Economia
Mel chinês adulterado ameaça indústria apícola da Argentina
Produto põe em risco mercados apícolas da América Latina e a subsistência de inúmeros apicultores e agricultores.
![Abelha voa em torno de um girassol nos arredores de Juan José Castelli, na província de Chaco, na Argentina. [Luis Robayo/AFP]](/gc4/images/2023/10/13/44495-bee1-600_384.webp)
Por Laura Beatriz Pacheco |
BUENOS AIRES –- O aumento das vendas de várias formas de mel adulterado e de baixo preço provenientes da China representa uma grande ameaça para importantes mercados apícolas, afetando principalmente países como a Argentina, um dos principais exportadores da América Latina.
A redução de custos obtida de várias maneiras por parte dos produtores de mel chineses desencadeou uma guerra de preços no mercado global. Os produtores de mel argentinos podem competir em qualidade, mas não não têm fôlego para fazer frente aos preços baixos.
A Argentina é o terceiro maior exportador global de mel, atrás apenas da Nova Zelândia e da China.
Em 2022, as exportações de mel da Argentina atingiram US$ 247 milhões. No entanto, no primeiro semestre de 2023, a receita dos embarques caiu fortemente, para US$ 95 milhões, segundo a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Pesca do país.
![O apicultor argentino Martín Landini, baseado na Reserva Natural do Tigre, próximo de Buenos Aires, inspeciona uma colmeia. O aumento das vendas de mel falsificado proveniente da China representa uma grande ameaça para importantes mercados apícolas, afetando principalmente países como a Argentina, um dos principais exportadores de mel da América Latina. [Martin Landini]](/gc4/images/2023/10/13/44496-bee2-600_384.webp)
“Na Argentina, temos uma diversidade de climas, o que possibilita a apicultura em todo o país e garante uma ampla capacidade de produção e variedade”, diz o apicultor Martín Landini, baseado na Reserva Natural Tigre, próximo de Buenos Aires, em entrevista ao Entorno.
Da produção anual superior a 75.000 toneladas de mel, a Argentina destina mais de 90% à exportação, principalmente a granel. Os principais destinos desses embarques são os Estados Unidos (62%) e a Alemanha (13%), os maiores importadores mundiais do produto natural.
Ameaça global
Os produtores de mel chineses utilizam várias práticas para reduzir a qualidade e o preço, como rotular um produto como mel, mesmo que contenha apenas xarope, e misturar mel com xarope.
Os produtores chineses também misturam mel chinês com xarope e mel europeu, para que a mistura possa ser rotulada como de “origem europeia”. Dessa forma, o “mel” barato pode ser vendido em toda a Europa e faturado como um produto europeu premium.
O especialista argentino em processamento e comércio exterior de mel Norberto García Girou disse ao Entorno que, embora o problema seja mais visível na Argentina, também acaba afetando negativamente outros países exportadores da América Latina, como México, Cuba, Brasil, Chile e Uruguai. Ele enfatiza que essa situação representa uma “ameaça global à apicultura”.
“Se a adulteração continuar descontrolada, o futuro da apicultura global autêntica parece sombrio, independentemente do país. O mel, como produto artesanal, está se tornando cada vez mais difícil de produzir e não pode competir [com os preços] de outros adoçantes industriais”, afirma García Girou.
O especialista, que estudou o tema durante mais de uma década, faz um forte alerta: se a adulteração do mel não for restringida, inevitavelmente “significará o fim da apicultura comercial”.
Nos últimos anos, apicultores de todo o mundo verificaram perdas significativas em suas colônias, principalmente devido a vários fatores antropogênicos. Essa situação ameaça substancialmente os ecossistemas e a biodiversidade, dado o papel crucial que as abelhas e outros polinizadores desempenham em garantir a sobrevivência humana e a segurança alimentar.
Apesar das dificuldades na produção de mel, a procura pelo produto aumentou nos últimos anos. Fatores como a pandemia de COVID-19 e a tendência crescente de adoção de hábitos de vida mais saudáveis contribuíram significativamente para esse aumento.
“Como os supermercados continuam estocando potes de mel enquanto as populações de abelhas diminuem?”, questiona Landini.
“Estamos falando de um alimento absolutamente único – não é apenas um item comum. O mel possui valiosas propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e antibióticas.”
No entanto, "quando você compra uma pequena bisnaga de mel no supermercado rotulada como 'mel', na verdade, você não está recebendo nenhum desses benefícios; é essencialmente açúcar puro", disse ele, referindo-se a algumas imitações de mel que chegam ao mercado.
Remessas suspeitas da China
Controlar a adulteração desse alimento valioso com xarope açucarado está se tornando cada vez mais desafiador, mesmo com métodos analíticos avançados. A questão é preocupante para a União Europeia, que absorve mais de 22% das exportações de mel argentino.
Em 2015, a Direção-Geral da Saúde e Segurança Alimentar da Comissão Europeia iniciou o plano de controle coordenado “Das Colmeias”, envolvendo 16 estados-membros. As amostras coletadas de 2021 a 2022 como parte dessa análise revelaram que algumas delas não atendiam aos parâmetros de pureza.
O maior número absoluto de remessas suspeitas tinha origem na China (66 de 89 remessas, ou seja, 74%). No entanto, o mel da Turquia (14 de 15 remessas, ou 93%) teve o maior percentual de amostras suspeitas, conforme indicado pelo relatório da Direção-Geral da Saúde e Segurança Alimentar da Comissão Europeia.
O estudo abrangeu um total de 320 amostras, a maioria procedente de China, Ucrânia, Argentina, México, Brasil e Turquia.
O desafio de detectar a adulteração de mel na Europa é agravado pelo Código Aduaneiro da União, que permite que o mel chinês receba legalmente a denominação de origem de países como a Espanha, dificultando ainda mais a supervisão.
De acordo com um relatório de investigação de 2021 intitulado “O enigmático problema do mel chinês”, elaborado pelo Coordenador das Organizações de Agricultores e Pecuaristas da Espanha (COAG), a aplicação desse código permite que “operadores de vários estados-membros da UE misturem mel colhido na Espanha e na China".
As empresas inescrupulosas manipulam cuidadosamente as proporções para garantir que o mel espanhol “constitua mais de 50% do peso da mistura, obtendo consequentemente um novo rótulo de origem, como "Produto da Espanha", para o produto final”.
Segundo profissionais do setor, como García Girou, que é membro da Federação Internacional de Associações de Apicultura (APIMONDIA), uma estratégia vital no combate à adulteração, além da crescente conscientização do consumidor, é a padronização global de normas para o mel.
“As normas servem como referência definitiva para juízes e disputas judiciais. A resolução eficaz desses problemas exige uma ação decisiva das autoridades competentes”, sugere o especialista.
García Girou diz estar convencido de que, embora a erradicação desse fenômeno seja um desafio, ele pode certamente ser controlado para garantir o “desenvolvimento regular do mercado”.
Esse ponto é fundamental, afirma ele, uma vez que o mel não é apenas um produto econômico vital, mas também um meio de sustento para muitas famílias em toda a América Latina.