Sociedade

Clássicos da literatura latino-americana renascem no streaming

América Latina é um dos mercados de crescimento mais rápido para serviços de streaming em todo o mundo. Procura crescente está levando plataformas a ampliarem suas ofertas de conteúdo regional.

Foto feita em fevereiro em Buenos Aires mostra mulher segurando um telefone celular no qual é exibida a série de streaming da Netflix 'Cem Anos de Solidão', baseada no romance do autor colombiano ganhador do Prêmio Nobel, Gabriel García Márquez. [Luis Robayo/AFP]
Foto feita em fevereiro em Buenos Aires mostra mulher segurando um telefone celular no qual é exibida a série de streaming da Netflix 'Cem Anos de Solidão', baseada no romance do autor colombiano ganhador do Prêmio Nobel, Gabriel García Márquez. [Luis Robayo/AFP]

Por AFP |

BUENOS AIRES – Seis décadas após a América Latina entrar na cena literária internacional, com contos mágicos que serviram de espelho para o continente, suas obras-primas desfrutam de um novo momento à media que as plataformas de streaming as adaptam para a tela.

A Netflix construiu do zero a mítica cidade de Macondo, cenário de “Cem Anos de Solidão”, para a primeira adaptação cinematográfica da épica alegoria da vida na América Latina, criada pelo falecido escritor colombiano ganhador do Nobel, Gabriel García Márquez.

Outro clássico da literatura latino-americana, que Garcia Márquez dizia saber de cor, "Pedro Paramo", do romancista mexicano Juan Rulfo, foi transformado em série da Netflix.

Herdeiros políticos de Márquez e Rulfo também estão recebendo atenção, como o romance best-seller "Como Água para Chocolate", escrito por Laura Esquivel, que explora os poderes mágicos da comida e cuja adaptação encontrou seu lar na Max.

Homem passa por banner anunciando a estreia da série da Netflix 'O Eternauta', baseada na história em quadrinhos argentina de ficção científica de Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López, em Buenos Aires. [Luis Robayo/AFP]
Homem passa por banner anunciando a estreia da série da Netflix 'O Eternauta', baseada na história em quadrinhos argentina de ficção científica de Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López, em Buenos Aires. [Luis Robayo/AFP]

Outras adaptações em andamento incluem "Travessuras da Menina Má", do escritor peruano Mario Vargas Llosa, e "A Casa dos Espíritos", da escritora chilena-americana Isabel Allende, que estreará neste ano no Prime Video, tendo a própria Allende e a estrela de "Desperate Housewives", Eva Longoria, como produtoras executivas.

"Todas [as adaptações] coincidiram no tempo, com uma diferença de meses", disse à AFP o vice-presidente de conteúdo da Netflix para a América Latina, Francisco Ramos.

Para o produtor mexicano, o que une esses títulos é que todos “são histórias muito boas” que “contam coisas muito interessantes sobre as culturas desses países”.

Vozes distintas

Embora a maioria das séries seja baseada em romances, dois quadrinhos argentinos estão recebendo tratamento para o streaming.

"Mafalda", a satírica história em quadrinhos sobre uma menina curiosa de 6 anos que conquistou os corações dos falantes de espanhol em todo o mundo nas décadas de 1960 e 1970, está sendo transformada em série da Netflix pelo diretor de cinema vencedor do Oscar Juan Jose Campanella.

O mesmo ocorre com a história em quadrinhos de ficção científica dos anos 1950 “O Eternauta”, sobre uma invasão alienígena em Buenos Aires.

"São duas obras muito específicas, que também têm um alcance internacional, então para nós é também exportar a cultura [argentina]", disse Ramos em Buenos Aires durante a exibição para a imprensa do primeiro episódio de "O Eternauta", que estreia em 30 de abril.

Os dois quadrinhos foram escolhidos por serem marcadores da cultura popular com conotações políticas distintas, afirma o pesquisador de comunicação argentino Leonardo Murolo.

Em um país que debate política “o tempo todo e que tem um olhar crítico sobre sua história e memória”, os dois quadrinhos oferecem uma “contribuição distinta” para o tsunami do streaming, disse Murolo à AFP.

‘Histórias conhecidas’

A América Latina é uma das áreas de maior crescimento para serviços de streaming no mundo.

Segundo a agência especializada Digital TV Research, o número de assinantes de plataformas de streaming deverá crescer 50% até 2029, atingindo 165 milhões de lares.

O aumento da demanda levou as plataformas a ampliar seu conteúdo regional.

Obras como "Cem Anos de Solidão", "Pedro Paramo" e "O Eternauta" têm “índices de 'colombianidade, mexicanidade e argentinidade' que são atraentes para gerar identificação”, disse Murolo.

Mas, além de atrair o público local curioso para ver “como são contadas estas histórias tão conhecidas”, elas têm a capacidade de atravessar fronteiras, observou ele.

Na sua primeira semana, “Cem Anos de Solidão”, que estreou em 11 de dezembro, foi uma das três séries em língua não inglesa mais assistidas na Netflix.

Investimento de US$ 1 bilhão

O crescimento da indústria cinematográfica da América Latina facilitou a representação do continente na tela.

"Há 20 ou 15 anos, teria sido muito difícil criar produções desta magnitude", disse Ramos.

Para “Cem Anos de Solidão”, a Netflix construiu quatro versões diferentes de Macondo nas proximidades do município de Ibagué, na Colômbia.

Em Buenos Aires, as equipes usaram painéis de LED para criar cenários de realidade virtual durante as filmagens de “O Eternauta”.

Em um sinal de compromisso com a indústria local, a Netflix anunciou em fevereiro que investirá US$ 1 bilhão nos próximos quatro anos para produzir séries e filmes no México.

Mas, apesar da boa aceitação das produções locais pelo público em geral, adaptar clássicos da literatura é um negócio arriscado.

As dramatizações para a TV “enfrentam o risco de (ficar aquém do) mundo imaginário que o público cria em relação à sua história favorita”, diz Murolo. “É impossível agradar a todos.”

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