio operacional”, relatou ela à AFP.

No mês passado, a União Europeia anunciou uma investigação sobre a suspeita de que a Temu faz muito pouco para impedir a venda de produtos ilegais.

Em 2023, os parlamentares dos EUA buscaram explicações de Shein, Temu e outras marcas sobre alegações de que seus produtos são fabricados com uso de trabalho forçado.

Risco de vício

Especialistas em saúde mental alertam sobre os potenciais riscos psicológicos associados ao vício em compras em um mundo onde o marketing se tornou cada vez mais intrusivo.

“À noite, em vez de assistir a uma série, muitas pessoas passam o tempo deslizando na tela [do celular], navegando”, alertou à AFP a psicóloga uruguaia especializada em marketing Veronica Massonier.

Os consumidores jovens, confrontados com o fenômeno adicional da pressão dos pares, são mais propensos a se tornarem vítimas de compras por impulso, acrescentou.

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