Economia
Plataformas de comércio eletrônico chinesas pressionam indústria têxtil da América Latina
Shein e Temu conquistam consumidores com preços baixos, mas causam estragos nas economias locais.
![Trabalhadores de uma indústria têxtil em Guangzhou, na província de Guangdong, China, produzem roupas para a gigante do comércio eletrônico de fast fashion Shein. [Jade Gao/AFP]](/gc4/images/2025/06/12/50778-shein1-600_384.webp)
Por Giselle Alzate |
BOGOTÁ – A ascensão das gigantes chinesas de comércio eletrônico Shein e Temu lançou uma crise na indústria têxtil da América Latina.
Baseado em preços baixos, produção sob demanda e envio direto ao consumidor, o modelo de negócios dessas empresas está levando indústrias e marcas tradicionais de países como Brasil, Colômbia e Argentina à falência. Os governos e os grupos industriais começam a responder com tarifas e acusações de concorrência desleal.
As plataformas exploram lacunas jurídicas na região para inundar os mercados com roupas ultrabaratas. Ao eliminar intermediários, prever tendências através da análise de dados e produzir em pequenos lotes, elas se ajustam rapidamente à demanda local.
A América Latina se tornou um dos seus principais alvos das plataformas chinesas para expansão global.
![Bandeira chinesa exibida em uma tela e logotipo da Shein na tela de um telefone são vistos nesta foto ilustrativa feita em Cracóvia, Polônia. [Jakub Porzycki/NurPhoto via AFP]](/gc4/images/2025/06/12/50781-shein2-600_384.webp)
"É preciso haver adaptabilidade à demanda local através da produção em pequenos lotes", reconheceu Patrick Lassauze, porta-voz da Shein no México, ao site Bloomberg Línea no início de maio.
Lassauze admitiu que a Shein ainda enfrenta obstáculos na região, como infraestrutura logística limitada, regulamentações comerciais e restrições de abastecimento. Mas a tendência é inegável.
Brasil soa o alarme
No Brasil, o maior mercado da região, a indústria têxtil afirma que a Shein e a Temu se beneficiam de um sistema tributário desequilibrado.
Enquanto as empresas nacionais enfrentam uma carga tributária de até 90%, as plataformas estrangeiras pagam apenas 20% de imposto de importação e 17% de ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços), percentual que sobe para 20% em alguns estados, disse Fernando Valente, diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), ao Bloomberg Línea.
"Países com um grande mercado interno, como o Brasil, sofrem mais. O setor têxtil é especialmente vulnerável à concorrência desleal da China", disse Valente.
As importações de têxteis aumentaram 20% em 2023, e 60% delas vieram da Ásia. O crescimento da indústria nacional no mesmo ano, em contraste, se estagnou em apenas 4%, observou Valente.
Colômbia pressionada a combater contrabando
A Colômbia assumiu uma postura mais dura. Desde 2022, o país impôs tarifas de até 40% sobre peças de vestuário importadas, uma medida que ajudou a impulsionar a produção local.
Mas as plataformas chinesas continuam operando através do “contrabando formiga”: estima-se que 400.000 kg de mercadorias entrem diariamente na Colômbia sem pagar impostos nem gerar empregos locais, alertou Guillermo Criado, presidente da Câmara Colombiana de Vestuário.
O “contrabando formiga” se refere a pequenas compras on-line, normalmente abaixo de US$ 100, feitas em plataformas chinesas que entram em países sem tarifas e sob isenções para uso pessoal.
Criado pede que o governo colombiano aja rapidamente contra as importações digitais não controladas. "Não podemos ceder o mercado a produtores asiáticos que não pagam impostos", disse o executivo ao Bloomberg Línea.
Argentina abre a porta
Na Argentina, o governo desmantelou muitas políticas protecionistas, permitindo que Shein e Temu explorassem isenções para remessas de baixo valor.
"As medidas atuais são um extermínio industrial", disse Marco Meloni, vice-presidente da associação empresarial Industriales Pymes Argentinas.
Embora a Shein tenha causado sensação no México, onde milhares de pessoas lotaram suas lojas pop-up em Guadalajara e Monterrey, isso gerou polêmica. O Ministério da Cultura do país acusou a marca de se apropriar de designs têxteis maias.
Preocupações trabalhistas e éticas
O Greenpeace criticou o impacto ambiental da empresa, revelando que 15% das amostras de produtos Shein continham produtos químicos perigosos.
Os trabalhadores do setor de vestuário “trabalham frequentemente de 10 a 16 horas por dia, seis dias por semana, por quase três vezes menos do que o salário mínimo do seu país”, enquanto “80% das peças de vestuário são feitas por mulheres jovens com idades entre 18 e 24 anos”, disse o Greenpeace em 2024.
Essas condições contrastam fortemente com o código de conduta público da Shein, que promete um ambiente de trabalho seguro e justo.
No entanto, a popularidade das plataformas não mostra sinais de declínio. Entre os jovens latino-americanos, a Shein se tornou uma das opções preferidas.
A situação levanta questões urgentes em relação ao futuro da indústria têxtil regional. As empresas latino-americanas conseguirão competir com esse modelo ultrarrápido? Que papel os governos devem desempenhar para equilibrar o comércio sem sacrificar a sustentabilidade e os direitos trabalhistas?
Até agora, as respostas têm sido vagas. As plataformas chinesas continuam ganhando terreno, enquanto os ateliês locais em toda a América Latina fecham as portas em silêncio, um a um.