Economia
Temu da China: um disruptor ou uma ferramenta de mineração de dados?
Temu está sendo criticada por alegações de trabalho forçado, uso de materiais não recicláveis e abusos na cadeia de suprimentos e no meio ambiente.
![Ilustração fotográfica mostra o aplicativo Shein na App Store refletido no logotipo da Temu em Washington, DC, em fevereiro de 2023. [Stefani Reynolds/AFP]](/gc4/images/2024/10/16/47866-temu-600_384.webp)
Por Analía Rojas |
BUENOS AIRES -- A chegada da Temu ao mercado latino-americano em meados de 2023 não apenas introduziu uma nova opção de compras on-line, mas também representou um marco na crescente influência das empresas chinesas no comércio regional.
Embora os preços baixos e a vasta seleção de produtos da Temu tenham atraído muitos usuários, o aplicativo representa sérios riscos à segurança de dados e motiva preocupações éticas com relação a certas práticas comerciais, de acordo com empresas de segurança digital.
Semelhante às polêmicas em torno doTikToke datecnologia 5G da Huawei, a plataforma de compras chinesa Temu — que agora está ganhando popularidade na América Latina — gerou preocupações com a coleta em larga escala de dados de usuários e seu potencial uso indevido.
Além dos riscos típicos de phishing associados a plataformas on-line, a Temu pode estar explorando brechas regulatórias para coletar informações confidenciais de usuários, de acordo com vários relatórios e análises de segurança cibernética.
![Foto feita em 26 de julho de 2018 mostra Colin Huang, fundador da empresa de comércio eletrônico Temu (também conhecida como Pinduoduo), fazendo discurso durante a oferta pública inicial da empresa em Xangai. [AFP]](/gc4/images/2024/10/16/47867-temu2-600_384.webp)
A coleta e o uso desses dados geraram temor de que eles poderiam ser influenciados ou controlados peloPartido Comunista Chinês.
Consumidores desavisados
Subsidiária chinesa de comércio eletrônico da PDD Holdings, a Temu permite que os consumidores comprem produtos diretamente de fabricantes conhecidos pela oferta de preços baixíssimos.
Fundada em 2015 pelo bilionário chinês Colin Huang, a empresa teve rápido crescimento e, em 2023, mudou sua sede de Xangai para Dublin.
A Temu conquistou a atenção de milhões de usuários na América Latina e no mundo todo, superando até mesmo outras plataformas chinesas, como a Shein, e desafiando concorrentes estabelecidos como o AliExpress.
Simultaneamente, a Temu acelerou o fluxo de produtos chineses para a região, expandindo sua presença nos mercados latino-americanos.
Um exemplo de preços baixos na plataforma Temu são os fones de ouvido sem fio por menos de US$ 5, enquanto itens semelhantes custam de US$ 20 a US$ 50 em outras lojas on-line.
Além disso, a Temu oferece um smartwatch básico por cerca de US$ 10, muito menos do que seus concorrentes cobram.
Apesar de a Temu parecer o destino de compras perfeito devido aos preços baixos e ao amplo catálogo, avaliações dos clientes contam uma história diferente.
O site tem uma classificação de apenas 2,45 de 5 no Better Business Bureau (BBB), e 44% das avaliações no Trustpilot dão apenas 1 de 5 estrelas.
O mau atendimento ao cliente e a má qualidade dos produtos aparecem em muitas das reclamações.
"Isso não faz do Temu um site fraudulento. Mas sua popularidade o torna um site de interesse para golpistas, que tentarão realizar seus golpes aproveitando-se de consumidores desavisados", alerta Camilo Gutiérrez, diretor do Laboratório de Pesquisa da ESET América Latina.
Os comentários de Gutiérrez foram destacados em um relatório para a imprensa publicado em agosto pela ESET, uma empresa global de segurança digital.
A polêmica em torno da Temu gerou desconfiança entre os consumidores, o que fica evidente em inúmeras postagens e memes on-line zombando da baixa qualidade e das origens questionáveis de seus produtos.
Compre agora
A Temu emprega táticas de marketing agressivas e algoritmos avançados para cativar usuários, alinhando-se aos princípios da "economia da atenção".
O aplicativo chinês utiliza promoções personalizadas e notificações frequentes para incentivar compras por impulso.
Além dessas práticas, o aplicativo foi acusado de coletar dados do usuário sem consentimento, conforme descrito em um relatório de setembro de 2023 da empresa de pesquisa Grizzly Research.
Há relatos de que a coleta ilegal de dados está ocorrendo não apenas nos Estados Unidos, mas também na América Latina, onde a regulamentação é fraca ou inexistente.
Os consumidores devem ter cuidado ao fazer compras on-line pela Temu, de acordo com a ESET.
A acessibilidade dos produtos na Temu decorre de seu modelo de negócios, que elimina intermediários e se vale de uma vasta rede de fornecedores chineses.
Essa estratégia reduz custos, mas pode comprometer a qualidade do produto e levar a problemas éticos, informou a Wired em junho.
As táticas da Temu também são criticadas por promover o consumo excessivo, observou a Forbes em um artigo de maio sobre trabalho forçado e marketing agressivo.
Por trás da fachada de produtos acessíveis, existe uma realidade preocupante dedegradação ambientale exploração do trabalho, conforme destacado por diversos estudos.
As marcas chinesas têm uma notável falta de responsabilização, disse o grupo independente de vigilância da moda Remake em seu relatório anual de 2024 sobre as práticas das principais empresas de vestuário.
O Remake deu à Temu 0 de 150 pontos em direitos humanos, citando preocupações de que muitos fabricantes têxteis em sua cadeia de suprimentos usam trabalho forçado e que a maioria de seus produtos é feita de materiais sintéticos não recicláveis.
Como maior produtora e consumidora de têxteis do mundo, a China deve muito do seu sucesso a gigantes do comércio eletrônico como a Shein e a Temu.
A expansão da Temu na América Latina não é um caso isolado. Pelo contrário, faz parte de uma estratégia mais ampla da China para aumentar sua presença econômica e comercial na região, em linha com seu projeto global de infraestrutura, a Iniciativa do Cinturão e Rota.